30 junho 2006
Eu hoje sou
da Argentina.
Por causa de Messi, Tevez, Maxi Rodrigues, Gardel, Borges, Lucrecia Martel e os outros.
Afirma Pacheco
A excelente crónica de Pacheco Pereira no Público de ontem explica várias coisas: Como a política de Sócrates é a de M. Ferrreira Leite por outros meios. Porque é que o PSD não consegue fazer oposição credível. Como se instalou, "abafando tudo, um consenso de rebanho, entre elites, políticos e jornalistas".
Se o motivo para os “não-socialistas” fazerem oposição a Sócrates é “ele ser socialista” Pacheco vai ter de esperar. Os “não-socialistas” são pragmáticos como Sócrates e sabem que não é a ideologia que impede os negócios. Se, como diz Pacheco, a única oposição possível é a liberal, essa não faz falta, porque está no governo, da forma menos custosa para a sociedade, a fazer a terminação-sem-dor do Estado Providência.
Pacheco queria mais e mais depressa: “um Estado que garantisse uma protecção social mínima para quem realmente a exige, limitar a esse mínimo de solidariedade social básica o carácter distributivo dos impostos, assim libertando para cada um a gestão da sua segurança e para a economia recursos de que o Estado tem vindo a apropriar-se.”
Essas soluções já foram testadas. E o Estado mínimo que as suporta não é assim tão mínimo. Precisa, vá-se lá saber porquê, de boas polícias para os descontentes e invejosos.
Se o motivo para os “não-socialistas” fazerem oposição a Sócrates é “ele ser socialista” Pacheco vai ter de esperar. Os “não-socialistas” são pragmáticos como Sócrates e sabem que não é a ideologia que impede os negócios. Se, como diz Pacheco, a única oposição possível é a liberal, essa não faz falta, porque está no governo, da forma menos custosa para a sociedade, a fazer a terminação-sem-dor do Estado Providência.
Pacheco queria mais e mais depressa: “um Estado que garantisse uma protecção social mínima para quem realmente a exige, limitar a esse mínimo de solidariedade social básica o carácter distributivo dos impostos, assim libertando para cada um a gestão da sua segurança e para a economia recursos de que o Estado tem vindo a apropriar-se.”
Essas soluções já foram testadas. E o Estado mínimo que as suporta não é assim tão mínimo. Precisa, vá-se lá saber porquê, de boas polícias para os descontentes e invejosos.
29 junho 2006
Hexagrama da Lagoa de Quiaios
[O criador, O receptivo, O encontro, O repouso, O afastamento, A matriz de todas as possibilidades]
Foto: Alda Reis
Tempo
Como escreveu o Stefan Zweig de Rausch der Verwandlung, um posto de correios não se distingue de outro. Quem vê um, viu todos.
Vive la France
A equipa francesa é objecto de uma campanha de descrédito permanente que tem muito de ideológico: tal como os africanos são “ingénuos”, os franceses são “velhos”. Nova e sagaz é a Nossa Sociedade, despida das veleidades “sociais”, sem outro contrato que a liberdade de comércio. Um país que ainda não se abriu totalmente à flexibilização e conserva os reliquats do estado providência do pós-guerra, tem de ser, no futebol, aquilo que é nas ruas. Alguns brancos elegantes mas decrépitos, a escumalha e “la chienlit”.
28 junho 2006
O'Neill por Maria Antónia Oliveira no Desassossego
Amanhã, às 21:30h, Maria Antónia Oliveira apresenta a sua biografia de Alexandre O'Neill.
A seguir Pedro Mexia e Fernanda Câncio vão ter de aturar o EPC, mas dessa nós já nos desobrigámos.
É a quarta edição dos Livros em Desassossego.
A seguir Pedro Mexia e Fernanda Câncio vão ter de aturar o EPC, mas dessa nós já nos desobrigámos.
É a quarta edição dos Livros em Desassossego.
