No Théatre du Rond-Point, hoje ao fim da tarde, uma das intervenientes será a filha de Ingrid Betancourt, raptada a 23 de Fevereiro de 2002 pela guerrilha que controla parte da Colombia. Ingrid foi candidata presidencial na Colombia e os criminosos que a mantêm no cativeiro têm sido insensíveis a todos os apelos da opinião pública internacional.
31 janeiro 2005
No Théatre du Rond-Point, hoje ao fim da tarde, uma das intervenientes será a filha de Ingrid Betancourt, raptada a 23 de Fevereiro de 2002 pela guerrilha que controla parte da Colombia. Ingrid foi candidata presidencial na Colombia e os criminosos que a mantêm no cativeiro têm sido insensíveis a todos os apelos da opinião pública internacional.
Théatre du Rond-Point em Paris onde, a esta hora começa uma concentração de apoio a Florence Aubenas e ao seu guia, desaparecidos em Bagdad.
Apelo do Parlamento Internacional de Escritores
Nós e o Parlamento Internacional de Escritores
com Florence Aubenas e Hussein al-Saâdi
«Anda, vai onde não podes; vê onde não vês
Escuta onde nada murmura nem ressoa,
assim estás tu onde Deus fala»
escreveu Silesius apelando-nos ao impossível. E também no dizer do filósofo francês Jacques Derrida só se faz efectivamente alguma coisa, e na mais absoluta responsabilidade, quando se faz o impossível, isto é, quando se faz algo que excede o domínio do possível ou do poder: do nosso próprio poder de poder e do poder em geral.
Foi o que fez, e uma vez mais, Florence Aubenas, a notável jornalista do Libération e co-autora de um destemido livro de crítica dos media, La fabrication de l'information [La Découverte], ao aceitar fazer para este jornal a cobertura noticiosa da tumultuosa situação pré-eleitoral de um Iraque em «guerra» - ou, e talvez mais precisamente, em «guerras», se à dita «guerra» com os Estados Unidos juntarmos as tantas outras, e não menos temíveis, «guerras» internas. E «guerra» entre aspas porque, como tão justamente nos lembra ainda Derrida, no léxico e no direito europeus o conceito de guerra significa sempre uma declaração de hostilidade de um Estado a outro Estado.
(...)
Do Afeganistão aos arredores de Paris (onde ao lado da Associação África fundou a «Universidade popular da Cidade dos 4000»), do dramático conflito na Argélia (onde, com o editor F. Gize (La Découverte), desempenhou um importante papel na revelação dos crimes cometidos pelos militares argelinos no decurso da dita «guerra suja») ao Iraque (leia-se nomeadamente, em www.liberation.fr, «Em Bagdad, o voto entre o boicote e a morte», Libération de 6 de Janeiro último), é a admirável ousadia deste sopro ético que marca a singularidade dos testemunhos jornalísticos de Florence Aubenas. (...)
E o impossível é também o que de há dezoito meses para cá faz Hussein al-Saâdi, o guia-intérprete de Florence Aubenas no Iraque, pai de quatro filhos pequenos, o mais novo dos quais com dois anos, ao colaborar in loco com o jornal Libération.
Ambos, Florence Aubenas e Hussein al-Saâdi, se encontram desaparecidos algures, no Iraque, desde a manhã do passado dia 5 de Janeiro. Desaparição que nos faz temer e tremer porque, e em primeiro lugar, ela compromete a sua vida e o seu bem estar, mas também porque ela compromete a vida desta outra concepção e prática do jornalismo. (...)
Acontece que Florence Aubenas é também membro do Parlamento Internacional de Escritores - em cuja revista, a Autodafé, colabora regularmente -, instituição que criou a Rede Internacional das Cidades-Refúgio destinada a oferecer asilo a escritores, intelectuais, sábios e jornalistas estrangeiros em perigo e obrigados ao exílio, porque perseguidos ou gravemente ameaçados no seu próprio país. Numa palavra e nas palavras de Derrida, uma Rede destinada a acolher «homens e mulheres capazes de trazer a um espaço público uma palavra que os novos poderes da telecomunicação tornam cada vez mais temíveis às polícias de todos os países, às forças de censura e de repressão, sejam elas estatais ou não, religiosas, políticas, económicas ou sociais.» (Cosmopolitas de todos os países, mais um esforço!, Minerva Coimbra, 2001, p. 20).(...)
Daí que, assinado por Christian Salmon, seu actual director, e subscrito por uma longa lista de intelectuais, artistas e escritores de todo o mundo (de onde, e não sem injustiça por falta de espaço, me permito salientar nomes como Adami, Adónis, Barghouti, E. Jelinek (Nobel 2004), W. Soyinka (Nobel 1986), A. Tabucchi, Bei Dão, E. Vila-Matas e C. K. Williams), o Parlamento Internacional de Escritores tenha lançado, a 9 de Janeiro último, um apelo a favor da libertação da jornalista e do seu intérprete árabe. Um apelo de que fervorosamente aqui nos fazemos porta-voz:
«
Embora nenhuma informação tenha até ao momento vindo confirmar a hipótese de rapto, fazemos questão de exprimir a nossa profunda inquietude e solidariedade para com Florence Aubenas, jornalista francesa do Libération, colaboradora da nossa revista Autodafé e que no Parlamento Internacional de Escritores temos como uma das nossas..»
Apreciamos o seu trabalho de jornalista e de grande repórter, a sua exigência intelectual e as suas qualidades de escrita: as suas reportagens dão conta de um mundo complexo, muitas vezes opaco e por vezes violento, sem partidarismo, com a única preocupação de dizer a verdade e de esclarecer a realidade.
Apelamos àqueles que a detêm em seu poder que restituam imediatamente a liberdade a Florence Aubenas e ao seu acompanhante Hussein Hanoun Al-Saâdi
(...)
Fernanda Bernardo
(Prof. Univ. e Representante por Coimbra do Parlamento Internacional Escritores)
Excerto do Apelo
Dúvidas de um Leitor
É normal que o Mil Folhas publique uma carta de "um leitor devidamente identificado" sobre Aracne, de A. Franco Alexandre, e sobre a leitura que Frederico Lourenço fez desses poemas. É normal que a carta, a bold, ocupe uma página inteira? É normal que pareça querer dizer coisas mas não se atreva, assim como os textos que aqui dedicamos às nossas vizinhas? Talvez quem sobre Aracne escreveu tenha opinião.
Mar Adentro
O filme de Amenabar ganhou ontem 14 Prémios Goya na gala do cinema espanhol. Não se entusiasmem com Mar Adentro. O tema é a eutanásia. Um dos grandes interditos desta sociedade hipócrita.
30 janeiro 2005
Os melhores filmes de 2004
Javier Bardem, Alejandro Almenabar e Belen Rueda, da equipa de Mar Adentro, um dos fimes preferidos que ainda não vimos.
Agradecimento
Agradecemos a Helena Matos a esforçada publicidade que faz a este blog. Mas apesar de sete vezes seguidas, em 2004, eu ter concordado com ela, as semelhanças ficam por aí. Helena Matos lembra-me sempre o homem da cidade, do Guardador de Rebanhos. Às vezes pode dizer coisas certas, acontece a todos se tentarem semanalmente, mas o poente não tem nada com quem odeia ou ama.
A verdade em Closer
A verdade em Closer não tem interesse nenhum. Se ela se veio duas vezes? Se foi no sofá? Se foi na Páscoa ou no dia de anos? O dermatologista é um predador de Aquário. Nos aquários os peixes perderam as defesas. É o terreno ideal para os predadores. Uma mulher que não reconhece um predador num aquário não tem desculpa. O escritor deixa Rita por uma americana acabada de chegar e julga que um beijo da fotógrafa confere algum direito. A partir daqui merece tudo.
Os homens de Closer vivem na obsessão da posse. Querem saber. Perguntam. E como perguntam elas respondem. Elas respondem o que eles não querem saber. Porque elas sabem o que eles não querem saber. Pode ser que haja outros vinhos que embriaguem. Mas eles nunca o beberam. E o dermatologista tem escrito nos olhos a alegria da posse, da dominação e da vingança. Os olhos são a pele dos dermatologistas.
Jane é a única que escapa àquele redil de primatas. Mas ela não é dali. Não leu o livro do jornalista de obituários, na exposição apenas se detém na sua fotografia. Jane é a única produtora numa roda de reprodutores. Ela mostra o que os outros vêem, querem ver ou fotografar. Ela dormiu ou não dormiu com o dermatologista. Mas sabe que isso nada tem a ver com o amor pelo jornalista de obituários.
Os homens aproximam-se das mulheres pelo lado errado. Lamentavelmente o lado certo está quase sempre atrás do lado errado.
Salva-se a canção do Damian Rice que não quer dizer nada, é só bonita e toca noutras regiões.
Antologia de O Mal: Carlos Bessa
dizeres
Dizer o que se tem com palavras simples.
Por exemplo, é ridículo viver para
ser história no futuro. Como se os anos
transformassem um rato num gato.
Ele há tanta gente que sonha ser rei.
E tu há muito te apercebeste de que
jamais terás lugar na corte. É tão triste.
Não saber estar com a multidão e
tudo dizer atabalhoadamente. O amor,
a solidão, o nome, a morte.
Carlos Bessa in Em Partes Iguais, Assírio e Alvim, Lisboa 2004
Carlos Bessa (1967)publicou:
Legenda, Atlas, 1995;
Termómetro. Diário, Black Sun, 1998;
Olhos de Morder Lembrar e Partir, Black Sun, 2000;
Lançam-se os Músculos em Brutal Oficina, & etc., 2000;
Em Trânsito, & etc., 2003.
Ver ainda Poetas sem qualidades,
Relâmpago - revista de poesia, n.º 12, 4 de 2003.
E Universos Desfeitos.
Dizer o que se tem com palavras simples.
Por exemplo, é ridículo viver para
ser história no futuro. Como se os anos
transformassem um rato num gato.
Ele há tanta gente que sonha ser rei.
E tu há muito te apercebeste de que
jamais terás lugar na corte. É tão triste.
Não saber estar com a multidão e
tudo dizer atabalhoadamente. O amor,
a solidão, o nome, a morte.
Carlos Bessa in Em Partes Iguais, Assírio e Alvim, Lisboa 2004
Carlos Bessa (1967)publicou:
Legenda, Atlas, 1995;
Termómetro. Diário, Black Sun, 1998;
Olhos de Morder Lembrar e Partir, Black Sun, 2000;
Lançam-se os Músculos em Brutal Oficina, & etc., 2000;
Em Trânsito, & etc., 2003.
