Foto: DrGica
30 novembro 2006
Repetto
O rapaz de Maipu, crescido entre as vacas e os camperos da província de Buenos Aires, cuja voz parece a de um vinil de 78 rotações e que canta as canções da avó Emma com a cabeça enterrada nos ombros e os braços estendidos para a frente, como um aleijadinho que não sabemos se nos vai dar ou pedir alguma coisa.
E um índio, outro rapaz de duvidosa e transbordante virilidade, dois perscrutantes maestros na guitarra e no violetão.
Do lado de cá estão os ouvintes. Estranhamente os ouvintes são só face aberta e transparente, alma externalizada. Vieram sozinhos, ou a dois, em alguns casos a três. Mas abandonaram os fantasmas do fundo do poço, as vísceras mais pesadas, as botas e os mantos do Inverno. E estão ali, iluminados pela luz que vem do palco, só pele, olhos, dentes, só testas e decotes, só mãos brilhantes, só ches, só jos, só itos.
29 novembro 2006
Eduardo, desatrabile.
Nos últimos três dias o Eduardo Pitta usou pelo menos três vezes o termo atrabile. O Livro do Meio, de Armando Silva Carvalho e Maria Velho da Costa, tem atrabile. A reacção dos docentes ao processo de Bolonha também. O facto causou alguma perplexidade a alguns dos seus leitores. Finalmente a explicação: o Eduardo viajou por Coimbra, onde a atrabile e também a bile amarela, e ainda a verdongosa, infiltram, escorrentes, alguns lugares públicos e privados.
Desejo ao Eduardo, um bom regresso a Lisboa e aos bons humores.
Desejo ao Eduardo, um bom regresso a Lisboa e aos bons humores.
28 novembro 2006
A nossa menina V.
Quando te vemos sentimo-nos melhores. Falamos mais baixo. Sorrimos. Temos tempo para conversar com os putos. Acreditamos que há soluções para tudo.
Quando os teus tacões batem no mármore dos corredores os glóbulos sobem nos neutropénicos, aumenta o fluxo nesse vaso a que chamam porta e nos canais apertados escorre a bílis.
Estás lá quando todos partiram. Quando faz falta. E o teu turno é manhã, noite, madrugada.
Quem é que sabe assim fazer as contas? Quem é que se veste para os meninos como para os namorados?
Hoje cortamos os cabelos para ti. Não custa um mínimo. Quando te disseram que ias começar um AVBD tu pensaste que era um RAVBD.
R de rosa. Rosa choque, claro.
Quando os teus tacões batem no mármore dos corredores os glóbulos sobem nos neutropénicos, aumenta o fluxo nesse vaso a que chamam porta e nos canais apertados escorre a bílis.
Estás lá quando todos partiram. Quando faz falta. E o teu turno é manhã, noite, madrugada.
Quem é que sabe assim fazer as contas? Quem é que se veste para os meninos como para os namorados?
Hoje cortamos os cabelos para ti. Não custa um mínimo. Quando te disseram que ias começar um AVBD tu pensaste que era um RAVBD.
R de rosa. Rosa choque, claro.
Um sonhador, a queda.
Um homem vivia atormentado por intrusões de sono REM na sua vigília. Ora lhe chamavam sonhador ora lhe faltava o chão. Só os olhos mexiam. Mas quem olha os olhos de um homem caído.
Um homem vivia, digamos, em status cataléptico. Foi isso o que disse o especialista francês na reunião de Sintra.
– Está em status minor cataléptico.
Minor porque o homem, embora boquiaberto, ia fazendo a sua vida. Fazendo a sua vida nos períodos de vigília, fazendo a vida sabe-se lá de quem nos períodos intrusivos de sono REM.
Um homem vivia, digamos, em status cataléptico. Foi isso o que disse o especialista francês na reunião de Sintra.
– Está em status minor cataléptico.
Minor porque o homem, embora boquiaberto, ia fazendo a sua vida. Fazendo a sua vida nos períodos de vigília, fazendo a vida sabe-se lá de quem nos períodos intrusivos de sono REM.
