31 outubro 2005


// andré bonirre

30 outubro 2005

Sergio Pitol



Reeditado em Espanha El desfile del amor, o policial- histórico de Sergio Pitol (1989), com prólogo de Vila-Matas (Anagrama).

Amar es una salida victoriosa afuera

Amar y Pensar. El odio de querer vivir,
de Santiago López Petit, Belaterra, Barcelona, 2005 (10 Euros).
A critica de Babelia desperta muita curiosidade sobre este livro, o ensaio final de uma trilogia sobre "querer viver" em que o autor declara no prólogo: Já não tenho mais nada que dizer.

Não há esperança sem memória


Emerson dizia que se opunham na sociedade americana o Partido da Memória e o Partido da Esperança. O Partido da Memória é hoje o de Soares e o da Esperança o de Cavaco. Eu não sou desta memória e não tenho esperança nenhuma. Não pertenço a este jogo e não serei vencido nem vencedor.

A juventude olé, olé

Os mandatários da juventude dizem bem do papel actualmente reservado aos jovens. Das mandatárias de Cavaco e Soares não recordo nenhum pensamento relevante (admito estar distraído ou não me esforçar convenientemente). O de Alegre esperem para ver. E não digo ouvir, porque ao mandatário da juventude pede-se que se mostre e se cale.

Porque Soares não serve

Soares é por esta e por outras razões o pior candidato para bater Cavaco. Os outros candidatos da esquerda são todos supererogatórios. Com destaque para Louçã. Mas Alegre é poeta épico e veio para falar da Pátria e de um desembarque no Rossio que não se cumpriu plenamente. Jerónimo não quis o dinheiro do pai biológico para cumprir os seus desígnios proletários.

O Cavaco back e o Soares back

A candidatura de Soares remete para a moral comum. A corrente de afectividade de Soares é a procura da identificação com os eleitores através do reconhecimento e partilha das qualidades morais que supostamente todos partilharmos. Cavaco apresenta-se sempre como o candidato da moral supererogatória, o que voltou do silêncio ungido por poderes que não estão à mercê do homem comum. Não sofre da contaminação que atingiu os políticos e o seu passado é só uma representação. Não tem idade. É magro, sem carne. Porque a carne não é triste, como pensava Mallarmé e ele não parece ter lido livro nenhum, nem disso precisar. A carne é fraca, como se pode ver em Soares que facilmente imaginamos a ser distraído dos deveres do Estado pela apreciação de um vintage. A ausência de carne distingue os homens que vieram do deserto para nos dizerem da salvação. Na curva descendente do ciclo final deste sistema-mundo, nós precisamos de homens de moral supererogatória, criaturas fora do comum, capazes de feitos excepcionais, que não se resignem e enfrentem o Dragão. Que o Dragão se perfile atrás de Cavaco, sorridente, é outra história. Precisamos de acreditar. Ou confiar em alguém que diga que acredita.

A mudança da hora


W.H.Auden escreveu que a recensão de livros maus faz mal ao carácter e eu deveria falar aqui apenas das coisas boas que vi, ouvi ou fantasiei. Amina Lawal, a mulher que sobreviveu, na Nigéria, a uma pena de lapidação por adultério foi encontrada por uma jornalista espanhola do El País numa aldeia do norte da Nigéria. O encontro entre as duas mulheres, convenientemente autorizado e vigiado por homens, as declarações de Amina, onde toda a conformação à ideologia sexista e religiosa do actual islamismo não consegue esconder um murmúrio de revolta, a pose dela para a fotografia, o modo como volta a desaparecer, são discretamente transmitidos numa escrita crua, sem adjectivos.

Ou a entrevista da lindíssima Siri Hustvedt ao Mil Folhas, com fotos benditas, onde ela declara que quem em nós escreve é o inconsciente, algo que os leitores possuídos pela síndrome de Zuckerman há muito têm por verdade absoluta, e Ian McEwan declara ser um estado de libertação e concentração que os escritores partilham com os neurocirurgiões, mas estes só atingem no final da intervenção. Todas estas coisas boas têm para mim uma tonalidade ambígua, como se por detrás da boa nova houvesse uma maçã envenenada, para usar a linguagem do pecado.

A entrevista de Amina tem alusões incómodas à ajuda internacional e é decepcionante imaginar como a densa cumplicidade masculina consegue reduzir as mulheres ao papel de que Amina é símbolo. A alusão de Ian McEwan ao neurocirurgião, absolutamente lógica porque ele está a ser entrevistado a propósito de Sábado (traduzido e lançado em Portugal meia dúzia de meses antes de Espanha, sublinhe-se) também não contribui para me adoçar o carácter, desiludido que ando com um neurocirurgião. E a última experiência do dia de sábado foi tão negativa que o meu carácter não recuperará tão cedo. Estavam os quatro do Eixo do Mal reunidos na Sic notícias e eu à procura de um bocado de humor irreverente. Começaram a falar daquilo que chamam de gripe das aves. Completo desconhecimento, nenhum trabalho de casa, sobranceria, toda a informação das últimas semanas, alguma da qual rigorosa e de grande qualidade, ridicularizada, como ridicularizadas foram as questões de populares, reproduzidas para gáudio dos comentadores, quando eram pertinentes e os risos deles uma manifestação de preconceito e ignorância imperdoáveis. Daniel Oliveira deu a definição de pandemia que ouviu na mesa do café, Júdice disse que era tudo uma manobra das televisões para ganhar audiências. Manobra dos americanos, acrescentou a Clarinha, que citou um relatório do CDC, trocando-lhe o nome e o conteúdo. No meio da risota, que o moderador alimentava, Daniel Oliveira e Júdice introduziam alguns comentários caricatos que pretendiam dar consistência à derrisão. Algo positivo foi ter-se percebido a ligação das aves à gripe, disse, catedrático, Daniel Oliveira, quando qualquer pesquisa rápida lhe poderia ter mostrado que as aves, sobretudo as selvagens são tidas como o hospedeiro natural do vírus influenza desde antes da queda do Muro. Adormeci de mau carácter que só a suspensão da hora, essa brincadeira dos homens com o Tempo, redimiria. Viver duas vezes a mesma hora, e das duas vezes da mesma maneira é o supremo exercício da liberdade, mais que a criação literária. Porque esta provém duma zona de recalcamento a que não se acede sem castigo enquanto a ideia de viver e voltar a viver plenamente a mesma hora, como um feitiço do Dia das Toupeiras ao contrário, parece o símbolo mesmo daquilo que os homens e as mulheres podem fazer aos deuses sem os magoar.

28 outubro 2005

Parabrisas


// andré bonirre

A Origem das Espécies e a Ladeira do homem

Francisco José Viegas representa os intelectuais na Comissão de Honra do Prof. Cavaco Silva. Nunca me conformei com o nome do último blog do Francisco. Agora percebo que o que ele queria dizer era The descent of man.

Programa

Enquanto vocês seguem o Cavaco eu vou-me concentrar no João Lobo Antunes.

A não perder

Os comentários, em post automático, ao discurso do segundo episódio do Cavaco back. Por f. no Glória Fácil.