Ver ainda Poetas sem qualidades,
Relâmpago - revista de poesia, n.º 12, 4 de 2003.
E Universos Desfeitos.
28 janeiro 2005
Nas caixinhas do Mal
escrevo para quem não conheço. a quem conheço peço aliás um exercício: que se abstenha do conhecimento que tem comigo. facilita vidas e leituras. para mandar recados a vida extra blogues é ainda o melhor lugar. (Nos comentários de ontem, Joaquim seja louvado.)
André Bonirre
André Bonirre
Auschwitz nunca existiu
Quando os soldados do Exército Vermelho chegaram ao campo não acreditaram. Ninguém sabia. Durante anos tinham desaparecido milhões de pessoas do Velho Continente, da pátria de Kant e da pátria de Pascal, da pátria de Frederico II e da de Erasmo. Milhões de mulheres, homens e crianças a quem tinham primeiro cosido uma estrela, depois metido em comboios que partiam de madrugada. Ninguém sabia de nada em Amsterdão, Londres, Nova Iorque, Paris. Ninguém soube nunca de nada em Lisboa, onde se dançou até 1945 nos bailes da Embaixada Alemã. Os camponeses, que durante anos cheiraram a carne dos fornos crematórios e limparam as cinzas que chegavam dos campos de extermínio, não sabiam de nada. Nós por cá continuamos a não saber. Há mesmo os que estão cansados do Holocausto, da exploração do Holocausto e paradoxalmente não sabem de nada. Ontem, na Polónia, na reunião dos povos da Europa, Portugal faltou. Os nossos melhores estiveram ocupados com temas importantes: as sondagens mentem ou dizem a verdade, quantos votos rende um debate. Salazar poupou-nos da guerra e agora poupam-nos destas sequelas. Não temos nada a ver com aquilo. Auschwitz nunca existiu.
Ao Júlio
Que escreveu no seu blog: “Eu queria que houvesse uma esquerda em Portugal que sonhasse que poderia mudar o mundo.
Era nessa que eu votava.”
Esse sonho já foi sonhado. O mundo não queria ser mudado. Os sonhadores transformaram-se em monstros e o sonho num pesadelo gigantesco. Não deves confiar nos que voltarem a prometer uma coisa assim.
Era nessa que eu votava.”
Esse sonho já foi sonhado. O mundo não queria ser mudado. Os sonhadores transformaram-se em monstros e o sonho num pesadelo gigantesco. Não deves confiar nos que voltarem a prometer uma coisa assim.
27 janeiro 2005
Inventona e desmentidos
(cuidai-vos dos moralistas, temei as muralistas)
Obrigado Benita Barnes, obrigado Amanda Mccray, obrigado Flossie Blankenship, Jeffry Goodrich, Estella Perdue, Damiena Sosa, Joyce Butts, Cornelia Kimble, Margie Corbin, Tammie Romero, Simonne Mills, obrigado Fabiana Frey, obrigado a tantas outras minhas desconhecidas amigas que me enchem de propostas bondosas, 100 por cento milagreiras, via mail - agradeço-vos, com desmentidos públicos.
André Bonirre
Obrigado Benita Barnes, obrigado Amanda Mccray, obrigado Flossie Blankenship, Jeffry Goodrich, Estella Perdue, Damiena Sosa, Joyce Butts, Cornelia Kimble, Margie Corbin, Tammie Romero, Simonne Mills, obrigado Fabiana Frey, obrigado a tantas outras minhas desconhecidas amigas que me enchem de propostas bondosas, 100 por cento milagreiras, via mail - agradeço-vos, com desmentidos públicos.
André Bonirre
Crioinventona
O tempo está tão bom. Vou ali trocar o polar por uns calções. Sábado às oito horas do costume, ó caminheiros.
André Bonirre
André Bonirre
Auschwitz Nie Wieder
Lembrar Auschwitz 60 anos depois.E todos os lugares em que homens e mulheres se julgaram no direito de eliminar outros homens e mulheres. E as circunstâncias e as ideologias que podem cegar nuns a humanidade de outros.
A cabeça do mensageiro
Celorico de Basto foi classificada pelo INE no último lugar do Ranking nacional do poder de compra. O autarca de Celorico telefonou ao Professor.
-É uma vergonha Professor. É uma cabala do F., o cabrão do F. que está muito bem colocado no INE.
- O F.? O F. de Mondim, o sobrinho do eng. F.?
-Esse mesmo Professor. Isto é uma cabala contra Celorico e sobretudo contra si e o Luís Filipe Menezes. Se o Professor não tivesse vindo à pré-campanha tínhamos subido aí uns 40 lugares.
- Ó amigo Silva, 40 lugares é demais, não exagere. Olhe lá. Quantos livros é que a gente daí comprou o ano passado?
-Livros? Para que é que precisamos de livros, professor? Não temos a sua biblioteca? Esse F. é má rês Professor. Devia ser arredado do INE. Olhe que se o PS ganhar ele põe logo Celorico no top do ranking.
-Talvez seja de experimentar Silva. Era uma operação de baixos custos. Olhe, vamos ver o que se pode fazer. Vocês façam barulho, dêem entrevistas. Fale ao Fernando da Rádio de Basto, e ao professor Lopes. O seu pai que se cale, senão ainda entorna mais a sopa.
- Obrigado Professor. O senhor dê também uma ajudinha por aí.
-Claro Silva, claro. O que é que eu tenho feito? Mas olhe que os tempos estão maus. Isto vale tudo, em campanha. Vou ver o que posso fazer. E acalme-se homem. Olhe lá Silva. Você sabe quem era o soldado da Maratona?
- Não professor. Era de Basto?
- Não homem, não se preocupe. Era do INE.
André Bonirre
-É uma vergonha Professor. É uma cabala do F., o cabrão do F. que está muito bem colocado no INE.
- O F.? O F. de Mondim, o sobrinho do eng. F.?
-Esse mesmo Professor. Isto é uma cabala contra Celorico e sobretudo contra si e o Luís Filipe Menezes. Se o Professor não tivesse vindo à pré-campanha tínhamos subido aí uns 40 lugares.
- Ó amigo Silva, 40 lugares é demais, não exagere. Olhe lá. Quantos livros é que a gente daí comprou o ano passado?
-Livros? Para que é que precisamos de livros, professor? Não temos a sua biblioteca? Esse F. é má rês Professor. Devia ser arredado do INE. Olhe que se o PS ganhar ele põe logo Celorico no top do ranking.
-Talvez seja de experimentar Silva. Era uma operação de baixos custos. Olhe, vamos ver o que se pode fazer. Vocês façam barulho, dêem entrevistas. Fale ao Fernando da Rádio de Basto, e ao professor Lopes. O seu pai que se cale, senão ainda entorna mais a sopa.
- Obrigado Professor. O senhor dê também uma ajudinha por aí.
-Claro Silva, claro. O que é que eu tenho feito? Mas olhe que os tempos estão maus. Isto vale tudo, em campanha. Vou ver o que posso fazer. E acalme-se homem. Olhe lá Silva. Você sabe quem era o soldado da Maratona?
- Não professor. Era de Basto?
- Não homem, não se preocupe. Era do INE.
André Bonirre
26 janeiro 2005
The End of The Blog
Antes vivia à espera do dia em que elas deixam de escrever. Escrevem para o namorado e vão deixar de escrever no dia em que sentirem felizes e seguras, era nisto que pensava e tinha medo. E era assim que acontecia. Desapareciam sem deixar rasto. Ou quase. Se procurarmos bem, se formos pacientes, se apurarmos o ouvido, reparamos que estão aí de novo. Abrem um novo blog por cada novo namorado.
Rucahna:o crime
Tinha chegado a este país há pouco tempo. Aquele homem era amigo do Juraan e uma tarde encontrei-o no Cais. Tinha olhos sonhadores e disse-me que conhecia a minha aldeia. Um fim de semana telefonou a convidar para um passeio. No sábado seguinte insistiu. Eu já tinha conseguido este emprego e estava sozinha. O Juraan nunca mais aparecera depois de lhe entregar o dinheiro do contrato. De vez em quando via nas ruas pessoas que me pareciam conhecidas, ou a quem o sol da manhã deixa na cara a mesma mancha. Mas não correspondia a qualquer tentativa de aproximação, se existiam. Quando ele insistiu no convite aceitei e estava contente. Apetecia-me falar a minha língua, ou simplesmente falar sem este esforço de perceber e de ser entendida. O passeio foi agradável. Visitámos umas terras na periferia da cidade mas que parecem já tão diferentes, com camponesas de lenços na cabeça, crianças mal agasalhadas e cães a vaguear. Ele levou-me junto ao rio e foi aí que me atacou. Não precisava de me ter magoado. Achava-o atraente e tinha apreciado a forma como era olhada quando tirei o casaco. Iria deixar que me tocasse. Estava preparada para os lábios dele. Mas agarrou-me como se fosse fugir e nunca tinha sentido na carne uma força muscular assim. Pensei: a mão dele é uma tenaz, e senti o cheiro desagradável do medo e do sexo. Depois ele tropeçou na areia, caiu e quando se levantou tinha uma faca na mão. Ao tentar agarrar-me caiu outra vez. Era quase ridícula a forma como ele caía. Quando se quis levantar vi-lhe a cara e havia, no meio do medo, um brilho de tal ferocidade que me assustou. Acho que peguei na faca caída, me aproximei, o golpeei no pescoço. Nas mãos e no pescoço. Ele continuava caído e ao querer levantar-se caí-lhe de joelhos em cima do peito e golpeei muitas vezes os sítios do pescoço onde se mata. Depois arrastei-o para o rio, as águas afastaram-no antes de ter tido tempo para pensar, para sentir dor, cansaço, arrependimento. Fiquei sentada na margem até vir frio e as minhas mãos se cobrirem de sangue. Ao lavá-las vi que estava outro homem próximo de mim. Conhecia-o. Do cais de Gaia, de uma loja, de um transporte público, de casa da senhora? Conhecia-o. Havia agora um homem morto às minhas mãos boiando nas águas escuras do rio e uma testemunha do meu crime. Limpei as mãos ao lenço do pescoço e afastei-me, à espera de o ouvir chamar. Não aconteceu nada. Nem nestes dois anos que se seguiram. Há um homem que me viu matar e ocultar o crime. Esqueci-me da cara dele. Naquele momento em que a vida se mudou e o tempo rebobinou à minha volta estive muito próxima da identificação. Agora esqueci-me de tudo. Não recordo a tez, a estatura, a cor do cabelo, nenhum sinal particular. Há na cidade um homem que me sabe assassina e não sei sequer de que lado vai chegar.