27 novembro 2006
26 novembro 2006
First Annual Solstice Synchronized Global Orgasm for Peace
Este blog manifesta-se entusiasmado com a iniciativa e gostaria de reunir os meios necessários para a apoiar.
Mário Cesariny
Era A Única Real Tradição Viva.
Aqui no Mal fizémos o que devíamos. Na rua deserta por detrás da Estação Nova, em manifestação convocada por sms a que todos faltaram, atirámos ao rio palavras que ele tinha desemparedado
Aqui no Mal fizémos o que devíamos. Na rua deserta por detrás da Estação Nova, em manifestação convocada por sms a que todos faltaram, atirámos ao rio palavras que ele tinha desemparedado
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita
Todos riam
No dia 7 de Outubro, na sua casa de Moscovo, Anna Politkovskaya, jornalista, foi assassinada. Este mês morreu envenenado em Londres o cidadão britânico Alexander Litvinenko, um espião que vivera no fio da navalha. Anna investigava os crimes do exército de Putin na Tchetchenia. Litvinenko investigava as circunstâncias da morte de Anna. O veneno utilizado foi o polónio 201, uma substancia radioactiva incrivelmente tóxica, cuja obtenção exige o recurso a reactores nucleares.
Anna e Alexander. Não sabemos quase nada das suas vidas e talvez nunca nos seja dado saber porque morreram. Fazem parte de uma longa lista de assassinatos do nosso tempo. Anna escrevera sobre os crimes dos russos na Tchetchenia. Uma vez reproduziu depoimentos de testemunhas oculares de massacres e cometeu o erro de os identificar. Foram todos abatidos. Por métodos mais baratos e igualmente eficazes, que matar na Tcheténia é coisa fácil e sem consequências.
Anna não soube que morria. Sem cabelo nem glóbulos brancos, Alexander escreveu que "sentia o palpitar das asas do anjo da morte e que temia que as suas pernas não corressem já como desejaria". A essa hora Putin estava entre Durão Barroso e os gémeos obesos e dementes que governam a Polónia. Vi a fotografia. Não se percebe de quê, mas todos riam.
Anna e Alexander. Não sabemos quase nada das suas vidas e talvez nunca nos seja dado saber porque morreram. Fazem parte de uma longa lista de assassinatos do nosso tempo. Anna escrevera sobre os crimes dos russos na Tchetchenia. Uma vez reproduziu depoimentos de testemunhas oculares de massacres e cometeu o erro de os identificar. Foram todos abatidos. Por métodos mais baratos e igualmente eficazes, que matar na Tcheténia é coisa fácil e sem consequências.
Anna não soube que morria. Sem cabelo nem glóbulos brancos, Alexander escreveu que "sentia o palpitar das asas do anjo da morte e que temia que as suas pernas não corressem já como desejaria". A essa hora Putin estava entre Durão Barroso e os gémeos obesos e dementes que governam a Polónia. Vi a fotografia. Não se percebe de quê, mas todos riam.
A ponte dos vidrinhos
Na terrinha inauguraram a ponte dos vidrinhos, a que leva a lado nenhum. Deram-lhe o nome de Pedro e Inês, em honra do amor necrófilo, a pior variante dessa doença, que celebra uma piroseira para o uso de autarcas, dramaturgos da série V, duvidosos investidores de imobiliário e comissões de turismo sem projecto.
24 novembro 2006
Temas de Tese (este seria tesão)
Jâmbico, verso (Métrica)
Cada verso jâmbico é formado por uma dipódia (dois jambos). O verso jâmbico mais destacado é formado por três metros, o trímetro. Denomina-se hiponacteu ao trímetro jâmbico que apresenta um espondeu em vez de um jambo no último pé. O trímetro jâmbico juntamente com um dímetro jâmbico formam o sistema métrico conhecido como epodo, que com o elegiambo forma um sistema arquilóquio. O trímetro jâmbico cataléctico e o dímetro trocaico cataléctico, formam o sistema métrico hiponacteu e com um arquilóquio maior formam um dos sistemas métricos arquilóquios.