Mais depressa do que em nós percebe

A pandemia da gripe de 1918-19 atingiu 20% da população mundial, matou 20 a 50 milhões de pessoas (há sítios no mundo onde os mortos não se contam facilmente) sobretudo os adultos jovens e previamente saudáveis. A Lancet lembra que, quando em Março de 1918 a primeira onda de doença atingiu os campos militares de Fort Riley, Kansas, não despertou grande curiosidade. Foram necessários muitos meses e vários outros surtos para o mundo de então, saído da Grande Guerra, perceber que enfrentava uma epidemia especial.
Pouca gente percebe que o que está a acontecer em Portugal é a destruição do estado de bem estar e segurança criado após a segunda guerra mundial pelas sociais democracias vitoriosas. Vasco Pulido Valente escreveu-o com a habitual lucidez, mas ninguém parece ouvir, entretidos que estão em eleger Cavaco, Soares ou outro manipanso.
Quase ninguém dá conta que estamos a viver os anos da curva descendente do último ciclo do sistema-mundo iniciado no século XV, com a deslocação final para ocidente da civilização humana que, oito mil anos antes, se estabelecera nos rios da Mesopotâmia.
Ninguém quer perceber que o modelo de civilização que conhecemos assenta na descoberta das energias fósseis, e estas estão em rápido esgotamento.
Quando os Bárbaros entraram em Roma os filósofos romanos jogavam xadrez.
As coisas mudam mais depressa do que em nós percebe.
Eu tinha dormido duas noites em Strasbourg, na casa que Lúcia partilhava com uma amiga ausente. Na segunda-feira levantei-me e entrei na sala. Era muito cedo. Senti a presença dela antes de a ver. Estava aninhada num sofá. Tinha um casaco de pijama e as pernas juntas, dobradas, na posição em que costumam representar a pequena sereia de Andersen. Sentei-me ao lado dela, sempre em silêncio. Segurei-lhe numa mão no meio de uma grande angústia, porque estava atrasado em relação àquele acontecimento e sabia que alguém fazia aquele gesto por mim e por ela. Lúcia rodou os joelhos na minha direcção e mergulhou a cara no meu pescoço. Pus-lhe os braços em volta e ficámos com os peitos colados. Pensei que ela era uma refugiada mas que tinha um projecto de vida. E tive medo que me visse, a mim que só tinha um projecto de morte, como o seu salvador.
Sholem aleycham (e um abraço especial para o Nuno Guerreiro)

27 outubro 2005

TPC com tripé


(Maria Tininha, é já sábado)

// andré bonirre

Um deus inútil

Acredito neste jardim de luz.

Estar de Fora

Não há salvação fora da Igreja, também me lembro. Não há razão fora do Partido. Não há emprego estável fora da Firma. Não há felicidade fora do casamento. Talvez não seja bem felicidade, essa ideia perigosa. Talvez seja um lugar confortável na estatística, no restaurante, na plateia.

Fora do casamento

Um terço dos bebé em Portugal nascem fora do casamento, garantia um despacho de ontem da agência Lusa. L., que faz partos, comentou que estes bebés têm muito mais frio, são alvo de medidas especiais de reanimação, vão para incubadora com três monitores, um para apneias, outro para saturação de oxigénio e o terceiro para UNNE (registo de eventos para recém-nascidos fora do casamento), têm direito a uma pequena estrela com a sigla RNFC, dois testes do pezinho, serologia para DSTs e um boletim de alta especial. Deve ser terrível para quem nasce fora do casamento o momento em que se sai da Maternidade e se percebe que se vai para um lugar de desamparo, risco e solidão. A notícia repete quatro vezes, em cinco curtos parágrafos, a expressão fora do casamento. Desde que a li que a frase não me sai da cabeça: nascer fora do casamento. Nascer dentro do casamento. Nascer dentro do casamento e crescer fora do casamento. Nascer fora do casamento e crescer dentro. Nascer dentro e crescer fora e dentro. Nascer fora e crescer dentro e fora. Nascer fora ou dentro e crescer fora/fora, fora/dentro. Viver fora do casamento. Viver dentro e fora do casamento. Viver dentro do casamento. Morrer dentro do casamento.

Outono

Chegou o outono, o vento e as chuvas do outono. Bom dia.

26 outubro 2005

Em Strasbourg


Passei três dias em Strasbourg com Lúcia. Três dias no fim do Verão, de sábado a segunda feira. No primeiro dia passeámos na cidade, não almoçámos porque não sentíamos fome, falámos pouco e não me lembro de sorrir. Não sabia o que tinha ido ali fazer, sentia-me a viver a vida de um homem estúpido como Heitor. Se alguma vez tinha sentido algum fascínio por Lúcia perdera-o na última hora de viagem, desconcentrado do meu objectivo pela proximidade da mulher japonesa. Enquanto a olhava, de madrugada, nos campos do norte da Bélgica que ainda pareciam martirizados pela guerra, veio-me à cabeça um pensamento absurdo: eu já amei esta mulher e ainda a amo. E demorei-me nas mãos dela, no queixo, numas sardas que tinha junto aos olhos. O facto dela me deixar olhá-la assim, enterneceu-me. Algures na minha vida eu amara esta mulher e depois abandonara-a. Talvez esta criança fosse minha filha. Talvez ela me procurasse pelas cidades da Europa de que lhe falara. Ou simplesmente fugisse de mim e da memória dos anos que passámos juntos, dos meses finais de desamor. Afinal não deixara de a amar, embora não devesse revelar-lho, para não a desiludir de novo. Talvez se lho dissesse ela saísse comigo, num destino antes de Strasbourg, para eu de novo a deixar, com a menina, algum tempo depois de dias atravessados por silêncio e hostilidade. Eu não tenho filhos. Não gosto de crianças. Nunca conheci nunca nenhuma mulher japonesa. Mas era verdadeiro o amor. E a culpa de ter deixado de corresponder à confiança desta mulher que se deixava olhar à luz da manhã e talvez se fingisse adormecida . Nenhuma mulher dorme um sono assim profundo debaixo do olhar de um homem que lhe percorre o rosto, as mãos, o colo.

25 outubro 2005

Douglas no paraíso

O cavalinho a que agora, com autorização de um dos criadores, chamamos Douglas, foi ontem transportado para o seu pasto de Inverno. Aos que se interessam por estas pequenas coisas direi que quatro homens contratados junto ao rio, de trato fácil e poderosos torsos musculados, desembarcaram de um camião onde cabia Douglas e outros cem como ele caberiam, se os houvesse, que não há outro cavalinho como Douglas. Para os que não sabem, direi que sendo Douglas das ordens superiores dos animais, não só escutou um caracol sem nome, como com ele trocou sentimentos próximos da amizade. Quando os quatro homens pegaram em Douglas caíram-lhe as patas da frente, decepadas pela chuva e pela relva ensopada. O nível da secção fora a articulação do cotovelo. Os homens deram sinais de inesperada sensibilidade, enrolando panos nas feridas do cavalo e deslocando-o com cuidado, temendo que lhe caíssem mais pedaços e o frete deixasse de se realizar. O transporte fez-se no meio do trânsito intenso que a cidade apresenta aquela hora. Eu ia à frente, num carro preto sinalizando o caminho, com as quatro luzes a piscar. À medida que avançávamos ocorreu-me que aquele era de certa forma um cortejo fúnebre, e que percorria a cidade, lentamente. No início de Doctor Pasavento, Vila-Matas imagina que na estação de Atocha de Madrid compra um livro de que se falava muito nesses dias (…) e de que se dizia que estava mudando a história da literatura. O título do romance era Errava por Paris um carro fúnebre. É mais ou menos assim que Ana Sá Lopes inicia a sua crónica sobre as mulheres do Presidentes, publicada num jornal de domingo. Ela diz que nesse dia de 1910, errava por Lisboa um carro de morte. Ontem ao início da tarde errou nesta cidade um carro fúnebre, uma camioneta que parava em todos os cruzamentos como se não quisesse chegar ao seu destino, com quatro homens no banco da frente e um cavalo verde de patas decepadas. Alguma coisa isto há-de querer dizer, pensava eu. Mas quando largámos Douglas na sua nova morada apercebi-me de que estava vivo. Ele e eu estávamos vivos, cheios daquela estranha, absurda e contagiosa alegria de viver . O transporte ficou em quarenta e dois euros, mais oito de gratificação.

Calcem as botas. O mundo é perfeito.

(De vez em quando não tenho idéias. Quando não tenho idéias falo de política. Peço a todas e a todos a maior benevolência, não chegou ainda o tempo de ser amável, etc, etc. Vamos ao que é verdadeiramente importante. Bom dia.)


Estão doze graus e meio. A temperatura ideal para conhecer as cidades e caminhar nas serras. Os pais levam os filhos à escola. As mulheres têm os cabelos molhados no pescoço e de vez em quando parecem tremer. Numa esquina duas vizinhas à conversa. O rapaz de óculos escuros lê o jornal, como todas as manhãs. As mulheres mais velhas compram frutas e legumes. Na rádio passa Te recuerdo Amanda, para guitarra e violoncelo de Matts Lindstrom. Não há crianças doentes e o mundo parece perfeito. Já podem calçar as botas.

24 outubro 2005

Atenção a


A construção da noite, um romance de Julieta Monginho, na dom Quixote.

A publicação em Espanha do último Coetzee, Hombre Lento. Na Mondadori, Barcelona, tradução de Javier Calvo.