Saudades do Lopes
Nas Caldas da Rainha, à noite, os militantes do PPD PSD prosseguem a matança eleitoral dos porcos. Lopes faz queixa das televisões. Chamaram reputados e distintos aos economistas que fizeram a apreciação do programa eleitoral de Sócrates. Lopes não percebe que faz o discurso do vencido. À tarde “com gripe e anginas” foi à Urgência dos HUC (os Hospitais da Universidade como ele diz). Lopes, que requisitou uma equipe de INEM para o acompanhar, vai à Urgência dos Hospitais da Universidade quando tem anginas. Depois queixem-se da má utilização dos serviços, do curto circuito aos médicos de família e aos Centros de Saúde.
Crioinventona
Lindos dias de Inverno à revelia da Metereologia e da Protecção Civil, pressurosos a quererem mostrar serviço ao futuro Governo do Choque Tecnológico. Os vírus da gripe perdem virulência, o urso volta a hibernar, a mulher que talvez seja florista sorri e diz adeus de mão aberta, a gorda que o Filipe tem na salgadeira nunca mais vê a hora de ser comida.
A verdadeira morte do marxismo leninismo
Gosto muito de debates. Desde a semana passada que vejo sem som. Dá para perceber quase tudo e aquilo que se perde não me interessa. (cf Contra a Argumentação). Ontem foi o líder do PP contra o do PCP, que Sócrates não debate e Lopes está com “gripe e anginas”. De um lado um burguês satisfeito consigo próprio, do outro um operário deprimido. Bastava ver cinco minutos para perceber que o orgulho comunista está de rastos, numa prateleira do Museu da História, sala do século XIX-XX . O burguês exulta e percebe-se porquê.
25 janeiro 2005
Peritagem de DNA
Este fim de semana em todas as televisões Manuel Alegre com o ar cansado, compungido, de um perito de medicina legal, declara: Sócrates não é Santana Lopes. Eles são diferentes.
Florence Aubenas continua desaparecida
A pouca atenção prestada entre nós aos assuntos internacionais é preocupante. O desaparecimento da jornalista do Libération quase que passa despercebido. Ao abandonar Florence à sorte dos assassinos não demonstramos apenas insensibilidade para com uma profissional que deu um exemplo de coragem. Selamos, com o silêncio, o nosso miserável destino de consumidores. Resignamo-nos a saber, do Iraque, aquilo que o Departamento da Defesa achar conveniente.
24 janeiro 2005
Agnès Jaoui
Olhem para mim (Comme une immage) de Agnès Jaoui estará nas sessões especiais do Millenium, em Coimbra, esta terça feira 25, às 19h e na quarta, 26 de janeiro, às 19h e 24 h.
Armários cuidadosamente abertos
A Cris abriu os armários e os lobinhos começaram a uivar para as compassivas luas.No Lilás com Gengibre.
Aiperion. Closer
As ligas enchem-se de notas.
É o que tens
Para desvendar segredos.
Isso e a loucura
Que cresce
Violenta
Nos olhos e na voz.
Brilha
A chocha
No redil.
Refulge
Como deus.
Apática
Longínqua.
Pouco importa
que o nome
seja Jane.
Ou esteja escrito
antigo
nos escombros de outra guerra.
(escrito a partir de Closer, de Mike Nichols. Para usar a palavra chocha e me reencontrar comigo, o blog e os seus leitores)
É o que tens
Para desvendar segredos.
Isso e a loucura
Que cresce
Violenta
Nos olhos e na voz.
Brilha
A chocha
No redil.
Refulge
Como deus.
Apática
Longínqua.
Pouco importa
que o nome
seja Jane.
Ou esteja escrito
antigo
nos escombros de outra guerra.
(escrito a partir de Closer, de Mike Nichols. Para usar a palavra chocha e me reencontrar comigo, o blog e os seus leitores)
23 janeiro 2005
Solene
Este blog foi ontem citado por um jornal como sendo o blog de um candidato do Bloco de Esquerda. Este blog é a Natureza do Mal, do André Bonirre, da Sofia, do Luís, onde já escreveram o PC, o burrinho Jammes e comentam, anónimos ou heterónimos pessoas de que gostamos muito. Este blog é sobre livros e literatura, homens e mulheres, pequenas coisas que quase não se vêem, quase não se sentem e se ouvem a custo. Não quer ganhar votos, não concorre a nada, não tem agenda, não compôe a imagem. Se o candidato do BE quiser dar opiniões que julgue relevantes para a campanha que as dê nos locais adequados. Aqui continuaremos a escrever quando for impossível deixar de o fazer. O sol nos campos de lapiás e o azevinho na curva do riacho, a miúda que abre um blog chamado Sofrer, o homem que escreve sobre a memória do pai Pantaleão, as palavras que parecem querer dar sentido às vidas sem sentido e que hão-de ficar até ser tudo silêncio. Este blog, alegrem-se, ainda há-de voltar a falar da pachacha.
(nota: Este post foi corrigido às 19:10h, 20:15h,23:45 h. Agora as pequenas coisas já se vêem e não vêm. Outra pequena alteração não passará com certeza despercebida).
(nota: Este post foi corrigido às 19:10h, 20:15h,23:45 h. Agora as pequenas coisas já se vêem e não vêm. Outra pequena alteração não passará com certeza despercebida).
Os Nove Preceitos do Debate Racional
Desidério Murcho, que é o nosso Prémio Filosofia 2004, assina na secção Afirma Pereira da Periférica, um artigo sobre Filosofia, Lógica e Democracia. Dele retiramos, fazendo figas meméticas, os seguintes preceitos do debate racional:
1. Respeitar e ouvir atentamente as pessoas que discordam de nós..
2. Estar disponível para mudar de idéias se os nossos argumentos não resistirem à discussão.
3. Não saltar de assunto para sem assunto sem antes discutir adequadamente o que estava em discussão.
4. Distinguir o central e relevante do periférico e acessório.
5. Saber reagir a contra-exemplos e a exemplos hipotéticos ilustrativos.
6. Não usar ataques pessoais de qualquer espécie.
7. Dominar (ainda que intuitivamente) os aspectos elementares da lógica informal.
8. Conhecer a bibliografia relevante.
9. Ter reflectido de forma razoavelmente sistemática no tema em causa
Periférica
O nº 11 de Periférica, a revista de Vilarelho que vai no ano III, está nas bancas. O editorial, esplêndido, e escrito como é costume em Vilarelho, diz que este país não nos interessa e não conseguimos desistir dele. O número tem um interesse especial pela América Latina. Cláudia Clemente revisita Cortazár o autor de Bestiario. Bestiario é também o título de uma preciosidade disponível na net e com óbvios links para a Periférica. Rui Angelo Araújo despede-se de Os Meus Livros. A imitação, já se disse aqui, circula nos quiosques e é dispensável. Ficámos mesmo sem os livros.
21 janeiro 2005
Para o Luís
Apenas te digo que devias ir às consultas de rotina. Que não há nenhuma urgência nessa púrpura, nem se trata com emolientes. Come profiteroles se aprecias, mas com menos expectativa. E uma coisa de cada vez. Gostas de chocolate, massa choux ou chantilly ? Uma coisa de cada vez.
Visto da Tasca
Francisco Louçã vs Paulo Portas na sic-notícias , os debates onde Sócrates não vai. Estão ambos bem, olhos nos olhos. Portas ganha quando a agressividade sobe no discurso de Louçã e lhe permite avançar a caracterização do opositor como radical, extremista. Louçã encosta Portas à rede com a política fiscal. Portas provoca sorrisos de admiração com a habilidade do desemprego: Querem falar do desemprego? Isso é para o PSD. Eu respondo pelos postos de emprego que criei no meu ministério. Estilo: falem-me do género humano e eu dou-lhes com o Manel Germano. Portas perde quando, fragateiro, levanta o dedo ameaçador. No fim é a despenalização do aborto. Quando Portas, aliás sem muito ênfase, declina a posição habitual da Igreja :está uma vida em jogo, etc, Louçã interrompe e diz-lhe que ele não tem direito a falar da vida porque nunca a gerou.
Eis o que constitui uma grosseira utilização da biografia privada do opositor, sem ligação aos temas em debate, e introduzindo um aspecto irrelevante para a bondade dos argumentos. Na tasca onde estava a ver este confronto, Louçã esmagou. Mas eu não festejo as vitórias da virtude.
Eis o que constitui uma grosseira utilização da biografia privada do opositor, sem ligação aos temas em debate, e introduzindo um aspecto irrelevante para a bondade dos argumentos. Na tasca onde estava a ver este confronto, Louçã esmagou. Mas eu não festejo as vitórias da virtude.
Zé Mário: deixem-se dessas merdas que não têm interesse nenhum e escrevam como só vocês sabem.
The end of the affair
Hoje se tivesse um blog chamava-lhe A Balada do café triste. Ou O coração é um caçador solitário. Ou Margarida e o Mestre. Ou A Sanseverina. Ou Até onde é que se pode ir? Ou Madame Bovary. Ou A Condição Humana.
Ou The End of the Affair.
De acordo com JPP
(...)
Porque há poderes e interesses poderosos, identificáveis, nomeáveis, com cabeças individuais e institucionais, e eles estão firmes que nem uma rocha e mandam em Portugal. Existem nos sindicatos, nas fundações, nos partidos, na comunicação social, nas fundações, nas associações empresariais, nas fundações, nos grandes grupos económicos, nas fundações, nas ordens profissionais, nos grandes escritórios de advogados, nas fundações, nos clubes de futebol, nas autarquias, na "cultura" organizada, nas fundações.(...)
Condones
(...)la existencia del condón ha sido reconocida, al fin, por nuestros santones, aunque sólo como parte de la lucha contra el sida. Espero que la gente no le dé por usarlos para follar. (...)
Maruja Torres em El País (antes da retratação do porta voz dos bipos espanhóis)
Maruja Torres em El País (antes da retratação do porta voz dos bipos espanhóis)
Os bispos espanhóis
Teve o seu dia de glória, don Juan António Martinez Camiño. À saída de uma reunião sobre a SIDA (125 000 infectados) o porta voz da Conferencia Episcopal Espanhola citou o Lancet: "Concordamos com a estratégia científica defendida pela prestigiada revista britânica.ABC. Abstinência, Blindagem (mútua dos casais) e Camisa de Vénus."