(tradução de um livro de divulgação feita por uma amiga de Rosaarosa. Enviado pela própria)
Cada verso jâmbico é formado por uma dipódia (dois jambos). O verso jâmbico mais destacado é formado por três metros, o trímetro. Denomina-se hiponacteu ao trímetro jâmbico que apresenta um espondeu em vez de um jambo no último pé. O trímetro jâmbico juntamente com um dímetro jâmbico formam o sistema métrico conhecido como epodo, que com o elegiambo forma um sistema arquilóquio. O trímetro jâmbico cataléctico e o dímetro trocaico cataléctico, formam o sistema métrico hiponacteu e com um arquilóquio maior formam um dos sistemas métricos arquilóquios.
(tradução de um livro de divulgação feita por uma amiga de Rosaarosa. Enviado pela própria)
O senhor Borges
O senhor Borges não acreditava em Deus nem no livre arbítrio. A epifania da mulher amarela foi-lhe fatal.
22 novembro 2006
21 novembro 2006
20 novembro 2006
17 novembro 2006
16 novembro 2006
O prado infinito
"Palomar está distraído, deixou de arrancar as ervas daninhas, já não está a pensar no prado: pensa no universo. Está a tentar aplicar ao universo tudo aquilo que pensou a propósito do prado. O universo como cosmos regular e ordenado ou como proliferação caótica. O universo que talvez seja finito mas que é inumerável, instável nos seus confins, que se abre dentro de si a outros universos. O universo, conjunto de corpos celestes, nebulosas, poeiras, campos de força, intersecções de campos, conjunto de conjuntos..."
Palomar, Italo Calvino
O prado infinito
"Em redor da casa do senhor Palomar existe um prado. Não se trata de um sítio onde, naturalmente, devesse haver um prado: logo, o prado é um objecto artificial, composto por objectos naturais, isto é, ervas. O prado tem por fim representar a natureza e esta representação faz-se substituindo a natureza própria daquele lugar por uma natureza que é em si mesma natural, mas é artificial em relação aquele lugar. Em suma: custa. O prado exige despesa e fadigas sem fim: para ser semeado, regado, estrumado, desinfestado, cortado."
Palomar, Italo Calvino
15 novembro 2006
14 novembro 2006
13 novembro 2006
Cinzas
Quién despeña la rama de los vínculos?
Dizem-me para espalhar as cinzas.
Mas onde? Com que mãos?
Dizem-me para espalhar as cinzas.
Mas onde? Com que mãos?
12 novembro 2006
O actor Jude Law e as atávias
Os homens escolhem as mulheres pelo que elas são. Acreditam no seu valor facial. Um homem nunca submeteria uma mulher a qualquer prova. É demasiado rebuscado, demora tempo. Os homens não têm tempo.
As mulheres dos anos pós-pílula, escolhem os homens pelo que parecem. E depois de os escolherem, por uma inércia compreensível, querem-nos a longo prazo, como as atávias faziam aos caçadores. Mesmo quando são elas que caçam e não precisam de nenhum sustento.
O que é estranho, e contraria os que pensam que a evolução nos dotou com mecanismos perfeitos de reconhecimento, é que os mecanismos biológicos de escolha são inadequados. Eu vejo nos homens, na cara e nos modos dos homens, o verme que são. Porque, como diria Philip Roth, eu já fui esse verme? Não interessa. Sou capaz de ver, num ponto de vista feminino, se um homem é de confiança. E fico espantado como, mesmo quando eles põem todas as cartas na mesa, e se comportam segundo estereótipos de dom juanismo, elas se mostram agradadas. Ontem estava a ver o anúncio de uma comédia com o actor Jude Law. Aqui está um homem interessante em quem uma mulher não pode confiar, pensei. Até ver o ar das mulheres que estavam perto. Elas estavam compreensivelmente radiosas. Mas parecia-me mais do que isso. E quando perguntei à que estava ao meu lado se aquele homem lhe parecia confiável, ela confirmou que sim, sem dúvida. Como podia não ser uma perita perguntei a outra. E por aí adiante, um inquérito que foi possível por se estar ainda naquela fase de pipocas em que um certo ruído é tolerável. Todas achavam o actor Jude Law, no papel de um sedutor meio aparvalhado, um homem de confiança.