O silêncio dos inocentes

Manifestantes encapuçados numa acção de rua nos Gerais em Coimbra. O descerramento de uma placa na AAC em memória de um dia de Outubro de 2004 em que um grupo de estudantes tentou interromper o funcionamento de um órgão paritário de governo da Universidade e foi impedido pela polícia, chamada pelo reitor. O acontecimento passa a ser recordado ao lado do 17 de Abril de 1969. O jornalista de O Público, Álvaro Vieira, foi, tanto quanto é do meu conhecimento, o único a escrever sobre este tema (Local de O Público de 23/10/05, não disponível on line).

O livro: Robert Fisk



O livro The great war for civilization: the conquest of Middle East, Fourth Estate Ltd, de Robert Fisk, jornalista do Independent ( também anunciado no Público por Jorge Almeida Fernandes). Robert Fisk, é uma das vozes originais do jornalismo de guerra. Os seus textos desalinhados, cheios de uma sabedoria que vem do conhecimento do lugar e da História, foram no ocidente uma marca de lucidez aquando da invasão do Iraque, há quatro anos. Antes dos blogues, fazíamo-los circular pelos nossos mails, para contrariar o unanimismo sufocante dos que escreviam do interior dos tanques aliados.

O ballet que poderia ter sido


Maya Plisetskaia, 79 anos, bailarina do Bolshoi, prémio príncipe das Astúrias: Conheci muito tarde Maurice Béjart. Ele disse uma vez: “Se tivesse conhecido a Plisétskaia há vinte anos, o ballet seria hoje muito diferente”. Eu também acredito nisso.
( no El País, semanal, 23/10/05)

O Cavaco back: mas nem todos

Lado a lado no Público de domingo, os artigos de Ana Sá Lopes (ASL) e de Mário Mesquita ensombram a euforia do Cavaco back. ASL debruça-se sobre o folheto propagandístico em que o Expresso se tornou e põe em relevo o estado de graça que a imprensa concede ao candidato da direita. A utilização da família como argumento eleitoral, bem sucedida ao invés da que Carrilho tentou. O apagamento total da derrota de há dez anos e do disco duro do cavaquismo.

O Cavaco back: João Lobo Antunes (3)

João Lobo Antunes foi mandatário de Sampaio há cinco anos. E é actualmente o de Cavaco. A questão que não lhe foi posta é: onde estava quando Sampaio defrontou e derrotou Cavaco, há dez anos?
Esta questão é semelhante à que foi posta a Stetson, na Waste Land de T.S. Eliot. Cito de cor: “É o cão amigo do homem ou com as patas desenterrá-lo-á?”.

O Cavaco back: João Lobo Antunes (2)

Numa entrevista ao Público João Lobo Antunes respondeu que não conseguia encontrar grandes diferenças entre Sampaio e Cavaco. A entrevistadora enganou-se no especialista. Se queria mesmo saber não devia ter perguntado a um neurocirurgião.

O Cavaco back: João Lobo Antunes (1)

João Lobo Antunes é o mandatário nacional de Cavaco. Na semana passada deve ter tido um dos almoços mais desinteressantes da sua vida. Com Cavaco ele próprio, Maria Cavaco Silva e uma médica de Évora chamada Katia Guerreiro.

À face da pele



// andré bonirre

As Mulheres de O Mal: Shirley Horn

.
Será lembrada como sempre quis: uma boa cantora, de boas canções, in good taste. May the music never end.

A terceira República é pirosa

A terceira República começou muito bem, embora poucos tivessem percebido (o quadro de Medina não consegue destruir a extraordinária beleza de Estela). Depois teve aquela fase horrível, mistura de anos cinquenta, com folhos de tule e exuberância capilar, e de anos sessenta envergonhados, os joelhos expostos em nylon brilhante. O regime democrático institucionalizava-se e as mulheres dos tenentes entravam nos palácios. Quando olhamos Berta quase acreditamos que o fascismo nunca existiu.


(As mulheres dos presidentes, exposição no Palácio de Pombal, Lisboa, reportagem de Ana Sá Lopes no Público de domingo, não disponível on line)

Bom dia

Gloriosa manhã de outono. Os vermes espreguiçam-se em toda a terra revolvida.

21 outubro 2005

Seis Vezes






É outono e eu não me resigno. Não me resigno à dura prescrição. Não me resigno ao redil, à memória envergonhada. Não me resigno à ocultação das mulheres. Não me resigno à solene maioria. Ao guarda chuva e ao bom senso. À estratégia e à táctica dos brochistas do contabilista. À boa imprensa do esperado candidato. Ao anúncio da esperada adesão. Não me resigno à falta de alternativa. Caminhemos à chuva. De cabeça a descoberto. Não são lágrimas. É a chuva na cara. Se abrirmos a boca a chuva limpa-nos os lábios e escorre pelas línguas às gargantas. Vamos poder falar com a voz clara. Talvez não esteja previsto que nos beijemos. Beijemo-nos contra a estratégia do D. Sebastião.


(gravura de A Peste. Vista no Olho de Girino e no Bombix)

Bonirre, por favor. Se achares que Brochistas é demais corta. Hoje de manhã, na rádio apologética, o comentador disse que o cavaco back foi perfeito porque " em dez minutos ele disse quatro vezes não me resigno". Seremos mais que perfeitos, então.

História Natural


Quatro da pica e uma carrinha de caixa aberta, a soldo da tal Matilde, vão salvar o cavalinho Douglas.É hoje, às duas horas. Embora uma chuva de Outono torne tudo cinzento, há uma força imensa a revolver o mundo. O frete é de 120 euros.

(créditos: O cavalo a que hoje chamamos Douglas é um trabalho do artista Fernando Lardosa para uma história de Matilde Marques.
Conta-me uma história, edição de autor, Coimbra 2001.)

O Cavaco back

A candidatura de Cavaco animou notavelmente alguns bloggers. Desejo sinceramente que esse ânimo não se extinga e que encontre mais alento nas virtudes da sua escolha que no demérito dos adversários. No meio das adesões esperadas a minha simpatia vai para a Blasfémia.

20 outubro 2005

Sob o olhar de Medusa


// andré bonirre

Adições



Atenção aos blogs do outro lado. Hoje, Os blogs da Santa

Explicação de Heitor

Quando Heitor conheceu Alma, naquelas duas horas em que ela se sentou à sua esquerda, sentiu-se feliz. A procura da felicidade, segundo Stuart Mill, deve nortear as nossas acções. Acho que Stuart Mill se referia à felicidade do maior número possível de pessoas, e não apenas à felicidade pessoal. Assim os "prazeres das regiões inferiores" e os "das regiões superiores" que a simples proximidade de Alma despertavam em Heitor, entravam em contradição com a angústia entrevista de abandonar a tia Graça à sua solidão da casa do Bairro. No momento, devido ao predomínio das sensações provenientes das regiões intermédias, estas questões não se lhe punham. Assim, ironicamente, Heitor gozou duas horas de esplendor hedonista até Alma lhe dirigir a palavra.

Alma quando chega o dr. L.