Congratularam-se os doentes e os médicos e a governanta. Mas o Vaticano foi rápido a reagir. O presidente do Conselho Pontifício para a Saúde da Cúria Romana declarou: " A camisa de Vénus não. A abstinência está bem e a blindagem mútua dos casais também . Mas a camisinha é imoral. Aliás o Vaticano desconfia das estratégias ABC e prefere as estratégias AB." O bispo retratou-se. Como antes os brasileiros e os argentinos. Vi uma fotografia dele todo contente a retratar-se.
20 janeiro 2005
Meio morto
“Não havendo alternativa, faço tudo para continuar vivo”, li ontem, meio morto de sono, ao fazer zapping sem qualquer alternativa.
André Bonirre
André Bonirre
Perguntas de um leitor de gravata (vermelha)
Lopes apela ao levantamento nacional na Casa do Povo de Mira e na Incrível Almadense. Se o Nacional ouvisse e se levantasse o que é que Lopes faria?
André Bonirre
André Bonirre
20 de janeiro
Hoje é o dia 20 de janeiro. Si fuera el 19 de enero já tinhamos condón. Pero es el 20 de enero y la Conferencia Episcopal Española dio marcha atrás. Carago. Marcha atrás já nós cá tínhamos.
19 janeiro 2005
Adereços
Sentado na última fila do palco, ele entra sempre atrasado. 10 segundos nos apupos, 15 segundos nas palmas, nas gargalhadas 18, às vezes mais, quando são gargalhadas sentidas. Mas ele sobressai, não pelos atrasos notórios, de entre a galeria de candidatos. Retraído, discreto, olhar apagado, é, dos candidatos que não falam, o mais berrante de gravata (mais pulseira alto astral, à direita).
André Bonirre
André Bonirre
O dia parece amável
cheira ao café da manhã
os estudantes trocam sorrisos
sem que se perceba de quê
e custa-te dizer
parecem parvos.
Desde Rimbaud que é assim.
Não a devias ter visto
Não querias ter ouvido aquilo
O nome dela o que fez na véspera
O sorriso que tinha ao acordar
Agora está feito
Para onde quer que vás
irá contigo
17 janeiro 2005
16 janeiro 2005
De Perfil
(…)Talvez para os outros não sejamos os mesmos quando nos mostramos de frente ou de perfil. Lembrei-me de uma colega de faculdade com quem em tempos fiz um seminário de marxismo. Como éramos todos de Letras, excepto o formador, estudámos O Capital de perfil, porque de frente era muito complicado. O seminário durou um par de meses e quando o acabámos tínhamos todos um perfil marxista mas de frente continuávamos sendo uns pequeno-burgueses. E assim continuámos, penso. O caso é que nos dias que durou este doutrinamento tive diante de mim, sempre de perfil, a colega atrás referida. Era muito sedutora enquanto durava a aula, mas quando se mostrava de frente o resultado era decepcionante. Ter-lhe-ia pedido para sairmos se tivesse sido possível relacionarmo-nos apenas com os nossos perfis (eu também perco muito de frente) mas pouco podíamos fazer: éramos ambos bastante tridimensionais.(…)
Juan José Millás
in El País, 14/01/2005
Florence Aubenas desaparecida há onze dias
"
A jornalista francesa Florence Aubenas, do Libération, está desaparecida há onze dias no Iraque. À semelhança do apelo de Chirac, o governo português desaconselhou os jornalistas a deslocarem-se ao país sob ocupação americana, por falta de segurança. Se isso acontecer a informação independente desaparecerá e passaremos a receber apenas a fornecida pelos jornalistas embebbed (nas unidades militares ocupantes). Mais uma vez choca, na imprensa portuguesa e fora dela, o desinteresse relativamente ao Iraque, ao destino de uma jornalista de referência, aos temas da nossa contemporaneidade que ultrapassam o perímetro Alfragide/ Cascais/ Montijo.
15 janeiro 2005
Black out
Ilumina-te, plátano, com as novas folhas caducas que despontam. Brilha linda flosa, no teu jogo das escondidas. Eu, para mim, peço menos "mehr licht" para poder dormir até tarde.
André Bonirre
André Bonirre
Dar a volta a isto
Acordar todos os dias à chapada, Sarah, com uma chapada optimista de sol em cheio na cara, anda-me a cansar. Mas eu vou dar uma volta a isto, vou já arranjar a persiana do quarto.
André Bonirre
André Bonirre
Disse Sócrates
Anteontem Sócrates disse que a privatização da gestão do SNS era boa. Ontem Sócrates disse que a legislação laboral afinal era boa. Hoje Sócrates disse que a eliminação dos benefícios fiscais afinal era boa. Talvez amanhã seja uma boa ocasião para dizer que Sócrates afinal não faz cá falta .
André Bonirre
André Bonirre
Campos
Na sua coluna sábia, Campos declara que o governo de gestão podia encomendar a uma comissão independente a avaliação dos Hospitais S.A. De governos de gestão sabe Campos mais do que ninguém. E de Empresas de Avaliação também. Ainda hoje se aguarda impacientemente que uma delas, encarregada no guterrismo de apresentar o Plano de Saúde da Região Centro, apresente os resultados.
14 janeiro 2005
China
Quando em nome dos direitos humanos e do Estado de direito se invadiu o Iraque, pintámos a cara com as cores da vergonha, da humilhação, da raiva. ( E era afinal o controlo das riquezas naturais, o livre comércio,.a lei de Hobbes).
Quando se visita a China e se diz que não é à canelada que se impõem os direitos humanos, pensamos nos que na China foram presos, deportados, mortos sem direito a um julgamento digno, no silêncio aterrador que os envolve, no Império do Meio sem dissidência, na cela desse, a quem, neste momento mesmo, entraram de cotovelo ou à canelada. Quando se calam os direitos humanos em nome do relativismo sociológico, da lenta marcha evolutiva, do direito de cada povo a ter a ditadura que mais lhe convém, pintamos de novo a cara com as mesmas cores (E é outra vez, afinal, o controlo das riquezas naturais, o livre comércio,a bruta lei de Hobbes).
(Este blog não foi fretado pela Presidência da República)
13 janeiro 2005
That's Winter again
Os meus melhores sms do Inverno passado foram todos quase engano. Então postei-os e tiverem efeitos extraodinários.
Oooops
Hoje começou a chover e lembrei-me de H. No Inverno passado ela enviou-me sms todos os dias. Enganava-se muito, ooops não era para ti. Os melhores sms que me mandou não eram para mim.
André Bonirre
André Bonirre
12 janeiro 2005
Mais valia, revisitada
– K.M.? – Não sei.. – Karl Marx. – Ah, claro, o da mais valia.
– M.S.F.? – Sei lá. – Dra. Matilde Sousa Franco. – Oh, uma mais valia, não nada mas casada, aqui, na cidade.
– Z.S. ? – ??. – A Zita! – Iiiiih, outra mais valia que vem de carrinho, patrocínio toyota.
– A.B. ? – Eu? – Hmmm, mais valia era manteres-te ágrafo. – Mais vale.
André Bonirre
– M.S.F.? – Sei lá. – Dra. Matilde Sousa Franco. – Oh, uma mais valia, não nada mas casada, aqui, na cidade.
– Z.S. ? – ??. – A Zita! – Iiiiih, outra mais valia que vem de carrinho, patrocínio toyota.
– A.B. ? – Eu? – Hmmm, mais valia era manteres-te ágrafo. – Mais vale.
André Bonirre
Resgate
A noite caiu mais cedo que o previsto.
E a neve, o gelo, o nevoeiro
Bloquearam-nos a via
De escalada.
Chamámos a Protecção Civil
Mas nós somos a Protecção Civil
Ninguém nos protegerá
Deste erro de previsão
Do frio e do esgotamento
Aquele que acreditava em Ti
Já foi resgastado.
E a neve, o gelo, o nevoeiro
Bloquearam-nos a via
De escalada.
Chamámos a Protecção Civil
Mas nós somos a Protecção Civil
Ninguém nos protegerá
Deste erro de previsão
Do frio e do esgotamento
Aquele que acreditava em Ti
Já foi resgastado.
80 milhões de ouro
Ontem, no debate sobre as notícias, o ex-jornalista Delgado explicava que os 80 000 euros que o ministro da Presidência gastou para ir a S.Tomé dar 700.000 euros, que é muitíssimo para aquela gente, era o que se exigia para preservar a dignidade do Estado.De acordo. Se o objectivo é preservar a dignidade do Estado, com estes intervenientes 80 000 euros não chegam.
O lugar para onde ela olha
A fotografia vem ontem no Público (p14), é de Hrovje Polan/AFP e ilustra um artigo assinado por Sofia Lorena onde se dá conta da má gestão do programa da ONU “Petróleo por Alimentos”. Por desgraça não sei reproduzi-la.
Em primeiro plano, enorme, a sombra de um marine. No vão de uma ruína a silhueta de uma menina. Oito anos? Tem um vestido preto, comprido, com uma gola de pequenos enfeites floridos, igual à bandolette que segura os cabelos. Por baixo do vestido uma sweatshirt largueirona. A testa muito alta e o cabelo recuado nas têmporas dão ao rosto o contorno de um coração em diástole. A mão direita está na cinta. A boca fechada, morde os lábios, mas esta menina não tem medo. O marine, a sombra do marine, está a voltar-se para um ponto que a menina fixa. Volta-se também o braço direito do marine e com ele a arma magnífica que empunha. Para percebermos o lugar que a menina longamente fita, e o marine verá em breve, temos que nos voltar. Se nos voltarmos é à nossa vida que voltamos. Se olharmos o marine vemos, na névoa, as cidades desoladas dos estados centrais do continente americano, onde foi recrutado. Temos de olhar os olhos da menina.
É isto que penso da guerra do Iraque, e da devastada cidade de Falluja.
Em primeiro plano, enorme, a sombra de um marine. No vão de uma ruína a silhueta de uma menina. Oito anos? Tem um vestido preto, comprido, com uma gola de pequenos enfeites floridos, igual à bandolette que segura os cabelos. Por baixo do vestido uma sweatshirt largueirona. A testa muito alta e o cabelo recuado nas têmporas dão ao rosto o contorno de um coração em diástole. A mão direita está na cinta. A boca fechada, morde os lábios, mas esta menina não tem medo. O marine, a sombra do marine, está a voltar-se para um ponto que a menina fixa. Volta-se também o braço direito do marine e com ele a arma magnífica que empunha. Para percebermos o lugar que a menina longamente fita, e o marine verá em breve, temos que nos voltar. Se nos voltarmos é à nossa vida que voltamos. Se olharmos o marine vemos, na névoa, as cidades desoladas dos estados centrais do continente americano, onde foi recrutado. Temos de olhar os olhos da menina.