Crónica de futebol
O Javier Marias sabe escrever sobre futebol. O Valdano também. O Montalbán sabia . Há comentadores de futebol excelentes. Para se ser um bom comentador de futebol não basta gostar de futebol e saber de futebol. Mas é fundamental gostar e saber. Saber o que é temporizar, linhas de passe, diagonais, pressão defensiva, movimentação sem bola. Saber porque não pode haver atitude sem um cartão amarelo eminente. Perceber porque é que Deco e Cocu se envolveram com picardia dentro das quatro linhas e ficaram lado a lado nos degraus de acesso aos balneários, a vibrar com o final do jogo. Saber também o que é a Argentina, o Brasil, a Argélia, Tottenham Court Road e Chelsea, fora dos campos de futebol, onde os pais baptizam os filhos com o nome dos heróis do relvado. Saber porque é que o rapaz se chama Maniche. Ter visto futebol do terceiro anel, entre as claques, fora do camarote do empreiteiro.
EPC e Marcelo, a falar de futebol, são patéticos. Marcelo assina num jornal desportivo uma carta diária que é um insulto aos leitores. Escritas para o que ele imagina ser o simpático popular, o leitor típico do diário, um híbrido entre o broeiro da bancada, o aluno da faculdade de Direito de Lisboa e os apoiantes que ele encontra na Assembleia de freguesia. EPC escreve para os leitores do Público. O outro confundia o género humano com o Manel Germano. Um amigo sociólogo que explique a EPC a diferença entre o povo de Lisboa e os taxistas da Cidade Universitária.
Até lá leiam o El País. Mesmo depois da derrota da Espanha, vale a pena.
EPC e Marcelo, a falar de futebol, são patéticos. Marcelo assina num jornal desportivo uma carta diária que é um insulto aos leitores. Escritas para o que ele imagina ser o simpático popular, o leitor típico do diário, um híbrido entre o broeiro da bancada, o aluno da faculdade de Direito de Lisboa e os apoiantes que ele encontra na Assembleia de freguesia. EPC escreve para os leitores do Público. O outro confundia o género humano com o Manel Germano. Um amigo sociólogo que explique a EPC a diferença entre o povo de Lisboa e os taxistas da Cidade Universitária.
Até lá leiam o El País. Mesmo depois da derrota da Espanha, vale a pena.
Confirma-se
Consumou-se o golpe de estado do Xanana, da senhora australiana e do Ramos Horta . Com o apoio da Austrália, da Igreja católica, da GNR e do Adelino Gomes. As razões profundas são difíceis de compreender. É preciso saber tetum. Eu, queridos e amados irmãos, não chego a tanto.
Llansol
Leitura — Apresentação — Som/Imagem
Leitura por Maria Gabriela Llansol
Apresentação: Hélia Correia
Som/Imagem:
Vozes — João Barrento e Maria Etelvina Santos
Textos — Maria Gabriela Llansol e Augusto Joaquim
Música — Johann Sebastian Bach
Imagens — Augusto Joaquim, João Barrento e Maria Etelvina Santos
Na próxima quinta-feira, dia 29 de Junho, a partir das 18:30 na livraria Assírio & Alvim — Rua Passos Manuel, 67-B.
Organização: GELL — Grupo de Estudos Llansolianos (Colares)
Eu___________se pudesse__________________________________________________________________________ia.
Leitura por Maria Gabriela Llansol
Apresentação: Hélia Correia
Som/Imagem:
Vozes — João Barrento e Maria Etelvina Santos
Textos — Maria Gabriela Llansol e Augusto Joaquim
Música — Johann Sebastian Bach
Imagens — Augusto Joaquim, João Barrento e Maria Etelvina Santos
Na próxima quinta-feira, dia 29 de Junho, a partir das 18:30 na livraria Assírio & Alvim — Rua Passos Manuel, 67-B.
Organização: GELL — Grupo de Estudos Llansolianos (Colares)
Eu___________se pudesse__________________________________________________________________________ia.
27 junho 2006
Onde faço falta
É no futebol que eu faço falta.
Aqui na repartição passam bem sem mim. Mesmo sem o Matos, a dra. Filomena dá conta do recado. Depois de ter apeado os chefes de estação do interior sinto-me, também, dispensável. Não vou reagir quando alguém (a dra. Filomena?) me anunciar que chegou a hora. Olharei para ela e saberei reconhecer a notícia na falsa comiseração, no lábio descaído, na frase com que vai iniciar a conversa. Tirando o beiço, era assim que eu fazia. À tarde, no café, desabafava com os outros:
- Tive de apear o Gonçalves, de Eira-Pedrinha.
