31 maio 2005

Correio

"Ainda bem que postas todos os dias, Luís! É que cá em casa já somos "naturezodependentes", apesar de silenciosos."
(nos comentáriosdo Mal).

Obrigado Ana. Assinaste a sentença de morte do Mal. Nós que éramos um sussurro, uma coisa de nada, um rasto, uma frase pequena que não chega a ser dita mas enrubesce, um blog nocturno, um mocho, uma coruja, um burrinho na serra, a hortelã pimenta, as açucenas. Nós que éramos a tesão, a alegria das putas. Somos agora uma espécie de matinée para todos, um blog de família, o último episódio do Star Wars. Chegou a fase de instituição.
Ó companheiros do Mal. Que o mais pobre se levante e que o farrapo volte a ser estandarte.

Posts do Orgulho Pátrio: José António Saraiva

O Saraiva foi agraciado com o prémio de um jornal espanhol, o ABC. Se o jornal espanhol for prestigiado, a distinção prestigia o Saraiva. E não apenas o Saraiva mas o semanário que dirige há vinte anos, os seus jornalistas e direcção. Se o ABC não o for, nem por isso o premiado sai diminuído. Qualquer pessoa de valor, com créditos firmados, pode ser citada. Há muitos que se querem pôr em bicos de pé.O Saraiva tem créditos firmados e seria sempre, com ou sem ênfase do ABC, um motivo de orgulho pátrio.

30 maio 2005

Agenda

Ler o debate entre o Filipe e o PC no Mar Salgado sobre a educação sexual. E o Blasfémias. E o Bombix mori, claro. Lembrar Cervantes que advertia para o frio teológico que acompanha a escrita. Procurar em Menfis o cadáver de Alexandre. Publicar a história do milagre do livro incombustível. Saudar a entrada em funcionamento do blog de última geração Abóbada Palatina. Comprar gravata adequada para a apresentação do livro da Rititi, dia 4 de Junho, na FNAC do Chiado.

(Créditos: Este e todos os posts da próxima semana são inspirados, baseados ou mesmo vergonhosamente copiados do livro Biblioclasmo, de Fernando R. de la Flor, Cotovia, Lisboa 2004)

Arte Poética

Deixar o registo do mundo em nós,
conciso.
Depois não se fala mais nisso.

(segundo a Sandra)

Blogger todo o tempo

Blogger que se preze escreve aos domingos. Eu anoto blogger que se balda em dia feriado. Blogger posta em qualquer lado. Blogger é um post eminente. Um post na ponta da língua. Blogger mesmo é blogger todo o tempo e todo terreno. Blogger que está de sexta à noite até segunda sem postar é funcionário público.É Blogger broxa.

29 maio 2005

LUIZA

Estou fascinado por um poeta chamado António Matos. Um destes dias fui ao lançamento de um livro dele. Um acontecimento sem relevo numa cidade fora das rotas literárias. Aveiro, digamos. O poeta por quem eu estou fascinado- sei a música dos seus poemas, as palavras de cor, recito quando como sozinho- chama-se afinal Pedro Neto Jorge. De nome completo António Pedro Neto Jorge Matos. Ainda hoje não sei se gosto dele por ser António se por ser Pedro

Revista da semana

Olhem para este título: Governo quer baixar o deficit para 4,8% já em 2006. E em subtítulo: Efeito conjugado do aumento de impostos e redução dos privilégios da função pública.
Isto é informação ou juízo de valor?
O que são os privilégios da função pública? São os direitos dos trabalhadores, matriz do Estado social do pós guerra, que sempre foram mais fáceis de implementar nos organismos do Estado que nas empresas privadas? É o direito a receber salário na doença, a acompanhar os filhos na doença, a redução de trabalho por invalidez, a reformas decentes para quando já não se tem força para trabalhar? São direitos universais na função pública e reservados ao pessoal dirigente das empresas privadas?
O título é da primeira página do Público ( o itálico é meu).
Esta semana já vi tudo: vi um destacado membro da plutocracia (que foi ministro e de certa forma simboliza a classe política que temos, o Estado português) a explicar como se governa uma empresa privada. Vi a direita a dizer à esquerda: A nossa política é má. Mas o que é que vocês propõem? E a esquerda calada, porque talvez outro mundo seja possível, mas a esquerda não se libertou ainda do outro mundo que foi impossível. Vi o Gomes na Galp e o outro nas águas.
Deste lado reina o estado de broxa.