O dr. L. estava em Londres e decidiu ir conhecer Lúcia a Strasbourg. Comprou um bilhete de autocarro. O ferry rumou de Dover até Zeebrugge com atraso devido à noite tormentosa. A manhã, no continente, clareou e Lúcia foi esperá-lo à estação de camionagem. Ele não a reconheceu. Nunca a tinha visto. Conhecia-a apenas das minhas descrições no café Império e de uma fotografia. Ela estava sentada na gare central de Strasbourg. Levava ténis vermelhos. Foi a primeira coisa que ele viu. Ténis vermelhos, calças verde água e um impermeável. A cara era oval quando sorria. E Lúcia sorria para o dr. L, nessa manhã, como sempre sorrira para mim. ” Lúcia tem os olhos rasgados, as maças do rosto salientes, o cabelo fino, os tornozelos estreitos. “, explicara eu ao dr.L. “E as mãos, como é que são as mãos?”, perguntou ele impaciente. “As mãos são magras , as unhas cortadas rente.” E quando anda baloiça o rabo, como se os jeans fossem largos e o baloiço segurasse a cinta. Isto não lhe disse. Ele que descobrisse, se Lúcia ainda tivesse aqueles jeans e conseguisse ver como ela andava.
Escrevo agora isto para não a esquecer. Que a conversa na esplanada deve ter sido mais rude, embora o dr. L. não use palavrões e eu tentasse descrever Lúcia com o entusiasmo de um guia turístico.
É aquilo que ele recorda dela. Os ténis, a ondulação da marcha, a fala clara. O dr. L. fora procurar o quê a Strasbourg. “ Vou em peregrinação, Heitor. Vê lá se compreendes. Um ano inteiro a ouvir a tua história e não me dás o direito de ficar a conhecer a mulher?” A ouvir e a sacar. A partir de certa altura o interesse do dr. L.pela minha história era impossível de esconder. Quase só aparecia nos dias em que Lúcia telefonava, sobretudo à sexta –feira. Ganhara confiança comigo. Tentava organizar-me programas de fim-de-semana, dava-me nomes de restaurantes e hotéis. Chegava, sentava-se e começava: “Heitor, vamos lá à nossa educação sentimental”. Acho que de certa forma ele merecia ver Lúcia. Quando Lúcia desapareceu, o dr. L. passou comigo uma tarde em silêncio, na esplanada do Império. De vez em quando suspirava, como se dissesse. “Que mulher. Que mulher.” E eu abanava a cabeça em comovida concordância.
Do encontro deles em Strasbourg sei pouco. Não havia muita gente na Gare, àquela hora da manhã de sábado, e ele acabou por reconhecê-la. Aproximou-se, mas não teve coragem para falar. Pareceu-lhe uma índia sul americana branca. Foi ela quem se lhe dirigiu: “Seriez vous l’ami de Heitor?”. “Lúcia?”, interrogou ele. “O meu nome é Alma”, respondeu ela.

19 outubro 2005

Ícaro após aterragem


// andré bonirre

A partida de Lúcia

Quando o dr. L. encontrou Lúcia em Strasbourg não a reconheceu. Ele estava a fazer um estágio em Londres e meteu-se-lhe na cabeça que a tinha de conhecer. Dei-lhe a direcção sem que Alma tivesse autorizado. Eu estava proibido de escrever, ligar ou de qualquer outra forma contactar Alma. Ela tinha sido bem explícita na despedida. O dr. L. escreveu que me demorei a aperceber da partida de Alma. Que não foi bem ela a desaparecer, mas os telefonemas da tarde para os Correios, depois do encerramento. Que teria sido uma colega de Nelas a informar-me , quando finalmente me resolvi a procurá-la. Não é verdade e não foi isso que lhe contei. Naquela tarde ela ligou-me como habitualmente. Carinhosa, a voz calma. Falámos de nada e não combinámos coisa nenhuma. Não senti a angústia do costume antes de desligar. Só depois percebi que ela já nada esperava de mim. “Tens um mail”, foram as últimas palavras que lhe ouvi. Quando fui ler era Alma a despedir-se. Não me lembro de tudo. O meu mail, na estação, pode ser devassado e apago sempre as poucas coisas que recebo, quase só spams. Mas lembro-me da interdição: “Não quero que me ligues, mandes sms, nem de qualquer outra forma me contactes”. Li aquilo duas vezes, com uma mistura de alívio e desespero. Depois fiz delete, fechei a estação e fui para a esplanada do café Império, onde encontro os amigos antes do jantar, compro uma nata para a tia Graça e às vezes passa, apressado, o dr. L.

P03MA ::JK::

4S V3235 3U 4C0RD0 M310 M473M471C0.
D31X0 70D4 4 4857R4Ç40 N47UR4L D3 L4D0
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540 5373 D1550, N0V3 D4QU1L0...
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M45 L060 C410 N4 R34L
3 C0M3Ç0 4 F423R V3R505
H1NDU-4R481C05


enviado por PC

A Noite


Esta noite, não sei se viram, o céu esteve claro como se fosse uma hora impossível do dia. Mas eu não queria nada que me distraísse de Alma.

O amor que me deste

Não era um medicamento
embora eu estivesse doente.

Não o cheguei a tomar.

Tive todos os efeitos adversos.

ALMA

Estava então há duas horas sentada ao meu lado quando me falou. Duas horas de perturbação exaltada. Encontrava-me no seu campo magnético, inteiramente polarizado para ela. Embora olhasse em frente, na direcção do formador, as minhas moléculas orientavam-se insensivelmente para ela, até estar todo voltado e apenas virar uma cara inexpressiva para o homem que falava. Tudo o que em mim sentia estava de costas para a sessão. A certa altura percebi que estava a respirar ao ritmo dela, doze vezes por minuto, e para minha desgraça a expirar tão fundo que as artérias do cérebro se apertavam. Tomava notas para poder baixar a cabeça, tinha frio e calor ao mesmo tempo. Calor no ombro esquerdo, na face externa da perna e na face do mesmo lado. Como toda a perturbação tem um fim, sobrevivi, e passei para o estado de calma letargia que se interrompeu quando a ouvi falar. Viraram-se para ela o que restava das minhas moléculas e então vi-a. Sorria. Há-de sorrir assim eternamente na minha memória, mesmo que em Strasbourg o rosto se tenha tornado grave. O dr .L. disse-me um dia que Vila-Matas nunca descrevia fisicamente os seus personagens. Que as poucas mulheres que se atravessam na deambulação de herr Pasaviento não têm corpo, nem cheiro, nem se sabe como andam. Assim eu descreverei Alma como a vi no primeiro dia, quando ainda não sabia sequer o seu nome, para mostrar que Alma existe fora da ficção deste blog e que o meu projecto não é desaparecer. Alma é uma mulher, não é Daisy Blonde, a Bomba, a namorada da juventude em Bronx, nem Yvette que leva o narrador vila-mateseano a Herisau, nem Eve Bourgois a editora francesa, nem Leonor, a rapariga de Nápoles que afinal não se casou com um farmacêutico, todas imateriais para não perturbarem a complicada viagem de desagregação da subjectividade ocidental. Alma não é una cosa mentale, embora eu a tivesse amado assim.

18 outubro 2005

Anamorfose



// andré bonirre

O começo de Lúcia


Quando Lúcia me ligou a primeira vez para a estação não lhe reconheci a voz. Surpreendeu-me receber uma chamada. Não estou habituado. No primeiro momento julguei que tivesse acontecido alguma coisa à tia Graça. Depois ela disse: “ Sou a Lúcia. De Nelas. Da formação sobre Novos Produtos. “ Ao telefone a voz era macia, clara. O tipo de voz que não estava habituado a ouvir. Ao vivo, na formação, a voz dela era macia e clara. Perguntou-me: “Não acha que esta formação é uma farsa?” Estávamos na segunda hora e antes do primeiro intervalo. Tinha ficado ao meu lado esquerdo e logo que se sentou senti-me como se estivesse na serra de Montemuro ou no Monte Hagia Talia. A serra de Montemuro é onde me senti melhor na vida. O monte Hagia Talia é um sítio com que sonho. Nem precisava de me virar para a esquerda. Aliás virar-me para a esquerda era uma tarefa praticamente impossível, de tal forma receava afundar-me na minha perturbação, fundir-me, derreter. Assim quando ela me falou, eu estava numa das faldas do rio Desança, junto à queda de água, paralisado por tanta felicidade.
O meu nome é Heitor. Escrevo para não desaparecer. Porque deixar ao dr.L. o encargo de contar a minha vida? O dr. L. não conhece Lúcia. O blog do dr L. está a desaparecer. É André Bonirre quem o diz. “A Natureza do Mal está a desaparecer”. Bonirre suspeita que Marianita, Marta M., Amélia, São e vários anónimos, são alguns dos nomes do dr.L. Bonirre edita fotos, metodicamente, para esconder o desaparecimento do Mal. Agora que André Bonirre é fotógrafo e organizador de eventos, custa-lhe ver desaparecer o dr.L. O dr L. lê há quinze dias Vila-Matas de Doctor Pasaviento. E embora não tenha problemas de identidade, ou assim o declare, não conheça nem metade dos escritos de Robert Walser e quase nada da mitologia walseriana que Vila-Matas persegue, é-lhe difícil escapar ao circo literário do escritor de Barcelona.
Eu sou Heitor. Trabalho nos Correios. Encontro por vezes o dr. L. e ouço-o falar de coisas que não sei. Numa tarde de fraqueza falei-lhe de Alma. Não tive coragem então de dizer o nome dela. Como ele insistisse e me pedisse um nome, foi Lúcia o nome que me saiu. Não foi a primeira vez que traí Alma.
Mas não me quero antecipar. Estou aqui para ajudar o dr. L. a desaparecer, se é isso que ele quer. E para falar de Alma.