Não perguntei aos homens. Julgo saber o que os homens pensam. O ciúme masculino é um veneno genético que pode não se exprimir toda uma vida, ou causar vítimas insuspeitas. Um lixo putrefacto, um garrote. Os homens recebem suaves emanações de um produto colateral que lhes ensina a ver, na cara e nos modos dos parceiros, de onde virá o rival.
Também os homens são cegos para as mulheres. Os homens olham para as mulheres como Joseph Brodski disse que os norte-americanos olhavam para a realidade. Como se não houvesse história, “como se ambos carecessem de passado”. As mulheres lindas são sempre boas. E se por acaso lhes fazem mal eles não acreditam. As mulheres têm sempre uma segunda oportunidade, porque os homens não sabem ler o fundo das mulheres e são desesperadamente optimistas quanto à sua natureza.
10 novembro 2006
Desenquadros: Automóvel parado na Natureza
"Qual o nome do pássaro que vai pousar na árvore cujo nome também não se sabe?
E aquela menina, ali, no canto inferior esquerdo do desenquadro, que faz à vaquinha?
E a roda que gira espadanando água como se chama?
E esses vultos de palha mais além?E o automóvel parado na estrada que serpenteia monte acima?
Perdoem! Um desenquadro não pergunta, apresenta."
Alexandre O'Neill
09 novembro 2006
DESENQUADROS: MEDJID-AL-DJÂMI'A
"Encostados a 849 das 850 colunas da Mesquita de Córdova, outros tantos cães, perna alçada, mijam. A coluna livre de cão sai. Toma banho no Guadalquivir na companhia de Pontos Hulten, que a convida para uma exposição temporária no Centro Pompidou. O convite nem sequer é ouvido. A coluna volta ao seu lugar. Grita: “-Presente!”, quando Carlos, secretariado por Michel Butor, manda proceder à chamada e verifica que, em relação ao número inicial de colunas, haviam sido abatidas 150 por aqueles dos Cristãos que estavam a destruir, com a alimentação do monstruoso abcesso catedralício, Medjid-al-Djâmi’a. É nesse momento que o Imperador, expulsos os cães por funcionários da edilidade, convoca, mão no nariz, os cónegos e ralha com eles: “-Se eu tivesse sabido o que queríeis fazer, não o haveríeis feito, porque o que estais fazendo pode encontrar-se não importa onde e o que tínheis antes não existe em parte alguma”. Butor e Pontus Hulten aquiescem, já com a má-consciência dos pósteros de renomada cultura, quiçá cristã."
Alexandre O'Neill
08 novembro 2006
Origem do Império Português e do provincianismo português
"
Que, em Portugal, até as putas são senhoras
que não fazem porcarias,
e só ao sábado fodem e em decúbito dorsal."
07 novembro 2006
O desastre, tranquillitas.
Uma mulher, uma puta, está numa rua da cidade que ostenta o pomposo nome de Avenida N., no seu lugar habitual de trabalho, junto à porta de um edifício onde “se alugam quartos”. É meia-noite de sexta-feira, uma noite que costuma ser boa para ela. Um carro pára junto a um semáforo. Depois outro. O terceiro carro não tem tempo para travar. Ouve-se o chiar dos pneus e o embate. Ferros contra ferros, vidros partidos, silêncio. Do primeiro carro sai um homem. Abrem-se as portas dos carros seguintes. A última a sair é uma rapariga. Dirige-se para o passeio oposto àquele em que a mulher, a puta, os contempla, encosta-se a um portão, de costas para a Avenida. Chora, vomita, telefona. Um homem põe um triângulo na rua, atrás do carro sinistrado. Outros falam entre si. O carro que embateu está muito danificado. O outro, uma carrinha de alta cilindrada, quase incólume. Não se trata de resiliência mas de outro poder dos materiais. O carrito utilitário esmagou-se na traseira autoritária do break alemão. Os homens deslocam-se de um carro para o outro. Parece que sabem o que fazem. Falam baixo, não há discussões. Gente assim pode colidir. A puta desinteressou-se pelo desastre. Um homem passa e ela vê-lhe a cara. Não é um cliente. Habituada a ler caras, a mulher, a puta, vê na cara dele um desastre maior que o da Avenida N. A mulher é filósofa. Como Séneca, ela chama eutimia ao “bem estar da alma” e é assim, tranquila, que se sente, sem clientes, na noite do desastre.