-Esse gajo já não fazia nenhum. – consolavam-me.
Mas era chato. Dizer a um homem que já não é necessário.
Não são necessários os corretores de seguros da Allianz, que despediu sete mil. Não são necessários os operários da Opel. Não são necessários metade dos professores universitários, sobretudo com Bolonha. Não são necessários, aliás, professores, com tanto especialista de educação, da Clarinha ao Daniel Oliveira, passando pelos meio-reaças meio de-luxe. Não são precisos têxteis, nem maquinistas, nem padeiros. Para a actual produção mundial chegam os patrões e os chineses, que há muito seguem os conselhos do senhor Jean-Claude Tricher e baixaram os custos do trabalho, moderaram os salários, com responsabilidade, para não agravar os desequilíbrios externos.
Mas no futebol fazemos todos falta. Parece que não há festa sem os estádios cheios. Somos todos iguais fora do camarote de honra. Em Nuremberga, na Praça Sony, no Bar Dilema.
Acho que não ganhavam se eu não estivesse a ver e a sofrer assim.
Aqui na repartição passam bem sem mim. Mesmo sem o Matos, a dra. Filomena dá conta do recado. Depois de ter apeado os chefes de estação do interior sinto-me, também, dispensável. Não vou reagir quando alguém (a dra. Filomena?) me anunciar que chegou a hora. Olharei para ela e saberei reconhecer a notícia na falsa comiseração, no lábio descaído, na frase com que vai iniciar a conversa. Tirando o beiço, era assim que eu fazia. À tarde, no café, desabafava com os outros:
- Tive de apear o Gonçalves, de Eira-Pedrinha.
-Esse gajo já não fazia nenhum. – consolavam-me.
Mas era chato. Dizer a um homem que já não é necessário.
Não são necessários os corretores de seguros da Allianz, que despediu sete mil. Não são necessários os operários da Opel. Não são necessários metade dos professores universitários, sobretudo com Bolonha. Não são necessários, aliás, professores, com tanto especialista de educação, da Clarinha ao Daniel Oliveira, passando pelos meio-reaças meio de-luxe. Não são precisos têxteis, nem maquinistas, nem padeiros. Para a actual produção mundial chegam os patrões e os chineses, que há muito seguem os conselhos do senhor Jean-Claude Tricher e baixaram os custos do trabalho, moderaram os salários, com responsabilidade, para não agravar os desequilíbrios externos.
Mas no futebol fazemos todos falta. Parece que não há festa sem os estádios cheios. Somos todos iguais fora do camarote de honra. Em Nuremberga, na Praça Sony, no Bar Dilema.
Acho que não ganhavam se eu não estivesse a ver e a sofrer assim.
Um erro de julgamento e outro metodológico
O texto referido no post anterior tem, contudo, um erro de análise e um grave enviesamento.
O perfil traçado ao serial-killer é sinistro. Um homem que grava na parede de sua casa uma frase dessas está pronto para matar.
E as opiniões colhidas durante o jogo de futebol da selecção sobre qualquer tema que não tenha a ver com a coxa de Cristiano Ronaldo, a camisa de Van Basten, o cartão exibido a Deco, constituem, em si mesmas, um case-study.
O perfil traçado ao serial-killer é sinistro. Um homem que grava na parede de sua casa uma frase dessas está pronto para matar.
E as opiniões colhidas durante o jogo de futebol da selecção sobre qualquer tema que não tenha a ver com a coxa de Cristiano Ronaldo, a camisa de Van Basten, o cartão exibido a Deco, constituem, em si mesmas, um case-study.