17 outubro 2005

Conta-me histórias



// andré bonirre

16 outubro 2005

Uma mensagem de esperança



Vivo num apartamento com uma senhora idosa, a minha tia Graça que me educou quando os meus pais faltaram. Vou a pé para a repartição, sou o primeiro a chegar. Estou no grau 7 da carreira e não vejo como vou progredir mais, sobretudo agora que a dra . Filomena me morde os calcanhares com o apoio do Matos, o malandro. Tenho por horizonte o shopping Dolce Vita e as serras ardidas e por alegria das tardes a expectativa de uma cerveja na esplanada. Nunca soube a diferença entre segunda e sexta feira. “Aquele já só se entusiasma quando conta a história dos Correios”, ouço os meus amigos comentar quando me afasto. Leio o Expresso ao fim de semana e guardo os suplementos. Como no restaurante do frango da guia nos dias em que vou ao cinema e janto fora. Sou do União de Coimbra. Vivo num país como o vosso e nunca tive imaginação para pensar noutro diferente. Um país onde faltasse o major aos gondomarenses, a Dulce Pontes à canção popular, a TVI aos serões dos trabalhadores, os Morangos com açúcar às pré adolescentes, um padre aos funerais, uma vacina para a gripe, uma esperança chamada Cavaco.
Aos que são como eu, aos que não sabem para onde vão, aos que conheço pelo reflexo nas montras, queria deixar uma mensagem:
Até numa vida como a minha pode haver um dia de glória.

15 outubro 2005

Declaração sobre as presidenciais

Com os presidenciais alinhados acho que devo explicitar a linha deste blog (risos). Este blog será anti cavaquista e anti soarista (mais risos). Lembro-me do professor. Ainda nem tinha dado conta da sua existência, estava um dia num café de uma simpática terra do interior duriense onde trabalhava e a televisão entrevistou o professor, que devia ser na altura ministro das Finanças. Umas senhoras, que encarnavam os valores do Portugal profundo na cidade, entotiçadas, saia-casaco e pulseira grossa, entraram em agitação pré climática. Apercebi-me de que os tempos eram outros, de que uma rede subterrânea de conhecimentos e instintos politizava já aquelas senhoras, uns anos atrás tão ignorantes. O grande susto dos anos 70 tinha-as armado para a guerra e elas eram agora temíveis, desde logo no reconhecimento dos seus homens, dos seus líderes. Depois foi o que se sabe. Teve a maioria absoluta numa noite em que os meus vizinhos me gritavam “ganhámos o Barreiro”, cidade que nunca visitei e que supostamente teria perdido. (gritos de Perdeste mesmo! E de E voltas a perder!) Melhorou com os anos e com as aulas de dicção que uma senhora irritante, numa época em que o país ainda não tinha logopedistas , lhe ministrou (assobios).
Soares é fixe ( vozes de Apoiado). Deve ser uma pessoa encantadora para os membros da corte. Mas estou farto do nacional- porreirismo que Soares patrocina e de certa forma personifica. Do país que não passa do diagnóstico. Dos afectos como remédio contra a falta de profundidade, de rigor e de trabalho (exclamações de desolação).
A Jerónimo de Sousa desejo os maiores sucessos. (silêncio estupefacto). Se o PC conseguir representar os desempregados, os revoltados, os injustiçados, os marginalizados, o país estará melhor do que se caírem nas mãos de gente como o Gondomarense ( palmas tímidas).
Francisco Louçã tem o programa mais simpático. Tem excesso de convicção, para meu gosto. Mas ainda bem, diz-me o anti-grilo. Os tempos não estão para líderes com dúvidas. E é capaz de ser a personalidade mais credível da esquerda que somos ( tumulto na sala).

A questão de Heitor

A questão de Heitor, ou talvez lhe devêssemos chamar a questão de Lúcia, podia expressar-se assim: seremos nós almas fortes?
É horrível viver contra uma questão assim. Está sempre pendente, mesmo se não é enunciada. Há momentos em que desaparece. Quando ela patinou no palácio do gelo, por exemplo. Parecia concentrada naqueles movimentos, desenhando círculos, mudando subitamente de direcção, afastando-se e depois deslizando para a bancada onde ele aguardava, tonto e agradecido, como se lhe bastasse calçar uns patins para a poder acompanhar. E depois ainda na escada do prédio de Nelas, onde os corpos desataram a sua estranha sabedoria. Onde se aprendem os gestos da escada? Quem coreografa aqueles movimentos? Quem suspende o tempo e cria esse outro tempo, para outra respiração, outro bater do peito, outro sangue nas artérias. Só o granito do hall lembrava a questão. Serão eles almas fortes?
Mas não era altura para ouvir o granito.
Não se pode viver sempre nos pontos da alta concentração de neuromediadores nas redes neuronais dedicadas à glória. A questão de Lúcia é que não sabe, ou não se importa. A questão de Heitor é que, se não se pode sempre, é talvez melhor que não se possa nunca.

14 outubro 2005

Canção feliz

Uma canção em que o refrão soasse
A sexo recreativo
Animal
E a cantássemos sorrindo
Juntinhos num abraço
Casual

13 outubro 2005

Entrevistar



// andré bonirre

Volta, estás perdoado

Ontem, no Público, a coluna de EPC desapareceu. E tive pena, porque EPC é insubstituível. EPC tem opiniões, tem gravitas quando alguma gravitas é precisa, tem uma grande capacidade de evocação do cânone da praia ocidental, é capaz de se entusiasmar com as pessoas, os livros, as artes perfomativas. Os broeiros que agora contratam para colunas como era a coluna de EPC, não deixam marcas. EPC só faria broches a Sócrates. Os broeiros pôem-se em fila para o Coelho, isto antes do Coelho ter entrado em desgraça autárquica.

12 outubro 2005

Ler nas entrelinhas, com Senhora atrás a acenar

EPC não apareceu na fotografia de grupo, quando na noite de domingo, Carrilho mau carácter, se despediu do povo mal agradecido Lisboa. Aliás EPC já se tinha retirado antes. Agora quando esperávamos que falasse de política, ele investiu contra os leitores que temos, um subgrupo dos portugueses que temos e que, naquela noite de desconsolo, coincidia, na taxonomia de EPC, com os votantes que não temos. Aprendemos sempre com EPC, e acho que aprenderemos mais se continuar o processo de desinibição frontal em curso. Na segunda feira explicitou um critério de apreciação literária . A propósito de um escritor que entrara no top da FNAC ou da Bertrand , EPC, escreveu: Um tal D., de quem nunca ouvi falar…Se ele nunca ouviu falar como é que o homem entrou no top da FNAC? Pelo mesmo processo de aculturação e degenerescência que atirou Carrilho para o segundo lugar em Lisboa.

Cem palavras


Autor desconhecido

// andré bonirre

Steven Pinker

Blasfémias aconselha The Blank Slate, de Steven Pinker. Oxalá o conselho seja seguido.

Seminário em Coimbra - «Transsexual's body modification as narcissistic self-regard in the UK gender system»

Mensagem enviada por Ana Cristina Santos (para quem não sabe, autora do livro «A Lei do Desejo - direitos humanos e minorias sexuais em Portugal»):
"Hoje, Quarta-feira, dia 12 de Outubro, pelas 17h, serão debatidas pela primeira vez, no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, questões ligadas ao transgenderismo e à transexualidade.
Quem vai dar o seminário é uma mulher muito, muito interessante, activista da Press for Change (ONG trans, responsável pelo trabalho que conduziu à recente aprovação do Gender Recognition Act no Reino Unido) e doutoranda na Universidade de Leeds.
A língua de trabalho será o inglês e a entrada é livre.
Mais informações na página do CES. em http://www.ces.uc.pt/) .
Para quem for, e para não se perder, tem aqui o mapa de Coimbra com a localização do CES .
E o Seminário começa mesmo às 17h!"

