Nem um sinal por ti
Vocês foram generosos para o Mal. Leram-nos, falaram connosco, falaram de nós. Alguns de vocês escreveram comentários, essa guerra que se perde sempre contra o ennetation. Mandaram-nos mails, sms, cartas, encomendas. Nós gostamos tanto de vocês.
Uma tarde de verão, no nosso mail, estava um recado do escritor de Barcelona que dedica os seus livros a Paula de Parma. Convalescente do mal de Montano, julguei merecer aquela distinção.
Só tu não vieste. Eu entendi o teu silêncio para o Inimigo Rumor. Esperei todos os dias da minha cela por um sinal teu. Em cidades várias, os meus amigos compraram os teus livros. Até o Humberto, tão reticente na adesão aos meus entusiasmos literários, te encomendou na livraria a que é fiel. Que os teus livros, raros, são mesmo de encomenda. O Verão passou sem que a minha irmã e o André Bonirre te encontrassem nos túneis do Pico, um dos sítios onde o alferes Maltë pergunta: então é aqui que se vive?
O meu amigo influente prometeu convidar-te para o Palácio, a pretexto de um acontecimento cultural. Mas até ele falhou nessa investidura. E o adido cultural, e o pediatra de Angra.
O tempo passou. Tu não escreveste mais. Não disseste sequer que estavas viva, um poeta mais desgraçadamente ágrafo, mas vivo. O Zé Mário, delicado: Talvez ela não queira ser encontrada. Eu percebi. Desde os quinze anos que aprendi a reconhecer as mulheres que não querem ser encontradas por gente como eu. Mas qualquer coisa em mim me dizia que quando te esquecesse, quando nem os nomes dos teus livros recordasse, nem um verso teu me queimasse os lábios, nem o teu nome me toldasse, esse seria o dia de um sinal teu, da tua suave epifania. Passaram os dias. E agora passam as últimas horas do último dia. E tu não vens, nem um sinal por ti, Ana Paula Inácio.



Dezoito críticos de Babelia, o suplemento de sábado de EL PAIS, escolhem os dois títulos inolvidáveis do ano, em ficção. O mais citado é Paris no se acaba nunca de Enrique Vila-Mata (Anagrama), un libro esperanzador sobre una generación que siempre se duele, diz María José Obiol.
Blog d'Esquerda (1 e 2) e Dicionário do Diabo
Sérgio Vieira de Mello.
A venda da Somague aos espanhóis;
Julianne Moore em Longe do Paraíso de Todd Haynes
Javier Bardem em Às Segundas ao Sol
Às segundas ao Sol de Fernando León de Aranca;
Agora os meninos adormeceram e nós pensamos: se sorriem, nos seus sonhos, é porque são felizes. Esquecemos que só há desejo certo numa infância de escassez e tardes longas. Este é o tempo em que falta sempre qualquer coisa, alguém. Podes voltar ao Continente, a correr, na tua pausa de almoço comprar a prenda que faltara à imprecisa lista dos meninos. Não há dique para a insatisfação, nem teto para os sonhos instantâneos. O lixo circula agora livremente pelas ruas dos bairros afluentes. Só o teu amor dura. Um dia ela vai perceber.
O dia em que nasci meu pai cantava
Voltei à Penitenciária
O primeiro vestígio da beleza
Quem, o infinito?
Fosse o Moleskin o caderno que o Chatwin prenchia com a mania que seria grande, fosse o Chatwin o aventureiro da Patagónia antes do outro o biografar, fosse um caderno simples de capas pretas antes do italiano esperto o tornar mercadoria e eu mandava-vos,
Sem direito a planos americanos Manuela aparece atrás do centro da acção, que é o par espantoso Durão:Paulo Portas. Tem o cabelo em desalinho de quem não teve tempo para o cabeleireiro. A cara escureceu. Está cansada e já não é deste debate. As raparigas de Aveiro? O corpo das mulheres? Nesse momento Manuela sente no seu corpo, no ventre, nas coxas, contra os ombros, um estremecimento. O cérebro parlamentar, a carapaça de experimentada líder partidária reagem. Ela vira de novo os olhos para fora e a câmara fixa-lhe um olhar ligeiramente irónico, surpreendido com a intimidade do par espantoso.