É isto que penso da guerra do Iraque, e da devastada cidade de Falluja.
11 janeiro 2005
That's life
Se a vida te corre bem pode ser que aquela gaja te leve a tomar café. Enquanto conversam ela olha excessivamente para os teus ombros, distrai-se sabe-se lá com quê enquanto tu dizes, porque é verdade, que ela está linda e que é uma mulher adorável e lhe falas das Metamorfoses de Ovídio na poesia do Franco Alexandre e de como no último filme do Jarmusch o Tom Waits fazia aquela cena da slot machine. Ela fala-te tão baixo que até um beijo parece ser possível e não parece ouvir nada do que dizes, mas ri-se, o que dizes parece fazer sentido, e está cada vez mais gira e adorável. Não pergunta nem responde nada em particular e mais tarde ouves dizer que foste encantador. Ela é perfeita . Faz-te sempre sentir um italiano num congresso de Seul em 2003 e que não se volta a repetir.
André Bonirre
André Bonirre
That's Winter
As mulheres vão lindas nas camisolas de lã com o rosto fresco a encostar-se ao meu.
André Bonirre
André Bonirre
10 janeiro 2005
Bomba Inteligente
Agora vale a pena comprar o Expresso para ler, a Única coisa que interessa no Expresso, a página da Carla Hilário Quevedo.
A vizinha na escada
(primeiro e último post de segunda-feira)
"Isto ia ser facílimo, pensava. Um post sobre a minha vizinha, outro sobre Lopes ou Sócrates e já estava. Mantinha essa relação entre o íntimo e o público e conseguia escrever até terça-feira, depois ia-se ver. Mas as pessoas são muito complicadas. As pessoas são sempre o factor limitante das nossas melhores decisões. Ontem a minha vizinha bateu-me à porta. É muito mais bonita vista assim, como eu a vi, nas escadas da minha casa, com a luz do meio-dia pelas costas. Não quis entrar. A minha vizinha é uma mulher delicada. Num instante percebi o que ela pensava da minha presença à janela, que eu julgava discreta, apreciada mesmo.
Restava o post do Lopes. Ou do Sócrates. Antes de o escrever abri o mail. Algumas pessoas teimam em comunicar comigo. E uma delas, por cuja opinião tenho o mais elevado apreço, dizia: “pareces aqueles delegados de informação médica que se esquecem do seu produto, tão preocupados estão em liquidar a concorrência.”
Não tenho nada para oferecer melhor que Lopes. Melhor que Sócrates."
André Bonirre
"Isto ia ser facílimo, pensava. Um post sobre a minha vizinha, outro sobre Lopes ou Sócrates e já estava. Mantinha essa relação entre o íntimo e o público e conseguia escrever até terça-feira, depois ia-se ver. Mas as pessoas são muito complicadas. As pessoas são sempre o factor limitante das nossas melhores decisões. Ontem a minha vizinha bateu-me à porta. É muito mais bonita vista assim, como eu a vi, nas escadas da minha casa, com a luz do meio-dia pelas costas. Não quis entrar. A minha vizinha é uma mulher delicada. Num instante percebi o que ela pensava da minha presença à janela, que eu julgava discreta, apreciada mesmo.
Restava o post do Lopes. Ou do Sócrates. Antes de o escrever abri o mail. Algumas pessoas teimam em comunicar comigo. E uma delas, por cuja opinião tenho o mais elevado apreço, dizia: “pareces aqueles delegados de informação médica que se esquecem do seu produto, tão preocupados estão em liquidar a concorrência.”
Não tenho nada para oferecer melhor que Lopes. Melhor que Sócrates."
André Bonirre
Rucahna
O meu nome é Rucahna. Trabalho em Gaia, e aos domingos, sempre que tenho dinheiro, patino no gelo.
09 janeiro 2005
Imperdível
A leitura de Aracne, o último livro de António Franco Alexandre, por Frederico Lourenço, no Mil Folhas deste fim de semana.
Evitas de ler
os meus livros, revista anteriormente dirigida por Tereza Coelho, reaparece com nova orientação. O grafismo da capa faz suspeitar, mas há sempre quem, como eu, não esteja atento e desperdice 2,5 euros. A recensão dos livros é agora do tipo fast food. As secções das revistas femininas, fazem aquilo melhor e com mais gosto. A entrevista de fundo é a um senhor dono de uma editora (Verbo) que afirma com orgulho que" não publicaria O Código Da Vinci, por ser um livro tremendamente herético".
Evitas de comprar.
(revisto a 09/01, 10:00h)
Evitas de comprar.
(revisto a 09/01, 10:00h)
Neoindividualismo e desigualdade
"As actuais estratégias da globalização do mercado e do capital estão a dar lugar à concentração de sectores de grande riqueza, junto a grandes massas de miséria e a um grande número de população mundial supérflua e desprovida de direitos. Até 1960 havia no mundo um rico por cada 30 pobres; hoje a proporção é de um rico por cada 80 pobres. A FAO no seu último Relatório Anual contra a Fome denuncia, entre muitos outros dados, que em cada ano morrem de fome mais de cinco milhões de crianças com menos de cinco anos e que, nos países mais ricos mais de nove milhões de pessoas passam fome. A ideologia neoliberal do mercado reduz a vida humana a uma mera análise de custos e benefícios que desemboca num individualismo sistemático baseado no cálculo das vantagens individuais obtidas dentro de um grupo social. Tudo isto encaminha os seres humanos para um neoindividualismo possessivo e consumista que configura a base antropológica e social da nossa época. Se o individualismo foi uma das grandes conquistas da modernidade, agora o neoindividualismo imperante pretende reduzir e simplificar toda a possível visão complexa e integral do ser humano.
Esta ideologia transforma-se num factor poderoso de desintegração e perda de coesão social, já que vai deixando sem vínculos um amplo sector da população mundial, que passa a converter-se numa espécie de novos parias da civilização global. Os novos excluídos do mercado global têm uma característica em comum: a sua falta de capacidade económica para o consumo, a sua incapacidade para chegar a ser uma espécie de “consumidor universal” ou transnacional; numa palavra a sua prescindibilidade para o sistema. O consumo ou, melhor dito, a capacidade económica para consumir- baseada numa lógica individualista e competitiva converte-se actualmente no critério mais importante de inclusão ou de exclusão social. O neoindividualismo consumista quebra a consciência de classe social, fragmenta a sociedade e inclusivamente privatiza a própria vínculo social. A desigualdade já não representa apenas um mecanismo de relação hierarquizada que se integrava socialmente mediante a existência de direitos de conteúdo redistributivo e mediante a aspiração ao “interesse geral” das relações de produção capitalistas. Agora o neoindividualismo converteu-a num factor determinante da exclusão social. Quem não é competitivo na luta económica é eliminado definitivamente dela.
O resultado deste processo é, na minha opinião, um neoindividualismo radical, de carácter possessivo e consumista, que pode resumir-se à ética do enriquecimento privado acima e à custa de tudo. Não importam já os meios legítimos ou ilegítimos (tráfico de drogas, de mulheres, de menores, de órgãos humanos, de armas, ou corrupção política, empresarial e fiscal) mediante os quais se chega à aquisição de um status económico; a única coisa importante é tê-lo, já que o neoindividualismo fez desaparecer a reprovação social e moral destes comportamentos. Praticamos agora um individualismo sem má consciência que acaba num niilismo destrutivo, onde os objectos nos marcam e onde se premeia a posse de riqueza, se criminaliza a pobreza e o lucro privado se eleva a valor supremo. Este neoindividualismo possessivo desdobra-se, por seu lado, no que, paradoxalmente, se poderia chamar de individualismo de desapossamento, que é o que deriva dos efeitos negativos que a sociedade global faz recair sobre a maioria das pessoas: ausência de trabalho, precarização do mesmo, incultura, insegurança e ausência de protecção institucional. Atrás disto o que existe é uma ética do desespero e do “salve-se quem puder”.
O mais preocupante é que o neoindividualismo privativista aspira a converter-se numa nova ética universal e homogénea, difundida na perfeição pelos monopólios mediáticos. A s8ua universalidade moral difunde-se frente a quaisquer outras éticas como as éticas ecológicas ou antiecológicas, animalistas ou antianimalistas, feministas ou antifeministas, pacifistas, etc. Numa palavra estamos ante a universalização de um individualismo já anunciado por Thomas Hobbes, baseado no critério da lei do mais forte e que abandona os seres humanos à sua gestão insegura dos riscos de alimentação, saúde, habitação, educação, trabalho e condições do mesmo, velhice, doença, incapacidade e segurança. O neoindividualismo destrói a dimensão colectiva, solidária e democrática das relações sociais, rompe os vínculos de integração e instala os seres humanos numa cultura de satisfação e de consumo imediatos. Do mesmo modo sacraliza a competitividade como a base antropológica das relações entre indivíduos e produz uma incomunicação ou uma espécie de autismo social de consequências imprevisíveis.
É o triunfo da privacidade sobre a colectividade. Nesta lógica, a gestão das consequências perversas da globalização (desemprego estrutural permanente, falta de cobertura social das situações carenciadas e de risco, conflituosidade e violência social, pobreza, retracção cultural, analfabetismo, doença, radicalização étnica, insegurança) mudam do âmbito público para a gestão individual, no melhor dos casos, da ajuda familiar. A sociedade deixa de oferecer mecanismos institucionais e universais de integração, segurança, solidariedade e consequentemente, abandona as pessoas ao seu destino solitário, inseguro e mercantilista. As soluções colectivas e solidárias já não parecem possíveis. A competição individual dentro do mercado é a única salvação possível.
Do descrito deriva o paradoxo central das nossas sociedades globalizadas: no momento em que a economia de mercado livre se mundializa e se transforma de forma acelerada graças a tecnologias e meios de transporte e de comunicação novos, o ser humano deixa de se projectar no futuro, perde elementos de segurança, de identidade de classe e procura um fundamento no passado, num desejo a histórico, em identidades perdidas ou em novas e, por vezes, longínquas espiritualidades religiosas. Além disso procura um discurso político que o legitime nesse sentido. Por isso, quando as nossas estruturas societárias reduzem os mecanismos de redistribuição do poder social entre os seus membros, surge com mais força a reivindicação da preservação das diferenças e das identidades culturais, étnicas ou religiosas. Isto pode favorecer uma rotura dos vínculos solidários tradicionais, participativos e distributivos da integração social, favorecendo a tendência à radicalização cultural, étnica, comunitária, urbana, religiosa ou, de um modo geral, identitária dos grupos socialmente vulneráveis.