Lúcia na rede com sorriso




Ao fim da tarde, depois do café (agora temos uma máquina Krups para duas chávenas simultâneas, um exemplar semelhante ao que vendemos a 14,55 Euros/mês) e do espumante, falei-lhes da história dos Correios. Brevemente. Porque têm compromissos. O horário das creches, passar pelo supermercado, a ama que telefonou. Como responsável, e de acordo com as instruções, coube-me lembrar que àquela hora decorria, na Fundação Portuguesa das Comunicações, a Sessão Solene das Comemorações do Dia Mundial dos Correios, com a presença do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Mário Lino, do Presidente da ANACOM, Pedro Duarte Neves, e do Presidente dos CTT, Luís Nazaré. Igualmente lembrei que nessa ocasião seriam revelados os prémios do Concurso Epistolar de 2005 e lançado o Concurso de 2006, aproveitando para pedir aos colegas que têm mais contacto com o público para não descurarem a promoção desta iniciativa. Justifiquei as ausências do Sr. Matos e da Dra. Filomena. O primeiro recebia a insígnia de dedicação e ouro atribuída aos trabalhadores com 36 anos de serviço, a segunda deslocara-se à reunião preparatória da Conferência Mundial sobre a Sociedade da Informação, a realizar-se em Tunis. Nesse momento propus que brindássemos aos dois, a um e à outra e a uma e ao outro, o que todos fizeram, excepto o Guedes dos Produtos não franquiados, um invejoso. São estas as instruções do Departamento para a Coesão, e eu sigo-as sem dificuldade desde que em Turim, como delegado português, me pude aperceber da importância destes momentos na formação e desenvolvimento da afiliação e vinculação empresarial.
O tema que me propusera tratar era o da importância dos receptáculos postais, criados em 1799 por Dom José Diogo de Mascarenhas Neto, Superintendente Geral dos Correios e Postas. Quando iniciava esta parte da minha intervenção, a mais pessoal, comecei a ser traído pelas redes neuronais dos meus processos cognitivos. Era como se Lúcia, não em Estrasburgo mas num país tropical, se baloiçasse nas redes neuronais contíguas à evocação da efeméride. Lúcia é uma mulher que na atitude, maquilhagem e indumentária transmite uma noção de classicismo. Porque diabo me havia de aparecer, naquela ocasião, de top curto e cinta baixíssima. Assim Lúcia espreguiçava-se e estendia uma perna lindíssima, prendia um calcanhar numa malha da rede neuronal, via-lhe os músculos tensos da perna e revoltava-me, embora soubesse que os processos cognitivos não são regidos pelas normas da razão nem sensíveis à intencionalidade. Foi um momento breve de perturbação, devo dizer. Lembrei-me de me terem dito que não devia resistir à minha discursividade interna. E deixei Lúcia estirar-se nas redes neuronais. Os conteúdos semânticos dedicados à minha alocução sobre Dom José Diogo e as caixas postais, não precisavam aliás daquela rede, pude comprová-lo. E falei, com alguma fluência e aparente agrado, enquanto o peito se me derretia no sorriso de Lúcia.

11 outubro 2005

Dia dos Correios



Hoje é dia dos Correios. Aqui na Estação trazemos todos um pin alusivo ao acontecimento e tenho uma pequena surpresa para logo à tarde. Quando fecharmos o atendimento vou abrir uma garrafa de espumante e ler alto, aos outros funcionários, uma pequena história dos Correios. Por esta ordem, para conseguir aquele grau mínimo de adesão que uma acção destas pressupôe. Vou lembrar-me de Lúcia, hoje noutras tarefas em Estrasburgo. Estou, aliás a lembrar-me dela agora. A tentar aquela discursividade interna que os psicólogos cognitivos recomendam para a saúde mental em geral e a prevenção das crises de pânico em particular. Lembro-me de Lúcia, das chamadas ao fim da tarde, do silêncio de granito da Estação de Nelas, de como me sentia bem a falar com ela de trivialidades, o express-mail, a formação em Office 11, o novo sistema de avaliações. E dos silêncios antes de desligar, em que ela esperava que eu dissesse as tolas frases dos sentimentos. Ela esperava, não desligava, podia-se ouvir o granito das ruas de Nelas, as alfaias dos campos das traseiras da Estação. Eu calava-me. Não sou poeta. A poesia é uma doença a que quero fugir. Uma doença das mulheres, e dos homens que as avós enlouqueceram na infância. Não estou a ver que esta discursividade interna me poupe a angústia da tarde. Se ao menos pensar em Lúcia me apagasse de vez a imagem de Lúcia e com ela as estradas, todas as estradas que levam a Estrasburgo.

10 outubro 2005

Sete poemas à flor da pele


Indescritível, fotografia impressa sobre tela - formato oval 200x100 cm
Tanja Muller


// andré bonirre

El País

Enviado com a presuntiva missão de dar uma imagem mais positiva de Portugal, o novo correspondente de El País escreveu sobre a última semana de campanha eleitoral em termos que desencorajariam qualquer pequeno, médio ou grande investidor. O efeito de realidade pode enlouquecer qualquer alma sensível, mesmo um jornalista com missão.
(com um abraço ao jmf).

09 outubro 2005

Reflexão

Era véspera de eleições, o dia que o calendário consagra à reflexão política e eu encontrava-me muito confuso. Estava internado no manicómio do Lorvão, a ler Doctor Pasavento de Vila-Matas, o que conferia uma certa legitimidade à fragmentação da minha identidade, o desvio da razão que motivara o internamento. Era sábado e tinha direito a um passeio pelos arredores calcinados dos fogos do verão. No manicómio eram todos abstencionistas: doentes, enfermeiros e o médico de serviço. Pior que abstencionistas: ignoravam o nome dos candidatos à câmara de Lorvão e alguns mostravam, compreensivelmente, mais interesse no jogo de futebol que a selecção iria disputar nesse dia que no acto eleitoral. Enviei um sms à minha psiquiatra perguntando-lhe em quem ia votar. Enquanto esperava lembrei-me que um dos candidatos era bailarino. Um bailarino defenderia seguramente pontos de vista próximos dos meus. Mas a lista do bailarino tinha, a crer nas fotografias, algumas pessoas de aspecto pouco recomendável. Apesar de tudo, votar no bailarino pareceu-me aceitável. Escrevi-lhe: Vou votar em si . Que o Secretário da sua candidatura não se iluda com o voto de infelizes como eu. Como a minha psiquiatra tardasse em responder lembrei-me que o meu primeiro dever, ao votar, era defender os meus interesses. A minha reforma dos Correios seria atingida pela reestruturação dos Serviços de Reforma da Nação, considerados sem sustentabilidade pelo Partido Social no poder que, para salvar o Estado Social, decidira demoli-lo. O Partido Social fizera muitas promessas no Lorvão. Eu desconfio das promessas. Além disso odeio a ICAR, revelou-me uma das minhas psiquiatras psiquiatrizantes , mas a ICAR aparentemente não vai a votos, e odeio os dirigentes locais e regionais do Partido Social. Depois, já no passeio e ainda sem respostas, lembrei-me da Flor, a minha amiga independente. E fiz-lhe a mesma pergunta. Ninguém como ela conhece a autarquia e os autarcas e não tenciona confundir-se com eles nem com os seus patrocinadores. Foi a primeira a responder: Se seguires a tua coerência terás problemas de consciência. Se fores pela maioria arriscas-nos a todos. A maioria absoluta é um perigo para os cidadãos. Segue o teu coração pela esquerda. Isto disse Flor, cheia de bom senso como sempre. Não tive muito tempo para pensar nos seus sábios preceitos. Seguir o meu coração é o pior conselho que me podem dar. O meu coração volátil, pronto a pedir ao que vem de Noite o impulso sem medida, a crença dolorosa no profundo, e depois batendo ao sabor de um sistema nervoso autónomo, bombeando um sangue excessivo para um corpo sedento de sossego e fidelidade. O meu coração não deve votar, a bem da República e do sucesso do Lorvão. Então lembrei-me de que devia pedir também a opinião do candidato da minha coerência, seria aliás batota não o fazer. Ele respondeu logo, com três razões para manter a minha coerência, duas cheias de passado e uma de futuro talvez. Fiquei a pensar na maldição de Flor. A consciência ferida pela coerência. Nunca sacrificaria à minha coerência, uma coisa completamente exterior e baseada em julgamentos de fora, a minha consciência, frágil mas minha, construída a partir da minha mais intima neurobioquímica. Entretanto a minha psiquiatra psiquiatrisante respondera-me: Não interessa o meu voto. Sabe do meu profundo desagrado com a política. O Heitor quer saber do seu voto. Venho lembrar-lhe que só tem um. Dobra o papelinho e acabou-se. Os senhores da mesa não o deixarão votar tantas vezes quantas as personalidades em que se refugia. Grande ajuda, como sempre, a da minha psiquiatra. Eu não sou Walser. Robert Walser, a quem Doctor Pasaviento é dedicado, isto é seria dedicado se não fossem dedicados a Paula de Parma todos os livros de Vila-Matas, era um homem bom. É uma felicidade para o mundo que tenha existido um homem como Robert Walser, e cinquenta anos depois um livro como Doctor Pasaviento. Walser não quis salvar o Mundo, nenhuma classe ou corporação, nem sequer o município de Herisau, o hospício onde o internaram. Walser simplesmente escreveu uma obra serena, vinda das regiões inferiores. E nos últimos vinte anos da sua vida desapareceu.
Eu não sou bom. Detesto a ICAR, embora não o soubesse, e fosse preciso que uma psiquiatra psiquiatrisante que nem sequer consultara mo diagnosticasse. Detesto os líderes do Partido Social. E ultimamente, uma parte de mim acha perigosos os líderes, todos os líderes, que organizam os partidos, arregimentam pessoas como o simpático bailarino, para as suas listas não terem apenas as faces insuportáveis do poder, prometem aquilo que não deviam, nem podiam por não terem condições de cumprir. Estava nessa fúria interior contra o meu desgosto de não ser Walser, de o Lorvão, onde as árvores ardidas ainda não foram cortadas, não ser Herisau, quando o bailarino me respondeu.