26 junho 2006
25 junho 2006
Manhã de domingo
Há cem anos que Rilke escreveu os Cadernos de Malte e há alguns que ela entra de manhã no hospital de adultos onde trabalha. Os suficientes para saber que uma coisa não muda. Mudam os materiais, o nome dos serviços, os directores, o sistema de saúde a tecnologia e a esperança de vida. Mas todas as manhãs está lá o cheiro intensíssimo da doença, da respiração humana, das secreções apócrinas desviadas do serviço do sexo e apenas dedicadas à impúdica exibição da decadência. Está lá o cheiro amarelo e almiscarado da urina e das escorrencias uretrais. Está o hálito do sono asfixiado.
Os enfermeiros e os auxiliares já mudam lençóis e sondas e, mais tarde, as equipas de limpeza esfregam o chão com produtos esverdeados, espalham essência de limão e eucalipto. Algum familiar mais compassivo aplicará cremes e colónias . Mas quando ela entra de madrugada no hospital de adultos sabe que debaixo de tudo, está o cheiro que se desprende, lento, dos corpos quando morrem.
23 junho 2006
22 junho 2006
para quem acredita nas palavras
foto no Buraco na Sombra
Terríveis são as palavras para quem acredita nas palavras. Escrevemos com palavras emprestadas. As palavras ferem. Vêm das feridas. Do soro que cobre as queimaduras, do líquido espesso que coagula nas feridas. Repetimos sem saber as palavras que nos adoeceram. Repetimos sem perceber o terrível poder das palavras. Um poder antigo que vem das savanas, do fogo protegido, das emboscadas, das canções de embalar. Um testemunho que se recebeu para entregar mais à frente. A uma mão estendida que ingenuamente acredita. E que repete a estafeta para sítio nenhum. Onde conduzem as palavras. E acontece as palavras doerem. Acontece as palavras, restos mortais, acordarem algures, onde não sabem, onde não querem, algo maior que elas, mais verdadeiro, mais intenso, inútil.
21 junho 2006
Portugal
No futebol, como nos resto, os nossos sonhos de glória esbarram contra o muro da realidade. Falta capacidade física, velocidade, vontade de ganhar e falta o golpe de asa. Figo está afinal igual ao Figo do Europeu: pesado, sem pique, não recua na entreajuda. E Postiga, o ponta de lança que ganhou a convocatória pelas razões inversas de Vítor Baía, jogou setenta minutos: remates à baliza: zero; assistências: zero.
O que estou a dizer talvez não corresponda à tónica do que se escreve nas primeiras páginas dos jornais. Mas o ambiente dos espaços públicos onde se vêem os jogos não engana. Silêncio, decepção.
O que estou a dizer talvez não corresponda à tónica do que se escreve nas primeiras páginas dos jornais. Mas o ambiente dos espaços públicos onde se vêem os jogos não engana. Silêncio, decepção.
20 junho 2006
Seguir a linha
Este blog tem como secretária geral uma ex-blogger que agora anima uma tertúlia semanal, estilo meio reaça meio de luxe. O Bonirre teima em que ela é ainda a nossa secretária geral.Nestas coisas o Bonirre costuma acertar. Não sei se ela é a nossa secretária geral mas nós seguimos a linha.
Se acontecer algo em Espanha...
...não é o Estado que vai pagar o funeral.
Mário Simões (assessor da ARS do Alentejo)
Se acontecer algo em Espanha...
O Estado vai pagar a trasladação do bebé, assegurou o assessor da ARS do Alentejo ao repórter do DN.
Mas sem exemplo. "Se acontecer algo em Espanha com um doente, não é o Estado português que tem de pagar transporte", garantiu o assessor.
O funeral é "uma situação excepcional, que não está prevista no protocolo", ficámos a saber.
Mas sem exemplo. "Se acontecer algo em Espanha com um doente, não é o Estado português que tem de pagar transporte", garantiu o assessor.
O funeral é "uma situação excepcional, que não está prevista no protocolo", ficámos a saber.
Custo-eficácia
A morte da bebé no Hospital de Badajoz não vai ser utilizada como “arma de arremesso” pelo governo. Isto terá sido afirmado, por uma “fonte governamental” ao repórter do DN, Roberto Dores. Para nosso sossego.
Talvez pertença ao repórter a imagem balística, a notícia não deixa perceber. O mau gosto não é competência exclusiva das fontes governamentais.