A Constituição Europeia: hoje em França


Em França decide-se hoje o futuro da Constituição Europeia. Do lado do sim está a França institucional: o Presidente da República, os principais partidos, os meios de comunicação, muitas organizações políticas e sociais. Do lado do não está Fabius, agora com a esquerda socialista, as organizações que se opõem à globalização capitalista, com relevo para a ATTAC, que publicou um livro muito documentado sobre o tema, a CGT, e, de maneira incómoda mas coerente, a extrema-direita de Le Pen, xenófoba e nacionalista. Os partidários do não argumentam que o carácter liberal da Constituição agravará o desemprego e acelerará o desmantelamento da dimensão social da União Europeia. O voto do não, em França como na Holanda, é um voto nacional, político, pragmático, contra os partidos no poder e a falsa alternância socialista de centrão. Sociologicamente, diz a TNS-Sofres, os apoiantes do sim vivem nas grandes cidades, são mais velhos, assistiram à construção europeia do pós guerra e não querem deslegitimar Chirac. O debate foi tão duro que afastou muita gente. Espera-se que os indecisos ( 20% dos eleitores, com predomíneo de mulheres jovens e socialistas) ainda vão às urnas. Je suis une jeune femme socialiste.

O que é verdadeiramente importante


João Garcia chegou a Lhotse (8000 metros) e está de volta a Portugal.
Há quem aponte alto e cumpra os objectivos.

Ao Filipe

A Amnistia Internacional é uma coisa boa. As prisões são uma coisa má. As prisões dos países onde não há liberdades públicas são uma coisa má. O tipo de coisa má que se espera desses países. As prisões de excepção dos países onde existe democracia são uma coisa horrível. O tipo de coisa horrível que se espera desapareça dos países democráticos. As prisões onde organizações independentes não podem entrar, onde os presos não têm livre acesso a advogados, não recebem visitas da família, não se conhece o regime prisional, são o Gulag do nosso tempo. É bom que exista uma associação constituída por gente boa, assente quase inteiramente no voluntariado, que leva a cabo um trabalho fundamental na defesa dos direitos humanos, denuncia no seu Boletim e nas suas campanhas a situação dos presos na Coreia e em Cuba e além disso, é capaz de dizer: Guantanamo é o Gulag dos nossos dias.


144 dias desaparecidos no Iraque

Os Persas

Na Pérsia houve eleições. O partido no poder foi severamente punido. O partido emergente fez uma análise da situação e apresentou um programa para melhorar a vida dos persas. Ganhou. Dois meses passados, o partido agora no poder veio dizer que a análise da realidade estava errada. Ou que, como Staline pensava do povo, a realidade estava errada. Pediu desculpa ao povo. E demitiu-se, para os persas poderem fazer uma escolha mais adequada? Não. Demitiu o povo, como Stalin, e apresentou um programa para lhe piorar a vida. Quase todos os poderes plutocráticos são iguais e todos os povos se parecem (apreciaste a prevenção metonímica, Afonso?)

28 maio 2005

Oração

Triste mesmo é comer leitão
Ao domingo
Num centro comercial
Sozinho.

Sande de leitão
Em pão da Mealhada.
Num Restaurante Dom Marçano
De um Centro Comercial.

Esta é a oração
Que os queixos rezam
Sobre a sande.

Se houvesse deus
Seria um deus mínimo
Destes sítios sem brilho
Nem futuro.

Uma ideia que segurasse
À alma
A limpidez do olhar

Mas destes Centros Comerciais
Que erraram a geografia
E o tempo
Até mesmo deus
Parece estar ausente.

O Ateísmo é uma Questão de Fé

A Xis (uma revista levezinha que os leitores do Público trazem para casa aos sábados, com o jornal) publica hoje um Dossier Ateísmo. Para saber algo sobre este assunto vasto e apaixonante a jornalista foi perguntar aos padres. Acho bem. Eles explicaram-lhe. De uma forma levezinha.