(créditos para Doctor Pasaviento de Enrique Vila-Matas. Foi Vila-Matas quem cunhou o termo psiquiatra psiquiatrisante para Herr Pasaviento e cinquenta anos depois do dia fatal de 1 de Janeiro de 1956, procurou Walser em Herisau, acompanhado por Yvette Sánchez, catedrática em San Gallen, e do livro de Carl Seelig. Nenhum outro personagem tem ligação com a realidade, e Heitor não está, nem esteve internado no Hospício de Lorvão. Não há, tanto quanto é do meu conhecimento, nenhum bailarino nas listas concorrentes à Câmara Municipal de Lorvão. Só o conselho de Flor e a minha confusão são verdadeiros. )

07 outubro 2005

A lesma



Um dia o meu amigo João Maria levou-me ao atelier do Victor Melquíades. Era perto da Covilhã, um barracão com uma magnífica visão da Cova da Beira. O artista isolava-se e fabricava objectos simples de granitos mais raros. Um deles chamou a minha atenção. Era um bloco de granito rosa polido, uma concha que nas extremidades se derretia e derramava sobre um pódio negro. Fui apresentado como director dos Correios de C. , embora fosse um quadro intermédio com ocasionais funções directivas. Estávamos no início das privatizações e gozei nesse período de um fugaz desafogo económico. Melquíades nunca me olhou de frente, recusava explicações sobre os seus objectos, de qualidade muito desigual. Eu sabia que ele tinha família, mas se me tivessem dito que vivia naquele barracão, curtido pelo frio da serra e entregue à loucura da pesquisa e corte dos granitos, teria acreditado. Era um conhecedor profundo da serra mas nem para esse tema consegui o seu entusiasmo. Manifestei interesse no granito rosa, ele pediu-me uma certa soma que paguei sem regatear. Transportei aquele peso com a ajuda do meu amigo e coloquei-o, com algum esforço, na casa que então habitava. A casa tinha dois andares, uma cave onde estava a sala e a cozinha e uma sub-cave com os quartos. A pedra ficou no cimo da escada. Vista de baixo parecia uma lesma que iniciasse a saída da base negra na direcção dos quartos. Passou a chamar-se a lesma. Nunca ninguém lhe dedicou qualquer afecto ou atenção especial. Era uma pedra no cimo das escadas. Quando mudei de casa passou para um corredor pouco iluminado. Vista de cima continua a dar a ilusão de movimento. A dona Vanda, a senhora que vem ajudar à limpeza, olha-a sempre com reserva e precaução. Durante uns meses tive um cão que nunca tratou a pedra com a indiferença que habitualmente dedicamos aos minerais. Desviava-se, rosnava-lhe. Apesar de tudo o granito rosa polido oferece uma superfície que apetece acariciar, um apelo concavo, uma perfeição manchada apenas no centro como se uma pequena rede capilar aí tivesse começado a sangrar. Mas penso que é o contacto com o pódio que dá à pedra o aspecto de molusco e, ao lhe conferir movimento, cria nos espíritos mais sensíveis uma certa repulsa ou apreensão.
Uns anos depois da lesma viver em minha casa quis o acaso que o meu amigo João Maria organizasse uma festa dos anos sessenta. Os convidados apareceram com calças à boca de sino e mini saias, dançaram ao som dos Kinks e dos Beach Boys, fecharam-se nos quartos a fumar charros e beberam toda a espécie de cocktails que os donos da casa tinham recreado. O mais animado era Victor Melquíades, enorme, excessivo. Numa ocasião aproximei-me dele e perguntei-lhe em que fase se encontrava do seu processo criativo. Melquíades estava bêbedo. Nunca olhou directamente, como no nosso anterior encontro. Mas a certa altura aproximou-se muito, como se fosse fazer uma confidência e disse-me: - Lembras-me um gajo dos Correios que conheci há uns anos. Era parecido contigo, mas mais alto e forte. Apareceu-me na serra com o João Maria e vendi-lhe uma merda por dois mil e quinhentos euros. Sentia-lhe o hálito. Pensei na minha lesma, ignorada pelos raros amigos que me visitavam, temida pelo cão, silenciosa no meio de um corredor, numa viagem que parece estar sempre a iniciar-se. É mentira que tivesse pago aquilo por ela. Aliás não foi em euros. Foi em escudos, em contos. Talvez não tivesse sido eu. Talvez ele confundisse duas peças, duas visitas, duas transacções, .

06 outubro 2005

Sugestões da Chicapardoca

Pague um e leve dois:



13 de Outubro, às 21h30 no T. Gil Vicente, lançamento da nova grelha de programação da RUC. A nouvelle chanson française com um duplo concerto: Françoiz Breut e Bastien Lallemant. Oportunidade única de ver como os moços se safam em dueto a interpretar o tema da Lhasa, "La confession".

6 de Outubro: dia de prata

Uma visão positiva

El País era o meu jornal preferido. Quantos anos de trabalho para perder as ilusões todas, perguntaria Maria Velho da Costa. Agora, perdido numa página interior, leio que El País substituiu o seu correspondente em Lisboa. Margarida ...foi substituída por um outro que declarou à chegada que vinha para dar uma idéia mais positiva de Portugal. Para isso, julgava eu, temos o Presidente da República, o governo e uma associação que uns rapazinhos amigos do dr. Santana Lopes criaram no saudoso tempo dele. Não chega, claro. Um jornalista com missão é uma coisa insuportável. Não sei se viram ontem José Alberto e Judite a moderar o debate autárquico do Porto. Eu vi e indignei-me. Mas já não tenho ninguém para desabafar. E não vou continuar, porque um grilo interior me canta xiiiiiu.

Xiiiiiiiu

Como te compreendo, João.

05 outubro 2005

J.M.Coetzee


No Coração desta Terra (In the Heart of the Country),que a D. Quixote anuncia, é o romance que Coetzee escreveu em 1977. Ainda sem edição em português estão os livros de crítica e interpretação literária e as memórias, Boyhood : Scenes from Provincial Life, 1997 e Youth, 2002,publicados no Brasil com os títulos de Cenas de uma Vida e Juventude (Companhia das Letras).
A Secker & Warburg, editou em Setembro o último Coetzee (ref. no Courrier Internacional de 23 de Setembro): Slow man.