06 novembro 2006
O Portugal futuro é um país
"
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro"
05 novembro 2006
O Atlas Allen do cérebro
Há quatro anos Paul Allen, co-fundador da Microsoft, pediu aos neurocientistas que seleccionassem uma questão crucial no campo das neurociências. O Allen Institute for Brain Science foi criado e dotado com um fundo de 100 milhões de dólares para a pesquisa. A 26 de Setembro deste ano a questão tinha resposta.
A expressão no cérebro do genoma do rato(21.000 genes) está concluída.
O mapa genómico do cérebro do rato pode ser visto, desde essa data, na web. Mostra em que regiões e células estão os genes activos, e liga esta informação às funções particulares dessas áreas. O Atlas é minucioso. Mais de 600 terabites de informação democrática e gratuita.
Como partilhamos mais de 90% de genes com o rato esta descoberta tem um valor incalculável.
Aqui
A expressão no cérebro do genoma do rato(21.000 genes) está concluída.
O mapa genómico do cérebro do rato pode ser visto, desde essa data, na web. Mostra em que regiões e células estão os genes activos, e liga esta informação às funções particulares dessas áreas. O Atlas é minucioso. Mais de 600 terabites de informação democrática e gratuita.
Como partilhamos mais de 90% de genes com o rato esta descoberta tem um valor incalculável.
Aqui
Paranyman
Olha-me do cimo dos outdoors
nas ruas e rotundas
da minha cidade
E talvez de outras cidades do país
(não quero ver)
Olha-me de lado
sempre que passo rápido
de carro
Olha-me com ressentimento
(Cê não devia olhar-me assim
canta o Caetano
No fim de contas sou eu que sofro
a falta que me faz a sua música)
Parece-me que marca uma data
de Novembro
Uma data para um encontro
a que devo faltar
nas ruas e rotundas
da minha cidade
E talvez de outras cidades do país
(não quero ver)
Olha-me de lado
sempre que passo rápido
de carro
Olha-me com ressentimento
(Cê não devia olhar-me assim
canta o Caetano
No fim de contas sou eu que sofro
a falta que me faz a sua música)
Parece-me que marca uma data
de Novembro
Uma data para um encontro
a que devo faltar
03 novembro 2006
Freedomtocopy
Este blog tem assinatura. O meu nome é Luís Januário, o BI 1588433. Quando disse que o comportamento do edil do Porto lhe dava direito à qualificação de energúmeno, quando aconselhei um telefonema aos amigos de EPC, sabia que isso pode ter consequências. Não sou adepto do anonimato, embora perceba alguns que ouvem vozes e assinam por elas, ao contrário de uma senhora professora do 9º ano, a quem ontem o Malato que dá milhões explicou, pacientemente, o que era um pseudónimo e um heterónimo. Mas as manifestações de apoio, solidariedade e desagravo a Miguel Sousa Tavares (MST) deixam-me perplexo.
Para começar, e embora isso me possa fazer perder a estima de algumas animadas senhoras e dos cavalheiros que gravitam em torno e têm tendência a concordar com as suas arrebatadas declarações literárias, eu não aprecio MST. Vi-o a utilizar a posição de entrevistador e o domínio do meio de comunicação, para ridicularizar ou depreciar entrevistados fragilizados. Não entendo que se escreva sob futebol a partir de uma perspectiva clubista, a não ser no registo de auto paródia. Os tics de pesporrência tapam-me o celebrado encanto e talento. Metade, ou mais, dos seus genes são certamente encantadores mas parecem inactivados, quando olho, o que agora é raro.
Um blog entretanto apagado, onde o autor assina com pseudónimo, transcreveu alguns parágrafos de um livro de Lapierre e Collins . Como o autor explicou , a melhor tradução encontra-se no Equador, de MST.