É precisamente em momentos de fragmentação social e de privatização do vínculo social que há que estar mais atento ao papel de regulação e de integração social que desempenham, por exemplo, as religiões e as instituições que as gerem, como ficou demonstrado nas últimas eleições presidenciais nos EE UU, com a movimentação religiosa (evangélica, fundamentalmente) a favor dos valores morais defendidos por George W. Bush, Acontece com frequência que quando as religiões transcendem o seu âmbito privado para impregnar a vida social, cultural e política, e suplantam os tradicionais mecanismos laicos de regulação, tendem a interpretar de forma intolerante a sua mensagem religiosa, com posições integristas e fundamentalistas. Não esqueçamos que todo o fundamentalismo, seja qual for o seu tipo, tem a sua origem no medo irracional do pluralismo e da diferença. Por isso há que apelar de novo aos mecanismos laicos e públicos que conlevam integração e igualdade social."
Maria José Fariñas Dulces, professora de Filosofia do Direito da Universidade Carlos III de Madrid, El País, 5 de Janeiro de 2005
Esta ideologia transforma-se num factor poderoso de desintegração e perda de coesão social, já que vai deixando sem vínculos um amplo sector da população mundial, que passa a converter-se numa espécie de novos parias da civilização global. Os novos excluídos do mercado global têm uma característica em comum: a sua falta de capacidade económica para o consumo, a sua incapacidade para chegar a ser uma espécie de “consumidor universal” ou transnacional; numa palavra a sua prescindibilidade para o sistema. O consumo ou, melhor dito, a capacidade económica para consumir- baseada numa lógica individualista e competitiva converte-se actualmente no critério mais importante de inclusão ou de exclusão social. O neoindividualismo consumista quebra a consciência de classe social, fragmenta a sociedade e inclusivamente privatiza a própria vínculo social. A desigualdade já não representa apenas um mecanismo de relação hierarquizada que se integrava socialmente mediante a existência de direitos de conteúdo redistributivo e mediante a aspiração ao “interesse geral” das relações de produção capitalistas. Agora o neoindividualismo converteu-a num factor determinante da exclusão social. Quem não é competitivo na luta económica é eliminado definitivamente dela.
O resultado deste processo é, na minha opinião, um neoindividualismo radical, de carácter possessivo e consumista, que pode resumir-se à ética do enriquecimento privado acima e à custa de tudo. Não importam já os meios legítimos ou ilegítimos (tráfico de drogas, de mulheres, de menores, de órgãos humanos, de armas, ou corrupção política, empresarial e fiscal) mediante os quais se chega à aquisição de um status económico; a única coisa importante é tê-lo, já que o neoindividualismo fez desaparecer a reprovação social e moral destes comportamentos. Praticamos agora um individualismo sem má consciência que acaba num niilismo destrutivo, onde os objectos nos marcam e onde se premeia a posse de riqueza, se criminaliza a pobreza e o lucro privado se eleva a valor supremo. Este neoindividualismo possessivo desdobra-se, por seu lado, no que, paradoxalmente, se poderia chamar de individualismo de desapossamento, que é o que deriva dos efeitos negativos que a sociedade global faz recair sobre a maioria das pessoas: ausência de trabalho, precarização do mesmo, incultura, insegurança e ausência de protecção institucional. Atrás disto o que existe é uma ética do desespero e do “salve-se quem puder”.
O mais preocupante é que o neoindividualismo privativista aspira a converter-se numa nova ética universal e homogénea, difundida na perfeição pelos monopólios mediáticos. A s8ua universalidade moral difunde-se frente a quaisquer outras éticas como as éticas ecológicas ou antiecológicas, animalistas ou antianimalistas, feministas ou antifeministas, pacifistas, etc. Numa palavra estamos ante a universalização de um individualismo já anunciado por Thomas Hobbes, baseado no critério da lei do mais forte e que abandona os seres humanos à sua gestão insegura dos riscos de alimentação, saúde, habitação, educação, trabalho e condições do mesmo, velhice, doença, incapacidade e segurança. O neoindividualismo destrói a dimensão colectiva, solidária e democrática das relações sociais, rompe os vínculos de integração e instala os seres humanos numa cultura de satisfação e de consumo imediatos. Do mesmo modo sacraliza a competitividade como a base antropológica das relações entre indivíduos e produz uma incomunicação ou uma espécie de autismo social de consequências imprevisíveis.
É o triunfo da privacidade sobre a colectividade. Nesta lógica, a gestão das consequências perversas da globalização (desemprego estrutural permanente, falta de cobertura social das situações carenciadas e de risco, conflituosidade e violência social, pobreza, retracção cultural, analfabetismo, doença, radicalização étnica, insegurança) mudam do âmbito público para a gestão individual, no melhor dos casos, da ajuda familiar. A sociedade deixa de oferecer mecanismos institucionais e universais de integração, segurança, solidariedade e consequentemente, abandona as pessoas ao seu destino solitário, inseguro e mercantilista. As soluções colectivas e solidárias já não parecem possíveis. A competição individual dentro do mercado é a única salvação possível.
Do descrito deriva o paradoxo central das nossas sociedades globalizadas: no momento em que a economia de mercado livre se mundializa e se transforma de forma acelerada graças a tecnologias e meios de transporte e de comunicação novos, o ser humano deixa de se projectar no futuro, perde elementos de segurança, de identidade de classe e procura um fundamento no passado, num desejo a histórico, em identidades perdidas ou em novas e, por vezes, longínquas espiritualidades religiosas. Além disso procura um discurso político que o legitime nesse sentido. Por isso, quando as nossas estruturas societárias reduzem os mecanismos de redistribuição do poder social entre os seus membros, surge com mais força a reivindicação da preservação das diferenças e das identidades culturais, étnicas ou religiosas. Isto pode favorecer uma rotura dos vínculos solidários tradicionais, participativos e distributivos da integração social, favorecendo a tendência à radicalização cultural, étnica, comunitária, urbana, religiosa ou, de um modo geral, identitária dos grupos socialmente vulneráveis.
É precisamente em momentos de fragmentação social e de privatização do vínculo social que há que estar mais atento ao papel de regulação e de integração social que desempenham, por exemplo, as religiões e as instituições que as gerem, como ficou demonstrado nas últimas eleições presidenciais nos EE UU, com a movimentação religiosa (evangélica, fundamentalmente) a favor dos valores morais defendidos por George W. Bush, Acontece com frequência que quando as religiões transcendem o seu âmbito privado para impregnar a vida social, cultural e política, e suplantam os tradicionais mecanismos laicos de regulação, tendem a interpretar de forma intolerante a sua mensagem religiosa, com posições integristas e fundamentalistas. Não esqueçamos que todo o fundamentalismo, seja qual for o seu tipo, tem a sua origem no medo irracional do pluralismo e da diferença. Por isso há que apelar de novo aos mecanismos laicos e públicos que conlevam integração e igualdade social."
Maria José Fariñas Dulces, professora de Filosofia do Direito da Universidade Carlos III de Madrid, El País, 5 de Janeiro de 2005
SMS, saudades do Lopes
Antes o glamour feérico da noite, estás-ma compreender?, que o outro a trepar ao coqueiro tropical, estás a perceber o que eu te digo?, ou este ajuizadinho a correr os 10 quilómetros escoltado pelo treinador a dar aos pedais junto à Foz, faço-me entender?
Correr ao domingo
(quinto dia, até terça)
Acordado à janela, vejo-me a dormir pela janela da varanda da vizinha. Abro os olhos, olham-me fixos os olhos da flosa. Folhas verde tenro despontam aceleradas pelos ramos do plátano, que se transformam numa sebe colossal e agora são um bando síncrono. Levanta voo e desaparece, disciplinado cardume, em espiral de flosas lilases sobre fundo azul eléctrico.
Lá fora, baloiçam os ramos nus do plátano, talvez a flosa e este sonho já sem vizinha, que, a correr, vou contar à minha psi.
Acordado à janela, vejo-me a dormir pela janela da varanda da vizinha. Abro os olhos, olham-me fixos os olhos da flosa. Folhas verde tenro despontam aceleradas pelos ramos do plátano, que se transformam numa sebe colossal e agora são um bando síncrono. Levanta voo e desaparece, disciplinado cardume, em espiral de flosas lilases sobre fundo azul eléctrico.
Lá fora, baloiçam os ramos nus do plátano, talvez a flosa e este sonho já sem vizinha, que, a correr, vou contar à minha psi.
A flosa à janela
(segundo post do quinto dia de um post por dia até terça)
Mais um dia em que não se abrem as janelas. À hora prometida só a folosa, a filós, o alado dentirrostro. O sol está excelente. Se janeiro resume o ano, como explicava a minha Avó Mariana, este ano será o ano que todos esperámos. A minha vizinha não é uma mulher magra e fraca. Talvez pareça assim, ao longe, na bruma da manhã, quando segura a chávena de café e olha as serras ao longe. Talvez pareça assim por usar as calças de pijama que o viajante deixou. Mas olhem como ela caminha na montanha. Vai à frente e sabe onde se pôem os pés, como a mão faz pinça no penhasco, como o corpo roda para encontrar o apoio. Ninguém lhe ensinou isto. Ninguém ensinou às mulheres como se segura um bébé, como se pôe o mamilo a jeito, como se faz para lhe calar o choro. Ela simplesmente caminha, atravessa o riacho e reconhece as pedras seguras, escala com técnica pela via certa.
André Bonirre
A Nova Fronteira
Estavam lá todos, desalfandegados. O Narciso com sweatshirt da Gant. O Gomes de pé que o Gomes não está muito para estas teorias. O Santos Silva contente vá-se lá saber porquê. O Assis confirma ser o político português que mais envelheceu nos últimos anos. O Sócrates, começou a sua intervenção com a frase "como disse anteriormente o Vitorino". Agora é sempre assim. Ficamos a saber que o Vitorino ainda lá está e que ele ouviu e percebeu. O Sócrates tem já todas as características do homem de estado moderno. A gravata berrante e a ferocidade nos olhos. O Júlio Machado Vaz também foi. Senão aquilo não era a Nova Fronteira mas as janeiras da tralha guterrista. O Vital não foi, mas eles já sabem a aritmética.
A Nova Fronteira. Se ainda ao menos ficássemos aquém.
André Bonirre (no Porto)
A Nova Fronteira. Se ainda ao menos ficássemos aquém.
André Bonirre (no Porto)
08 janeiro 2005
SMS, saudades do Lopes
"Jorge Sampaio defende virtudes da maioria absoluta. Volte prof. Cavaco está perdoado, como se tornou já trivial, pela esquerda alta."