Uma mulher numa ambulância em trabalho de parto, um bebé de trinta e tal semanas encravado nos ilíacos, um motorista e um paramédico, numa estrada do Alentejo para a Estremadura, de Ensenada para San Diego. Não são grande arma de arremesso. O conjunto já foi tentado pelos terroristas, mas sem sucesso.
Campos é especialista em estudos de custo-eficácia e conhece armas de arremesso com maior impacto.
Talvez pertença ao repórter a imagem balística, a notícia não deixa perceber. O mau gosto não é competência exclusiva das fontes governamentais.
Uma mulher numa ambulância em trabalho de parto, um bebé de trinta e tal semanas encravado nos ilíacos, um motorista e um paramédico, numa estrada do Alentejo para a Estremadura, de Ensenada para San Diego. Não são grande arma de arremesso. O conjunto já foi tentado pelos terroristas, mas sem sucesso.
Campos é especialista em estudos de custo-eficácia e conhece armas de arremesso com maior impacto.
19 junho 2006
Terceiro
Numa entrevista ao El País criticaram Chico por ter anunciado que tencionava votar de novo em Lula.
- No Brasil diz-se que um político é tão mau que perde até contra um poste- disse ele. E comentou que Lula perderia contra um poste, mas que o seu adversário, Alckmin, ficaria em terceiro.
Aqui, todos os nossos candidatos perderam contra o poste. E como se não bastasse, ficaram em terceiro.
- No Brasil diz-se que um político é tão mau que perde até contra um poste- disse ele. E comentou que Lula perderia contra um poste, mas que o seu adversário, Alckmin, ficaria em terceiro.
Aqui, todos os nossos candidatos perderam contra o poste. E como se não bastasse, ficaram em terceiro.
Um homem do Mal: Lionel Messi
Quando Messi joga, escreveu Diego Torres, jornalista do El País, pôe uma cara de nada que tanto inquieta os colegas e adversários. O rapaz argentino rejuvenesceu Maradona, juntou as claques da Argentina a Barcelona e, na passada sexta-feira, alegrou as multidões em Gelsenkirschen. O campeonato do Mundo de 2006 é o campeonato azul celeste da Argentina. De Messi, Crespo, Tévez, Saviola, Riquelme, Maxi Rodriguez, Cambiasso.
Depois dos anjos, un regard froid , o olhar frio com que Messi avança nos campos de futebol, desce agora sobre as ruas das cidades alemãs.
18 junho 2006
Provas da existência do homem
É inútil mostrarem-me as gravuras, os alinhamentos megalíticos. Só vejo pedras, musgo, a erosão e o acaso geomorfológico.
Os caçadores
Os caçadores da caça cooperativa. A gente das aldeias chama-lhes os gulosos. Vêm aos terrenos da caça cooperativa deitar perdizes clonadas, indefesas, que o gavião e o peneireiro olham com espanto e rejeitam, por pensarem doentes. E depois aparecem para os disparos e aqueles festins de masculina flatulência. Os caçadores e as suas armas. Qualquer caçador é mais boçal que a coisa viva a que dispara.
A mulher do Rodeiro
Na aldeia de Rodeiro a mulher barbuda olha-me do alto. Nega-me a broa apesar de cozida no forno comunitário. Comunitário é uma grande palavra para meia dúzia de mulheres, enlutadas a rigor, e um velho surdo, reparando o colmo de um telhado. A mulher barbada tem as pernas enroladas por um calção de borrega, seguro por baraço. Usa-o desde os seis anos, há mais de trinta, pois. Mesmo no Verão, na branda. Passou a noite a ouvir o grito lancinante das raposas com cio. Vê-se-lhe nos olhos. Ouve-se-lhe na voz, lenta mas desafiante, como a voz das mulheres da cidade, solta pela fluoxitina. Se eu insistir ela vende-me o calção. A manta de onde este saiu há-de dar outro.
16 junho 2006
Difícil é ser tigre
Ontem, um rapaz do Equador chamado Iván Kaviedes marcou um golo e, na cerimónia de comemoração, colocou uma máscara do Homem Aranha, assim repetindo o ritual de Otilino Tenorio, o avançado titular da selecção equatoriana, morto contra um camião antes do Campeonato.
