Lola Duenas lendo lábios em Los Abrazos Rotos
O último Almodôvar pode ser lido como uma grande alegoria da montagem cinematográfica, ou da criação artística, se quiserem. Somos financiados por um ser abjecto, que detém a propriedade dos resultados do nosso trabalho e direito de pernada da mulher que desejamos. A nossa obra foi desfigurada intencionalmente. Tentamos restaurá-la mas cegámos- cegueira cortical, diz o médico, o que significa que não percebemos o que vemos.
O vilão também não percebe. Visionando em directo o filme que encomendou para vigiar a produção do filme, o asqueroso detentor do capital desabafa: - Não percebo nada desta porcaria.
E nos momentos mais deliciosos do filme, uma mulher do Leste lê, em tom monocórdico, os lábios dos que estão a ser espiados. Quando os lábios estão na sombra ela usa a expressão: - Não vejo lábios. A alternância de frases de elevado conteúdo emocional recitadas em voz funcionária, intercaladas com a expressão “ não vejo lábios”, criam um efeito divertido.
Nesta campanha eleitoral, e na vida em geral, acontece-me com frequência não ver lábios. Não vejo lábios, não percebo nada desta porcaria e , de uma maneira geral estou atingido por cegueira cortical. Há felizmente quem veja tudo e rapidamente. Os jornalistas vêem tudo, e da noite para o dia investigam e põem setinhas para baixo e para cima. Mesmo o cauto público com que me relaciono é muito sensível ao critério das setinhas. Não havendo pachorra para ler a notícia e menos ainda para analisar a informação, fica a setinha, colada ao personagem, como se resultasse de escrutínio popular ou desígnio divino.
O carro de combate do Simplex também vê tudo e tudo explica. No início espantei-me como é que gente respeitável podia meter-se numa lagarta socrática. Depois percebi. É a divisão de tarefas na máquina de guerra. Uns definem os alvos, outros carregam os obuses, outros disparam e os mais recatados fazem os relatórios de ocorrência. Há ainda os mais puros de todos, que nem estão bem no combate e só oleiam as lagartas. No final todos serão premiados, a curto ou longo prazo, na terra ministerial ou no céu da fraternidade socialista.
A grande desilusão deste ciclo de debates é a Esquerda, seja lá isso o que for. O partido da vanguarda proletária e dos seus aliados tem um líder que inspira respeito e comiseração. O tipo de sentimentos que o recomendam para director do Museu do neo-realismo ou da Memória do Alfeite.
Francisco Louçã não tem gabinete de imagem. Alguém que lhe diga todos os dias que uma grande parte dos portugueses lhe deplora a Virtude, a Indignação e o verbo fácil. No debate com Sócrates, Louçã esqueceu-se de que estava a falar para os portugueses, e de que era mais importante esclarecer a política fiscal do BE e a política de nacionalizações do que encostar Sócrates aos interesses da Mota-Engil e do Amorim. Louçã já diz “eu” vezes demais, levando a crer que o BE é um partido como os outros e cada vez menos um
movimento que alguns reclamaram como necessidade.
A direita portuguesa, se os seus dirigentes a representassem verdadeiramente, seria fantástica. Anti capitalista, defensora das liberdades, sempre ao lado dos mais pobres e desfavorecidos. Dir-se-á que depois de 4 anos de Sócrates, Campos, Coelho, Santos Silva e Victor Batista toda a direita reluz só por existir e ser outra coisa. A questão é que está ainda na memória de alguns a trapalhada de Santana e Portas- não o afável Paulo Portas que hoje disputa as eleições, urbano e culto, inteligente e educado, mas o ministro do Mar e dos submarinos, o Portas do Telmo e do Luís Nobre Guedes, a abaterem os sobreiros na noite em que já não eram, a noite fatídica em que os ministros, de mala feita, têm aquela convulsa dedicação ao bem público e ao interesse nacional.
A senhora MFL é simpática. Se ela vencer teremos enfim o país com que Pacheco Pereira sonhou. Ou Aguiar Branco? Ou António Preto? Ou Jardim, o guru de Jaime Gama? Ou o inefável Arnaut, Mexia, o pugilista de que já não lembro o nome? Ou os candidatos em quem verdadeiramente, nominalmente, posso votar e cujo nome vou declinar para vosso opróbrio, amigos da cidade que prezais a claridade intelectual: Pedro Saraiva, Maria do Rosário Águas, Nuno Encarnação, Miguel Almeida, Madalena Carrito, Filipe Carraco, Maurício Marques, Ana Paula Sançana, Carlos Ferreira.
Sim, eu sei. Paulo Mota Pinto lava a lista de Coimbra tal como Ana Jorge permite que os torturados socialistas de Coimbra votem em Victor Batista e Horácio Antunes. Mas não deixa de ser arrepiante. Oh António, oh Carolina, oh Camilinha, oh Francisco, eu sei que quereis como eu um Portugal futuro, onde se conseguisse ouvir a torre de Santo António dos Olivais e as crianças de manhã a entrar nas Escolas, mas olhem quem vão sentar no Parlamento. Olhem vocês. Eu não percebo nada desta porcaria. Não vejo lábios. Nem do Leste me vem nenhuma ajuda
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