Madrugar ao sábado
(quarto dia de post’s, até terça)
De persiana semicerrada, dorme ainda a vizinha ou caminha na montanha, desde cedo como eu sozinha, quando comigo?
André Bonirre
De persiana semicerrada, dorme ainda a vizinha ou caminha na montanha, desde cedo como eu sozinha, quando comigo?
André Bonirre
A Flosa aflita
(primeiro post no quarto dia de um post por dia, até terça)
Já os andarilhos partiram, e com eles o Assombrado que procura a árvore e a fenda onde vai sussurrar o seu segredo inútil, e a flosa parece adivinhar que alguma coisa hoje corre mal, vê como ela grita, mais guardiã do bosque que o pássaro saltitante de antes, já se queimou a segunda torrada e o café arrefeceu, já outros meninos saíram à catequese e não se abrem as portadas, as gelosias, as persianas, os estores, as japonesas.
André Bonirre
07 janeiro 2005
A minha vizinha
(terceiro post no terceiro dia de um post por dia, até terça)
"Agora abre a janela, assoma à varanda, olha para mim ou para a saltitante flosa , bebe o café, faz a cama, veste os filhos, sai a correr, as meninas vão no banco de trás. Aspira os quartos, põe a roupa a secar, olha para mim ou para a flosa, passa a ferro, despe as meninas, recolhe a roupa, olha para mim ou para a flosa, corta a relva do jardim. Passa a roupa, lava o carro, corre ao lado das meninas, trata as feridas, seca as lágrimas. Corrige os tpc, faz a comida, despe as meninas, dá banho às meninas, arruma a comida, faz o café, toma o café, fecha a janela, assoma à varanda, olha para mim, fecha as portadas da varanda."
André Bonirre
"Agora abre a janela, assoma à varanda, olha para mim ou para a saltitante flosa , bebe o café, faz a cama, veste os filhos, sai a correr, as meninas vão no banco de trás. Aspira os quartos, põe a roupa a secar, olha para mim ou para a flosa, passa a ferro, despe as meninas, recolhe a roupa, olha para mim ou para a flosa, corta a relva do jardim. Passa a roupa, lava o carro, corre ao lado das meninas, trata as feridas, seca as lágrimas. Corrige os tpc, faz a comida, despe as meninas, dá banho às meninas, arruma a comida, faz o café, toma o café, fecha a janela, assoma à varanda, olha para mim, fecha as portadas da varanda."
André Bonirre
Acordar à sexta
(segundo post no terceiro dia de um post por dia, até terça)
Na limpidez da manhã salpicada de orvalho, brilha a cameleira ao relento ou o primeiro sorriso da vizinha da varanda ? (malditas dioptrias)
André Bonirre
Na limpidez da manhã salpicada de orvalho, brilha a cameleira ao relento ou o primeiro sorriso da vizinha da varanda ? (malditas dioptrias)
André Bonirre
SMS, saudades do Lopes
"O vereador da Câmara de Lisboa Pedro Pinto ia dando um murro ao presidente da distrital AntónioPreto.
Qual é o espanto?
Notícia era Pedro Pinto dar um murro ao amigo Lopes, Lopes dar um murro em Morais Sarmento, Sarmento espancar Sampaio e, creme de la creme, Lopes partir a cabeça a Durão Barroso.
Menos que isto não é notícia."
(terceiro dia de um post por dia, até terça)
André Bonirre
Qual é o espanto?
Notícia era Pedro Pinto dar um murro ao amigo Lopes, Lopes dar um murro em Morais Sarmento, Sarmento espancar Sampaio e, creme de la creme, Lopes partir a cabeça a Durão Barroso.
Menos que isto não é notícia."
(terceiro dia de um post por dia, até terça)
André Bonirre
06 janeiro 2005
O melhor blogger de 2004
No dia de Reis a Natureza do Mal decidiu divulgar a sua escolha do melhor blogger do ano. Houve unanimidade e a escolha foi reservada para hoje, porque hoje es jueves, el 6 de enero.
O melhor blogger de 2004 é Filipe Nunes Vicente de o Mar Salgado.
O melhor blogger de 2004 é Filipe Nunes Vicente de o Mar Salgado.
(mais)Saudades do Lopes
Nas cartas do leitor do Público de ontem, a chefe do gabinete do primeiro ministro de Portugal esclarece que Lopes não desmarcou a tomada de posse por fúteis motivos pessoais. O cronista do Público, Miguel Sousa Tavares, devia dizer que errou e pedir desculpa. Não o fez e é pena. Tomar como critério de verdade o facto da notícia ter existido e circulado sem desmentido é estreito para quem quer ser justo e rigoroso. É verdade que, com o precedente da sesta, Lopes deu argumentos. Mas para Sousa Tavares sempre valeu tudo contra Lopes.
Acordar à quinta
(segundo post do dia, de um por dia até terça)
Debica a saltitante flosa pelo ramo nu do plátano à janela e eu a matinal vizinha à varanda.
André Bonirre
Debica a saltitante flosa pelo ramo nu do plátano à janela e eu a matinal vizinha à varanda.
André Bonirre
2046
Sim é deslumbrante. O amor é sempre deslumbrante. Uma mentira magnífica, como deus, a paz , a felicidade.
Os planos da filha mais velha no terraço do hotel. Os quartos de que não temos nunca uma visão de conjunto. O hotel de que conhecemos apenas o corredor espreitado à luz da noite, quando a mulher do quarto 2046 pode sair ou voltar. O sexo não é assim tão deslumbrante em 2046. Embora seja atraente a ideia de ser pago. Aliás todos os serviços, sobretudo os domésticos, deviam ser pagos, em dinheiro e não em géneros ou afectos, ou promessas.
As mulheres são magníficas em 2046. Enlouquecem suavemente por amor. Aprendem a língua do amado trânsfuga. Escrevem quando o escritor não é capaz. Morrem às mãos dos homens, nos lençóis do quarto 2046.
Não gosto do escritor, embora simpatize com o seu alter ego, o homem japonês que regressa alucinado de 2046. O escritor é um homem perigoso, que mistura nas suas histórias as mulheres reais que conheceu e diz as frases sem sentido de que o amor se alimenta: Love is a matter of time. It’s no good meeting the right person too early or too late- na versão inglesa. A pessoa certa? Lembra o Amor na Cidade. Cedo demais ou tarde demais? Que interessa o tempo quando ninguém regressa dos comboios que partem para 2046.
Não gosto de um homem que deixa à porta de um hotel a mulher que seduziu com um par de meias. Que diz que “nunca emprestou a sua pessoa”. Não há nenhum mérito em deixar voltar para Singapura uma mulher como Zyao Zhang. Homens destes merecem voltar sozinhos de 2046.
SMS, saudades do Lopes
"A linha editorial deste blog autoriza a ter pena do Lopes? É que nos últimos dias vejo o homem e choro, às vezes choro a rir, outras cai-me uma lágrima furtiva de compaixão. Sou um ser humano sensível, choro ao lado dos fracos, dos sós e dos pobres de espírito".
(segundo post de um por dia, até terça)
André Bonirre
(segundo post de um por dia, até terça)
André Bonirre
Atenção
No El Pais de ontem (infelizmente sem link) a Opinião de Maria José Fariñas Dulce sobre Neoindividualismo e desigualdade.
05 janeiro 2005
Acordar à quarta
(primeiro post de um por dia, até terça)
Da folhagem que me esconde, restam agora ramos nus que a descobrem, minha vizinha inimaginada do prédio em frente, a olhar-me da varanda e eu nela atento.
André Bonirre
Da folhagem que me esconde, restam agora ramos nus que a descobrem, minha vizinha inimaginada do prédio em frente, a olhar-me da varanda e eu nela atento.
André Bonirre
Sim, saudades do Lopes
Dêem os vossos votos ao Sócrates, ao Capoulas, ao Coelho, ao Gama, ao Campos, ao Gomes, à Elisa, à Edite, ao Vitorino, ao Lelo. Finjam que já se esqueceram de que o Capoulas era o Capoulas da agricultura, o Coelho o Coelho que foi dar o amen à senhora que fugiu para o Brasil, o Gama é o Gama é o Gama, o Campos o autor do Manual da Governação (cedo o meu exemplar), a Edite a que ensina a falar bem os munícipes, o Vitorino o primeiro que fugiu para a Europa, o Lelo o da Emigração. Finjam que acreditam ser possível o Sócrates ser melhor do que o Lopes. (O Sócrates não vai ter metade da piada do Lopes. O Inimigo Público não consegue fazer uma piada digna dos seus pergaminhos com o Sócrates. Com o Sócrates a mediocridade é triste. Não vai haver oposição de direita - eles vão aproveitar o intervalo para ganhar para os charutos nas empresas. Não vai haver oposição de esquerda - não há esquerda. Não vai haver opinião pública - a concentração dos media nas mãos do capital e a extinção dos jornalistas livres é um processo irreversível. Não vai haver demissão do governo de Sócrates - o Sampaio estará no fim do mandato e terá menos legitimidade que os novos senhores recém-eleitos). Dêem-lhes os votos e venham para a rua com os vossa alegria postiça, como fizeram após o segundo lugar do Europeu. J’irai cracher sur vos claxons
Cinco de Janeiro
O Fim do Ano é um bom período nas nossas vidas. Fazemos balanços e pensamos: vem aí um Ano Novo. Rapidamente vemos que as nossas esperanças eram infundadas. Como o Fim do Ano vem longe começamos a contar os dias que faltam para o Carnaval, a Páscoa, o Equinócio, a Ascensão, o Congresso das Bruxas e Duendes, a festa de anos do Horácio e da Paula, a publicação do novo poema da Ana Paula Inácio.
Aviso absoluto
No Público de ontem, após uma aritmética pré-eleitoral em que demonstra que o PS só pode governar com maioria absoluta, Vital Moreira (professor universitário que muito prezo) avisa os cidadãos que se não lha derem não poderão depois pedir-lhe o impossível. Já estão avisados. Depois não se queixem.
04 janeiro 2005
sms
Com o sms tu percebes quem está do outro lado. É numa escrita assim que uma pessoa se revela. Xoxo, sonsa, chata (as chats ficam muito chats, tem cuidado). Ah mas também certeiro, fulminante (palavra proibida em sms), rápido, directo, cheio de humor, criativo (tantas palavras novas e que achados de sintaxe). Foi nos sms que a Paula percebeu que afinal o Horácio era chato e deixou de lhe achar piada, o que, devem saber, anuncia nas mulheres o fim do encantamento.