Hoje às 18:00 no TAGV de Coimbra, Ana Luísa Amaral vai ler poemas de Alexandre O'Neill. Um Adeus Português e Albertina ou o insecto-insulto, diz o jornal.
Difícil é ser tigre.
Um tigre mete o pé como fez Kaviedes. No trajecto velocíssimo da bola, para o espaço aberto do festejo. Mete o pé contra Mourinho, a humilhação de ter jogado apenas quinze minutos na liga portuguesa, devolvido ao clube de onde viera de empréstimo.
Difícil é ser só savana em estado liso.
Um tigre prefere às dores inventadas as reais. Não tropeça de ternura como um adolescente.
Ou talvez só se possa ler Um adeus português numa tarde de Verão, contra as vitrines de um Teatro de província, ou pôr a máscara de um malogrado futebolista de vinte e cinco anos, depois de, do neurónio ao instinto, ter sido tigre.
(Ana Luísa Amaral lê O'Neill hoje às 18:00h no TAGV de Coimbra. Iván Kaviedes joga no dia 20, às 20:00h, em Berlim, contra a Alemanha )
14 junho 2006
Na Feira do Livro
Gosto dos pavilhões da Relógio D’Água, da Cotovia, da Teorema. Estão lá os livros que valem a pena ser lidos: Sebald, Vila-Matas, Borges. Um dos melhores livros de sempre, Armas, Germes e Aço, de Jared Diamond, não vendeu sequer a primeira edição e envelhece à dureza da exposição. No pavilhão das pequenas editoras já não está a e etc. Gosto da Cavalo de Ferro. Mas desde o Manuscrito encontrado em Saragoça que não consigo comprar nada na Cavalo de Ferro. Lágrima, A Tua Cara não me é Estranha, Mútuo Consentimento, de Hélder Moura Pereira estão em saldo por 3 € na Assírio. Na ASA não põem em destaque as velhas edições de Lodge. À D. Quixote nunca mais chega O Homem sem Qualidades e não é dado nenhum destaque a um livro que poderia salvar o mundo: a Breve História do Progresso.
Anoiteceu e a Feira está deserta. Num dos pavilhões, à luz que resta, uma escritora escolhe um livro para um jovem leitor. - O que é que tu lês? - pergunta ela. O pai diz que ele já lê seguido, os Cinco, por exemplo. E a escritora parece hesitar. Apercebe-se de que nunca escreveu um livro que mereça ser lido assim, seguido, um livro que se possa oferecer a um menino pendurado no balcão, tão crente no mistério da literatura. Apetece-me dizer-lhe que é mentira. Que conheço quem a leu, com o fervor e o apetite com que se liam os Cinco. Mas foi há tanto tempo. Quem sou eu para consolar um escritor que duvida, no frio de uma Feira que se extingue.
13 junho 2006
Le temps qui reste ( François Ozon)
Procuro-te. Digo que não te amo.
É mentira. Mas que interessa a verdade
Ou a mentira.
No tempo que falta.
12 junho 2006
11 junho 2006
A Opus Dei triunfa no Oriente
O filme Código Da Vinci foi proibido na China.
Depois de duas semanas de um êxito sem par (o filme corresponde às necessidades blasfémicas das massas chinesas)foi retirado de exibição. A Igreja católica chinesa, que responde clandestinamente ao Vaticano e oficialmente ao Partido comunista chinês, congratulou-se com a medida, que aliás tinha pedido.
Também no Paquistão, e em doze estados indianos, o filme foi proibido, para não ofender as hierarquias das minorias católicas e das maiorias islâmicas.
Os intelectuais laicos do ocidente não vão dizer nada. Primeiro porque o fime é mau. Depois porque ver um filme(mau) blasfemo é um direito de chegada.
Depois de duas semanas de um êxito sem par (o filme corresponde às necessidades blasfémicas das massas chinesas)foi retirado de exibição. A Igreja católica chinesa, que responde clandestinamente ao Vaticano e oficialmente ao Partido comunista chinês, congratulou-se com a medida, que aliás tinha pedido.
Também no Paquistão, e em doze estados indianos, o filme foi proibido, para não ofender as hierarquias das minorias católicas e das maiorias islâmicas.