Se a esquerda não comemorar efusivamente um facto destes, não é digna de se chamar esquerda."
O melhor deste país são as mulheres. Maria Eugénia Varela Gomes, a mulher que entrentava de cabeça a descoberto as cargas policiais do Salazar e do Marcello, deu a Manuela Cruzeiro, do Centro de Documentações 25 de Abril, uma entrevista que constitui um livro de memórias, a partir de agora indispensável.
Lançada hoje uma Fotobiografia de Helena Vaz da Silva que conta com a colaboração de Alberto Vaz da Silva e é editada pela Notícias. É altura para assinalarem os 40 anos da fundação de O Tempo e o Modo- momento de início de uma certa modernidade, neste país pequenino, cinzento e asfixiante.
Sequela de O Declínio do Império Americano, de 1987, Les Invasions Barbares de Denys Arcand, é um filme que questiona a esquerda de uma maneira fulminante. O Hospital público é um inferno de desumanização, ineficiência, incompetência (a place of disaffection). O estado providência, em que aquela geração votou, é um monstro gerido por administradores corruptos. Os sindicatos, mafias impiedosas. A Igreja católica, que perdeu influência sem perceber porquê (num dia de 1986), tenta vender os seus ícones. Mas aqueles para quem tinham valor, já não existem. Os bárbaros- dealers da droga, câmaras silenciosas que registam as presenças, estudantes mercenários, leaders sindicais- estão por todo o lado. Entretanto Rémy agoniza.



No Museu Rainha Sofia uma professora explica suavemente aos alunos um quadro. E percebe-se, com lágrimas reprimidas, que os fascistas não ganharam a Guerra Civil.
Os electricistas jovens vêm sempre aos pares. Um para o trabalho nobre, o outro para segurar nos instrumentos e limpar os resíduos. Como os polícias de ronda, os sapatos, os especialistas médicos nos hospitais públicos.
Paul Berman , escritor de esquerda liberal norte-americana que apoiou a invasão do Iraque, deu uma entrevista à revista Letras Libres (27: 92-94, 2003). Ele argumenta que a batalha principal que está a travar-se é, no interior da civilização muçulmana, uma guerra entre a civilização liberal e os seus inimigos. Deveria haver movimentos estudantis em todas as cidades manifestando-se nas ruas, proclamando a sua solidariedade com os estudantes de Teerão e com a sua demanda de liberdade, conclui.
No Museu Rainha Sofia e até 16 de fevereiro uma espectacular exposição de Calder. A gravidade e a graça. Demoro-me na little black spot, essa graça. Ao fundo a música de Cage e essa emoção de ver jovens sentados no chão a desenhar, encher de riscos pretos e brancos, vermelhos e depois azuis e amarelos as páginas brancas dos cadernos.
Notícias do norte do Império. Quase vinte anos depois, numa cama onde se agoniza. Reencontrar Rémy enquanto é tempo. Infelizmente só em Lisboa (El Corte Inglês, Monumental, Saldanha) e no Porto (AMC e Nun'Alvares). Antes, ir ao Quarteto (O Declínio do Império Americano).
Misha Gordon
No fim da reunião, passava da meia noite e a hora era propícia a acofenos e outras ilusões, acreditei que Encarnação pudesse ter a sua hora de loucura. Que se esquecesse da cartilha dos investimentos sustentados e percebesse o que havia de novo, ali. O que há agora e não houve no passado. E cumprisse o seu programa de uma noite de há dois anos, com risco e coragem, com aquela gente que não é dele e não é de ninguém.
Agora há gente que fala, convoca adesões, se mobiliza, argumenta, diz com orgulho a sua maneira de viver. Há, na Alta de Coimbra, imensa gente a querer dizer que em breve tudo estará atolado, ipparizado, entulhado, tudo só fetos e líquenes, tudo entregue às Fundações, tudo só professores embalsamados e alunos bem comportados, tudo empreiteiros de sucesso e restaurantes com vista, tudo só o imenso silêncio dos domingos neo-liberais nos centros das cidades abandonadas, tudo só cenário para futuras capitais de cultura.