Nos sms não precisamos de dizer mais do que aquilo. Podemos desertar a toda a hora sem aqueles silêncios horríveis do telefone. Aliás o telefone encontra-se em extinção. Preciso lá de saber se estás rouca ou de ressaca. O sms está para a comunicação como o som para o cinema, mas ao contrário. Regressámos ao mudo e podemos voltar a sonhar.
O sms foi o fim do controle da sexualidade das mulheres pelos homens. A epístola sempre foi o terreno por excelência da infidelidade feminina. Mas quando Fanny escrevia de Baltimore ao jovem Eça, cônsul em Habana, tinha três meses para se recompor da fraqueza natural que toda a escrita arrasta. Já com o mail elas ficaram muito mais ousadas e sem tempo de recuperação. A escrita sms fez mais pela libertação da mulher que todos os movimentos feministas juntos. A escrita sms é a pílula destes anos com a vantagem que nenhuma mulher pode ser proibida de usar telemóvel.
Nos sms não precisamos de dizer mais do que aquilo. Podemos desertar a toda a hora sem aqueles silêncios horríveis do telefone. Aliás o telefone encontra-se em extinção. Preciso lá de saber se estás rouca ou de ressaca. O sms está para a comunicação como o som para o cinema, mas ao contrário. Regressámos ao mudo e podemos voltar a sonhar.
O sms foi o fim do controle da sexualidade das mulheres pelos homens. A epístola sempre foi o terreno por excelência da infidelidade feminina. Mas quando Fanny escrevia de Baltimore ao jovem Eça, cônsul em Habana, tinha três meses para se recompor da fraqueza natural que toda a escrita arrasta. Já com o mail elas ficaram muito mais ousadas e sem tempo de recuperação. A escrita sms fez mais pela libertação da mulher que todos os movimentos feministas juntos. A escrita sms é a pílula destes anos com a vantagem que nenhuma mulher pode ser proibida de usar telemóvel.
03 janeiro 2005
Testemunha muda
Testigo mudo de la tragedia, el único que resistió en Galle( Sri Lanca) el embate de las gigantescas olas del tsunami fue el fuerte construido por los portugueses en 1640. Sus muros de piedra de casi dos metros de espesor aplacaron la embestida del Índico (...) Fuera, la destruccion es total.
(EL PAÍS, lunes 3 de enero de 2005)
Obrigado masson
Prometemos manter o espaço temporal da participação do blog; melhorar se possível o conteúdo que estimulou a "libido"; ter em atenção o construído estético, enquanto lugar de corporalidade textual e a "moral de prazer" ; interagir com os leitores e outros "criadores de circunstâncias"; procurar essa (impossível) especialização temática (as mulheres); aperfeiçoar as linkagens e outros interstícios; cumplicidade afectiva e relacional, enfim, sermos em tudo, e cada vez mais, dignos do Almocreve das Petas.
Sobre a tristeza da devastação
O artigo sobre Rafah, de Alexandra Lucas Coelho, ontem aqui. Onde tudo reluz sobre as ruínas.
Três de Janeiro
Este é provavelmente o pior dia do ano. E a pior hora do pior ano. Já não há novidade nenhuma. E ainda não se vê o fim disto.
Bte réce... 0/85: os sms das Festas
Os Sms das famílias felizes: assinados por Liões e Galhos, por Rattões e Limas, pelos cinco Dâmasos.
O sms humilde da piedade com minúscula
Os sms que se perdem. (hoje sabemos que os sms não se perdem. E ficamos com medo que tenha sido Edmundo quem se perdeu).
Os Santos sms
O sms sem fim, que se agradece e retribui e que volta, tão verdadeiro e efusivo que não podemos deixar de novo de agradecer e
Os sms que não constam da nossa agenda nem se assinam e a quem temos de perguntar quem és tu?, resposta danada para quem começa um ano.
Os sms muito originais: o das estrelas, o das boas festas no corpinho todo, o do fogo de artifício
Os sms da Paz e da Saúde e da Educação e do Pão e da Segurança Social e do Trabalho
O que se não manda ( e devia ter sido mandado)
O do meio da lista
O que se não recebe (e devia ter vindo)
O sms fora-de-moda : Ninguém desejou a Revolução nem a Reforma, nem as reformas
O sms da Nokia que no Siemens se desconfigura e é só 0, e de repetido já não se espanta e passa a O
O sms que se diz das 23:58 (a quem terá ela enviado o das 23:59? E o das 00:00 h?)
O sms humilde da piedade com minúscula
Os sms que se perdem. (hoje sabemos que os sms não se perdem. E ficamos com medo que tenha sido Edmundo quem se perdeu).
Os Santos sms
O sms sem fim, que se agradece e retribui e que volta, tão verdadeiro e efusivo que não podemos deixar de novo de agradecer e
Os sms que não constam da nossa agenda nem se assinam e a quem temos de perguntar quem és tu?, resposta danada para quem começa um ano.
Os sms muito originais: o das estrelas, o das boas festas no corpinho todo, o do fogo de artifício
Os sms da Paz e da Saúde e da Educação e do Pão e da Segurança Social e do Trabalho
O que se não manda ( e devia ter sido mandado)
O do meio da lista
O que se não recebe (e devia ter vindo)
O sms fora-de-moda : Ninguém desejou a Revolução nem a Reforma, nem as reformas
O sms da Nokia que no Siemens se desconfigura e é só 0, e de repetido já não se espanta e passa a O
O sms que se diz das 23:58 (a quem terá ela enviado o das 23:59? E o das 00:00 h?)
02 janeiro 2005
Campos (do Mar)
Campos é um opinion maker do PS de serviço ao Público. O homem é especialista em questões de administração e de saúde. Uma espécie de Luís Filipe Pereira menos polido mas muito mais ideológico. No último dia do ano passado escreveu um artigo. Como dizem que se a tralha guterrista voltar ele será o novo Ministro da Saúde (e do Mar), ou da Reforma Administiva (e do Mar) ou de ambos (e do Mar), o artigo em questão tem algum interesse. No intervalo o Campos ficou Gamista. A via com que ele ameaça as portuguesas e os portugueses é agora a do reformismo gamista (que é a maior novidade do ano, sobretudo para os menores de seis anos que desconheçam o ímpeto reformador da figura). Quando chega a fase dos exemplos, o Campos explica que as corajosas reformas (só se percebe que uma delas é o adiamento da idade da reforma e a outra flexibilizar o mercado laboral) hão-de deixar em fúria funcionários, médicos, enfermeiros, sindicalizados e incluídos. Mas o inteligente corajoso, em breve corajoso inteligente, assegura que por cada privilegiado zangado haverá centenas a aplaudir (ou que aplaudiriam se as suas cabeças não estivessem ocupadas com a sobrevivência). Como todos não somos demais para aplaudir, a tentação de Sócrates pode ser grande em aceitar as sugestões de Campos. A questão é: porque é que um homem que diz que os trabalhadores, tanto pior melhor, estavam melhor com Santana e os patrões, tanto pior pior , por isso activamente trabalharam para que o despautério cessasse, há-de ser socialista, ideólogo do Partido socialista, aspirante a ministro do governo socialista ?
Junk on me
Hoje, para começar bem este ano, decidi deitar fora o lixo: tudo o que fosse científico e tivesse mais de cinco anos. Impressionado com o facto de, na análise curricular do último júri em que participei, não ter sido pontuada a produção anterior a 1999, decidi que o critério seria esse. Enchi seis sacos de material científico que acartei para os postos de reciclagem que ficam no passeio em frente. Depois decidi alargar o critério às publicações não científicas. Por que razão a ficção, a poesia, o ensaio haveriam de gozar de um estatuto diferente da ciência? Dezassete sacos de livros, seis de CDs. Após este despejo pensei que se tivera coragem de me desfazer da Cartuxa de Parma, do Carlos de Oliveira e da Ana Karenina a que propósito é que ia ficar com o Gonçalo M. Tavares. E decidi deitar fora todos os livros dos últimos cinco anos de que não fosse sentir uma falta, digamos, absoluta. Em seguida reuni os materiais que estivessem gravados em meios de suporte tecnologicamente obsoletos (disquetes, slides, cassetes, papel). Cinco sacos. Finalmente pensei que o critério de cinco anos se podia alargar à mobília. Como podia eu conviver com mobília tão antiga numa casa de repente tão jovem? Fiquei com uma cama, a mesa do computador e algumas estantes, aliás quase todas inúteis.
A minha vizinha, que assistia perplexa às movimentações, perguntou delicadamente se podia ficar com algumas coisas. Como suspeitei que estivesse interessada na roupa disse-lhe que já tudo tinha destino. You selfish bastard, disse ela entre dentes. Mas não me atingiu. Aquele, para mim, é um insulto com mais de cinco anos.
A minha vizinha, que assistia perplexa às movimentações, perguntou delicadamente se podia ficar com algumas coisas. Como suspeitei que estivesse interessada na roupa disse-lhe que já tudo tinha destino. You selfish bastard, disse ela entre dentes. Mas não me atingiu. Aquele, para mim, é um insulto com mais de cinco anos.
Oh jeunesse oisive
O Mil Folhas de hoje pediu a autores que este ano publicaram que escolhessem três livros, que mais gostaram de ler. EPC (prémio Pingo Doce de O Mal) citou Gonçalo M. Tavares (Prémio Jumbo de O Mal) que não citou EPC.
01 janeiro 2005
Raquel no Westin
Acho que foi depois de um fim ano assim que aquilo lhe deu. Começou a exigir que o amor fosse feito em quartos de hotel. Cinco estrelas no mínimo. O rapaz dela era trabalhador. Já tinham dois filhos, e quase na escola. Punham-nos em casa dos avós a pretexto de coisa nenhuma. Então ela era fantástica. Mas dependia cada vez mais do luxo das casas de banho, dos estores mecânicos, do modo como a televisão era dissimulada, dos chinelos de pano turco. Ele teve de fazer horas extraordinárias, reparações no domicílio aos sábados e mesmo nos feriados. Quando chegava aos 127 euros pensava: já dá para o quarto. Depois era só mais qualquer coisita para o mini bar.
Le premier janvier
Escrevesse eu aqui no primeiro dia do ano e havia de estar muito doente ( e não era só gripe). Condamné à écrire en français pendant toute la journée, même la langue de l écran aurait changée (mais oú est l apostrophe ici?). E ainda por cima nesta terra de broeiros simpáticos. De braço dado a ocupar o passeio, orgulhosamente, como se fossem uma família feliz. Trazem ainda nas faces a derrama da noite. E no restaurante uma delas contou-me, ah mas havia de ser com as vogais dela, e a nasalação, a primeira história do ano, que não parece triste porque todas riam.