Os intelectuais laicos do ocidente não vão dizer nada. Primeiro porque o fime é mau. Depois porque ver um filme(mau) blasfemo é um direito de chegada.
Uma companhia extra-campica
Hoje,em alguns sítios, felizmente, deus é uma ideia que se pode discutir. Há quem se sinta "acompanhado por deus, nos dias bons". "E nos dias maus". Devem ser esses os bem aventurados. Mesmo que quisesse, eu não trocaria com eles o meu infortúnio, a minha solidão. E não lhes invejo a beatitude. São geralmente excelentes pessoas. Bem intencionadas, prontas a compreenderem o vilão e a sua vítima. Demasiadas vezes o vilão. Também não aprecio a sorte de quem com eles caminha. Deve ser incómodo dar a mão, e outras intimidades, a quem está sempre assim tão acompanhado.
09 junho 2006
08 junho 2006
O calor, o Verão.
O Verão é a pior das estações. A nudez dos tornozelos inchados. O ranço. Os cactos triunfantes. A sede. A febre quartã. A bilharzíase. A triquina nos charcos restantes. As gretas da terra. A ureia manchando as paredes da cela. A sede. As borboletas negras ansiando pela desova.
O Verão seca tudo, até a memória dos cheiros das mulheres, o amor que escorria das glândulas apócrinas, no cavado axilar, no períneo.
(versão Isabel)
O Verão seca tudo, até a memória dos cheiros das mulheres, o amor que escorria das glândulas apócrinas, no cavado axilar, no períneo.
(versão Isabel)
Amizades
Duas pessoas conheceram-se e calhou falarem de mim. Um não era meu amigo. Eu sabia, ele ainda não. O que não era meu amigo, mas ainda não sabia, perguntou ao outro se era meu amigo. Ele disse que sim. Era meu amigo, assim se declarou. Eu ainda não sabia.
Deus e nós
Deus é o tempo passado. Essa vertigem (visto do tempo presente, esse nada).
Deus é o espaço. Lá onde o Universo em contracção tem o seu bordo (visto de um ponto quase invisível no braço de uma galáxia).
Sem o visionário resta o silêncio, a escuridão, o frio e a anomia. Deus é o silêncio, a escuridão e o frio do Universo quando retiramos o sujeito que pensa, essa insignificância.
Esta Quinta, dia 8 de Junho, pelas 21h30, na cave da Galeria-Bar Santa
Clara em Coimbra,
Projecção do Documentário Internacional "Gisberta / Liberdade", sobre o assassinato da transsexual Gisberta no Porto em Fevereiro último.
Entrada gratuita, organizado pela associação Não te Prives.
07 junho 2006
Os homens de O Mal: Memória e louvor de Robert Broom
Robert Broom (1866-1951), médico escocês, afastado da sua posição na Universidade de Stellenbosch, instalou-se na África do Sul onde se tornou um eminente antropólogo e paleontólogo. Na juventude apresentou à Universidade de Glasgow uma tese sobre um estudo de anatomia comparativa do órgão de Jacobson.
É graças a Broom, a Ludwig Jacobson (1813), ao embalsamador Ruysch (1724) e provavelmente a Kolliker que conhecemos o órgão humano vomero-nasal, essa minúscula preciosidade que possibilita a noção de lavanda ou a impressão musquínica.
Na foto Robert Broom, no trabalho de campo, em fato formal.
(Este post é dedicado à Susana B. evidentemente por isto.)
Declaração de Indiferença
Devo dizer que a relação amorosa entre Jesus Cristo e Maria Madalena me deixa indiferente.
(Bagão Félix, na homilia da manhã da antena um)
06 junho 2006
06.06.06
Um dia assim
um dia que podes olhar sem que mude
um dia quase perfeito
caminhando para a aspereza de outros dias
05 junho 2006
A questão de Ratzinger em Auschwitz (Onde estava Deus quando isto sucedeu?) mereceu vários comentários. Numa crónica inteligente e elegante, Rui Tavares diz que Deus estava onde está agora. VPV considera a questão deslocada. (Ratzinger devia perguntar onde estava a Igreja, entre a ascensão do partido nazi e o fim da guerra.)