A literatura, como a vida, é um sistema comunicante. Herberto Hélder escreveu sobre isto na introdução à sua antologia facciosa. Os livros de Vila-Matas, um ponto alto da literatura contemporânea, são um labirinto de citações ou ecos literários. Os grandes poemas de Eliot uma vertigem de referências. Esta circulação das palavras, onde a autoria se pode perder, é uma das características fascinantes da literatura. Mas quando um autor traduz um parágrafo costuma dizer a fonte ou pôr o texto entre aspas.
No caso MST esqueceu-se. Não achou necessário. Pensou que todos perceberíamos que aqueles parágrafos eram imediatamente reconhecíveis como da autoria de Lapierre e Collins .
Que um anónimo lhe tenha vindo recordar essas regras básicas é aborrecido. Ele ficou aborrecido. Quem não ficaria. Os confrades escandalizados mobilizaram-se. As mobilizações corporativas são geralmente comoventes. E, no caso dos carteiros, mortiferamente eficazes. Quando se viram contra um anónimo fazem pensar nas razões do anonimato.
Para começar, e embora isso me possa fazer perder a estima de algumas animadas senhoras e dos cavalheiros que gravitam em torno e têm tendência a concordar com as suas arrebatadas declarações literárias, eu não aprecio MST. Vi-o a utilizar a posição de entrevistador e o domínio do meio de comunicação, para ridicularizar ou depreciar entrevistados fragilizados. Não entendo que se escreva sob futebol a partir de uma perspectiva clubista, a não ser no registo de auto paródia. Os tics de pesporrência tapam-me o celebrado encanto e talento. Metade, ou mais, dos seus genes são certamente encantadores mas parecem inactivados, quando olho, o que agora é raro.
Um blog entretanto apagado, onde o autor assina com pseudónimo, transcreveu alguns parágrafos de um livro de Lapierre e Collins . Como o autor explicou , a melhor tradução encontra-se no Equador, de MST.
A literatura, como a vida, é um sistema comunicante. Herberto Hélder escreveu sobre isto na introdução à sua antologia facciosa. Os livros de Vila-Matas, um ponto alto da literatura contemporânea, são um labirinto de citações ou ecos literários. Os grandes poemas de Eliot uma vertigem de referências. Esta circulação das palavras, onde a autoria se pode perder, é uma das características fascinantes da literatura. Mas quando um autor traduz um parágrafo costuma dizer a fonte ou pôr o texto entre aspas.
No caso MST esqueceu-se. Não achou necessário. Pensou que todos perceberíamos que aqueles parágrafos eram imediatamente reconhecíveis como da autoria de Lapierre e Collins .
Que um anónimo lhe tenha vindo recordar essas regras básicas é aborrecido. Ele ficou aborrecido. Quem não ficaria. Os confrades escandalizados mobilizaram-se. As mobilizações corporativas são geralmente comoventes. E, no caso dos carteiros, mortiferamente eficazes. Quando se viram contra um anónimo fazem pensar nas razões do anonimato.
02 novembro 2006
Eu sou da linha tenebrosa
Eu sou da linha tenebrosa destes anos de agora em que tudo por fim se tornou incompreensível, e quando nos falam do mundo não sabemos já de que se trata e sentimos que isso, precisamente, é o começo de alguma coisa.
Enrique Vila-Matas (Aunque no entendamos nada, Santiago de Chile, 2003)
01 novembro 2006
un emílio que sea tuyo
"Chega enfim o emeio de alguém" canta o Caetano do Cê.
Em castelhano: llega enfin el emílio de alguién.
Em castelhano: llega enfin el emílio de alguién.
Um de Novembro
Parecia não haver mortos na minha família e os cemitérios eram lugares exóticos, como as igrejas novas, os Serões para Trabalhadores, os comícios da União Nacional, as marchas da Mocidade ou os retiros. Ficava sozinho neste dia. O feriado não tinha qualidade suficiente para reunir a família, e para lá de um movimento quase festivo nos acessos aos cemitérios, a cidade estava deserta. As meninas deviam estar fechadas nos trabalhos de casa, pois em Novembro o período ia alto. Já encurtavam as tardes, como hoje,e eu caminhava na Avenida Afonso Henriques, com os cafés fechados, entregue à mesma exaltante melancolia.