(corrigido após comentário de Belém)

Livros para Outubro: para o caso de não terem dado conta

No Coração desta Terra de Coetzee, na D. Quixote
Os Emigrantes de W G Sebald, na Teorema
Paris não se Acaba Nunca de Vila-Matas, na Teorema

e ainda Antologia de Wallace Stevens, e um novo livro de José Miguel Silva, Movimentos no Escuro, ambos na Relógio D'Água

Agenda: Sexta Festa do Cinema Francês

Em Coimbra

CINEMA MILLENIUM AVENIDA

17-20 Outubro

destaque para:

LA MARCHE DE L’EMPEREUR Luc Jacquet

ENTRE SES MAINS Anne Fontaine

CACHÉ Michael Haneke

LA MOUSTACHE Emmanuel Carrère

JOYEUX NOËL Christian Carion

C’EST PAS TOUT À FAIT LA VIE DONT J’AVAIS RÊVÉ Michel Piccoli

04 outubro 2005

O começo da ruína: no Alcatruz

Livros



GALLERO, JOSE LUIS
ANTOLOGIA DE POETAS SUICIDAS: 1770-1985


editorial: ARDORA EDICIONES, MADRID, 2005

Podem não ser Os Suicidas Exemplares, mas é a escolha de Gallero. Atente-se à pequena mancha negra da folha do Quercus.

Enquanto eles dormem

Eles vieram como há dois anos e o ano passado não. Mais velhos, mais gordos e Madalena cada vez mais nova . Madalena, a rapariga que acordou cedo no dia a seguir à confraternização dos antigos legionários e na cozinha tomou café com Bonirre, à volta do bolo tão fotografado. Bonirre fotografou o bolo porque então lhe faltava a coragem para fotografar Madalena. A coragem e a técnica fotográfica. Hoje, com Madalena, ele usa a abertura, o tempo de exposição, a profundidade de campo e os filtros com que captura as aves na serra de Montemuro. Madalena deixa-se fotografar, ri-se em silêncio, espreguiça-se ao sol privado das primeiras horas da manhã, bebe o café em pequenos goles, vê a sua sombra no chão de madeira da cozinha.

Dois blogs do século XIX

Lida Insana (Susana) e Estado Civil ( Pedro Mexia depois de A Coluna Infame, Dicionário Diabo e Fora do Mundo. A angústia do desempenho mesmo em situação de castidade).

Três encontros


Um desses escritores cujo nome Vila-Matas tem anotado no seu caderno de capa preta é o escritor português Gonçalo M. Tavares. Vila-Matas conheceu-o quando veio a Lisboa apresentar a edição portuguesa de O Mal de Montano. A sala da Casa Fernando Pessoa estava quase vazia. Alguns jornalistas culturais, entre eles o blogger José Mário Silva, que depois de Montano começara a cultivar a letra minúscula. No meio da sala, tratando o autor de Montano por colega, estava Gonçalo M. Tavares. Vila- Matas anotou que o jovem escritor tinha publicado sete livros na sua estreia. Algum tempo depois cruzou-se com ele de novo em Paraty, a pequena cidade ao sul do Rio de Janeiro que ele confunde com o paraíso possível. No caminho de S. Paulo para Paraty, Vila-Matas registou encontros a que atribuíu grande significado. O primeiro foi o de um jovem imponente, de madeixa negra sobre a fronte e uma expressão desafiante que não era deliberada. Ao vê-lo percebia-se que a mãe devia ser húngara , o pai de Puertollano e as suas concepções do mundo fundadas em noções de utopia, catástrofe e vazio metafísico, conceitos fundamentais para entender a Europa central.
O segundo era um homem de fato às riscas e ar embriagado, assombrosamente parecido com Kopa, uma antiga glória do Real Madrid dos anos sessenta. Do bolso do casaco sobressaía um exemplar de Fuga sem fim , o livro de Joseph Roth.
O terceiro era Gonçalo M. Tavares. Chegado a Paraty hospedou-se na Estalagem da Marquesa, um alojamento com um serviço de lavandaria fiável. Gonçalo percorria as ruas de Paraty, esse empedrado à portuguesa com uma calçada larga e negra a que os locais chamam pé-de-moleque, com a facilidade de um bailarino embriagado.

Un pensiero nemico de pace


Ia escrever. Escrever na noite, noite. Tinha acabado de ler um caderno de capas pretas que um homem de trinta anos escreveu no ano de 1928, no Lubango. É quase tudo o que guardo dele. Uma letra miúda, frases curtas, anotando encomendas que chegavam, ecos de revoltas fracassadas, artigos enviados para jornais libertários de Barcelona, New Bedford, América Latina. E frases copiadas das Mémoires d'Outre Tombe de Chateaubriand. E quando ia escrever, un pensiero nemico de pace parou-me a escrita. Não se pode escrever contra o rígido império do tempo. Não se pode escrever enquanto dura um pensamento assim.

03 outubro 2005

A gripe das aves em humanos

Ler: na revista New England Journal of Medicine de 29/09

02 outubro 2005

Mortos no Tarrafal



Augusto Costa
Rafael Tobias Pinto da Silva
Francisco Domingues Quintas

Francisco José Pereira
Pedro Matos Filipe

Cândido Alves Barja
Abílio Augusto Belchior
Alfredo Caldeira

Fernando Alcobia
Jaime Fonseca de Sousa
Albino Coelho

Arnaldo Simões Januário
Mário Castelhano


Jacinto Faria Vilaça
Casimiro Ferreira
Albino de Carvalho

António Guedes Oliveira e Silva
Ernesto José Ribeiro
José Lopes Dinis

Henriques Domingues Fernandes
Bento António Gonçalves

Damásio Martins Pereira
Fernado Óscar Gaspar
António de Jesus Branco

Paulo José Dias
Joaquim Montes

José Manuel Alves dos Reis
Francisco do Nascimento Gomes
Edmundo Gonçalves

Manuel Augusto da Costa
Augusto Oliveira

Joaquim Marreiros
António Guerra


O jornal O Público noticiou que, pela primeira vez, um presidente da República iria homenagear, esta semana, os resistentes mortos no Campo de Concentração do Tarrafal (Cabo Verde).
De 1938 a 1945 morreram 32 presos, por doença ("febre biliosa", tuberculose), maus tratos, negligência terapêutica, esquecimento. Um deles era o meu avô materno. Para escrever uma breve biografia dele fui às efemérides anarquistas, um site na net em francês. Acho que na fotografia ele é o primeiro da esquerda, na fila de trás, de chapéu branco.






Arnaldo Simões Januário
(6 de Junho de 1897)

Militante e propagandista anarquista português. Colaborador da imprensa libertária "A Batalha" (órgão da CGT), "A Communa", "O Anarquismo" "O Libertário" e da revista "Aurora".
En 1927, membro da "União Anarquista Portuguesa" il est preso e depois deportado( Angra, Lubango, Mossâmedes). De Angola é enviado para um campo de concentração em Timor, Okussi. En 1932, volta de Okussi. Continuando a sua actividade, ligou-se aos preparativos da greve do 18 de janeiro de 1934. Preso e torturado foi condenado a vinte anos de cadeia e enviado para o Campo do Tarrafal onde morreu com 39 anos a 27 de Março de 1937.

Orgulho

Orgulho-me dos meus colegas de trabalho nos Correios. São dois e são perfeitos. Dão-se tão bem. Escrevem relatórios sobre o difícil funcionamento dos Correios, a resistência dos funcionários à necessária mudança. Falam da mesma maneira, polida e sem ênfase. Têm uma complexa e antiquada forma de tratamento que lembra as peças dos autores russos no teatro radiofónico . Ela diz: - O Matos já leu o meu relatório de ontem? Ele responde: - Sim, claro dra. Filomena. Deixei uma cópia com anotações na sua secretária. Ela baixa a cabeça com aprovação. Era quase humanamente impossível naquele espaço de tempo, ter lido o relatório, escrito anotações e ao mesmo tempo cumprido as obrigações do atendimento público da Estação. Mas ele fê-lo, para corresponder ao esforço dela, que numa semana elaborou um relatório tão perfeito sobre o estado das reformas após as privatizações. No fim do dia vêm entregar-me o relatório final. Está escrito no inglês de madeira dos relatórios, perfeito como eles, até as referências bibliográficas estão de acordo com as normas de elaboração dos relatórios. Eles querem enviar para publicação no Post American and European News. Isto se a chefia não vir objecções, evidentemente. Queria dizer-lhes que me orgulho deles. – Orgulho-me de si Matos e de si também dra. Filomena. Ou seria mais correcto dizer :- Orgulho-me de si dra. Filomena e de si também Matos. A questão da precedência das autorias tolhe-me a voz.