Este fim-de-semana estive numa cidade de província a que chamarei Vila do Conde. Numa esplanada, ao cair da tarde. Havia um edifício de Cassiano Branco (ou Cotinelli Telmo ?) de vagas cores amareladas, embrulhado para demolição, reflectido nas paredes de um casino vazio. Na rua passavam velhos. Doentes. Um homem com marcha cerebelosa. Mulheres disformes, de óculos escuros e voz empastelada. Um casal com tatuagens rivais, de olhar agressivo. Duas velhas, de corsários e sapato alto. A empregada desdentada. Um cavalheiro a quem ela dirigiu palavras claras de sedução, olhou-a de alto a baixo, em silêncio. Nenhuma criança. Nenhuma beleza. As toalhas de mesa estavam húmidas. Nas mesas os cadáveres do costume, a mesma voracidade. O problema não é onde encontrar Deus em Auschwitz. Onde está Deus em Vila do Conde?
04 junho 2006
Um bilhete de Sócrates
Cavaco vetou a chamada “lei da paridade”. As reacções foram as esperadas. Os argumentos a favor da medida vetada não foram inovadores. Não era agora, com a comida fria, que ia perceber o que não fui capaz. Claro que a retórica presidencial é irritante e foi inspiradora para alguns e algumas. Eu sou mais sensível ao comunicado do primeiro-ministro, um bilhete que Sócrates escreveu a Cavaco. Sócrates mostrou-se pronto a abandonar “causas” destas para não quebrar o suave entendimento com Belém. Para ele a lei era um instrumento. O importante é que coincidem no “aumento da participação das mulheres” na “ igualdade do exercício dos direitos políticos” e noutras vacuidades. A diferença entre eles era “instrumental”.- Venham lá outros instrumentos substitutivos- diz Sócrates a Cavaco, que isto é poeira para entreter, enquanto fazemos as grandes reformas, aquelas que o PSD não podia fazer sem grande repúdio.
02 junho 2006
2 1/2=HB
Já não fumo
Olho para o cinzeiro do Havana Club
Já não ouço música
Empilho os CDs
Já não abro a TV
Vejo as sombras reflectidas no ecrã
Já não leio
Só sublinho
(com grafite de altíssima qualidade).
Na foto o cão de Eternuridade.
Festa da Paz
Alouettes, F16, Corvetas, Fragatas...
Não fazem falta. Se fizessem não eram alienados.
(Luís Amado, Ministro da Defesa, anunciando a venda dos F16 comprados em segunda mão aos Estados Unidos pelo governo de Guterres e que não chegaram a ser desempacotados.)
aguasfurtadas 9
O número 9 da "aguasfurtadas", Revista de Literatura, Música e Artes Visuais, chega às livrarias durante este mês de Maio. E estará também disponível através de pedidos directos para jup@jup.pt.
A revista "aguasfurtadas" está presente nas Feiras do Livro do Porto (24 de Maio a 11 de Junho) e Lisboa (25 de Maio a 13 de Junho), no pavilhão das edições Quasi.
01 junho 2006
Lucrecia Martel
O Júri de Cannes explicou as sua escolhas. O Presidente do Júri, Wong Kar Wai, e os Jurados Patrice Leconte, Monica Bellucci, Helena Bonham Carter, Tim Roth, Samuel L. Jackson, Lucrecia Martel, Elia Suleiman e Zhang Ziyi explicaram aos jornalistas as suas escolhas. Na história do festival era a terceira vez que isto ocorria. Wong Kar Wai lembrou filmes de grande qualidade que não foram premiados, como Palais d'Eté de Lou Ye, L'Ami de la Famille de Paolo Sorrentino ou Buenos Aires 1977 de Israel Adrián Caetano. Elia Suleiman declarou que se tinham detido mais "nas estruturas narrativas, na beleza, no lado inovador dos filmes". Tim Roth começou por dizer que chorara durante a projecção de THE WIND THAT SHAKES THE BARLEY, de Ken Loach. E falaram Monica Belluci e Helena B.Carter. Lucrecia Martel não disse nada.