A Feira do Livro de Lisboa ( roteiro faccioso)



Parar na Relógio D'Água: T.S. Eliot, Seamus Heaney, Wallace Stevens. Ainda na Relógio D'Água a 5 euros: Balada de um Café Triste, Reflexos nuns Olhos de Oiro. Mais caro o Proust. Saíu um Quixote com tradução do José Bento muito mais bonito que o da D. Quixote que é semi monumental e pretensioso, com desenhos daquele Dali horrível.
Dar uma saltadela furtiva à Gradiva para comprar algum David Lodge que falte.
Cumprimentar aquele senhor que publicou Borges, Montano e Austerlitz (Teorema). Pedir-lhe por favor que não assine os livros.
Voltar atrás e comprar Robert Walser (Jakob von Gunten, um diário na Relógio D'Água)e Mercé Rodoredo (em breve uma Mulher do Mal). Comprar Orwell nos Editores Refractários (Antígona).
Procurar os pequenos Editores: Vendaval, & etc (Manuel de Freitas, Carlos Bessa, Carlos Alberto Machado).
Na Fenda o Stig Dagerman.
No Campo das Letras, Ver: Amor, de David Grossman (ver a propósito a entrevista de ALC no Mil Folhas de hoje).
Nos Livros Cotovia, Biblioclasmo. Gato Fedorento- O Blog, do RAP e dos seus amigos e Fora do Mundo, textos dos dois blogs de Pedro Mexia que precederam Fora do Mundo.
Na Cavalo de Ferro, O deserto dos Tártaros.

As Mulheres de O Mal: Scarlett Johanson


Em Canção de Amor (A Love Song for Bobby Long) Pursie é a miúda que vem dar sentido à vida de dois homens doentes de alcoól e literatura.


E ao legado da mãe.


Pursie lê Steinbeck. E lê Carson Mc Cullers. A canção chama-se O Coração é um caçador solitário e conta a história dos Invisíveis.
Depois de Lost in Translation e da rapariga do Vermeer, Scarlett compôe mais uma figura que marca o imaginário do início deste século e entra direitinha nas Mulheres do Mal.

Os Posts do Orgulho Pátrio:EPC

Eduardo Prado Coelho. EPC. Quando jovem leu Foucault antes e melhor que os outros. Dele disseram: "Enfin Eduardo vint!". Acompanhou os movimentos literários dos últimos 35 anos, as artes performativas, a difusão da cultura portuguesa na Europa e nos países de língua portuguesa. No ano de 2004 foi, depois de Gonçalo M. Tavares, o autor português com mais expressão editorial. Mantém um espanto juvenil (emocionante o momento em que descobre, num andar do Bairro Alto, a colecção de pintura do Ministro da Economia) e momentos de bom senso e responsabilidade (o fellatio a Sócrates da passada quinta-feira p. ex.).

26 maio 2005

As Mulheres de O Mal: Carolina Angelo


Dona Carolina, a primeira cirurgiã portuguesa e a primeira mulher a votar em Portugal, em 1911, nas eleições para a Constituinte, no salão do Clube Estefânia, S. Jorge de Arroios, Lisboa.

As Mulheres do Mal: Anita Berber


Anita Berber morreu em 1928 com 29 anos. Dançou nua, na Berlim da República de Weimar, a dança do vício. Foi celebrizada entre outros por Otto Dix e em 1988 pelo filme de Rosas von Praunheim com Lotti Huber.

As Mulheres de O Mal: Pina Bausch


Pina Bausch nasceu em Solingen em 1940. Criou o Tanztheater Wupperthal: dança e coreografa o amor e a morte.

25 maio 2005

Cobardes

António Guterres foi nomeado comissário de Qualquer Coisa numa instância internacional. O Manel do Grande Queijo Limiano disse que quem tinha sido cobarde aqui não seria melhor lá fora. O JPH achou que o Manel, por se acobertar no anonimato, era uma autoridade em cobardia. Se a nomeação de Guterres fosse uma notícia eu gostaria mais de saber a opinião do JPH sobre a nomeação do Guterres. Mas pelos vistos o que preocupa JPH é a cobardia dos bloggers anónimos. A menos que o Manel fosse o José Manuel Fernandes, a questão da sua identidade não é para mim fundamental. Ser Manel no Grande Queijo é como ser JPH na Glória Fácil. Dois locais de boas opiniões , bem escritas, que não ganham mais coerência, lucidez ou adequação à realidade pelo facto de uma vir assinada Manel e a outra JPH.
Sobre o tema em questão já disse: é para mim irrelevante. Que tenham aparecido logo uns portugueses orgulhosos de o serem, não me espanta. Quando do Durãoaway foi a mesma coisa. Tanta gente orgulhosa de ser português comove. Se o orgulho pátrio fosse posto a render não estávamos com sete por cento de déficit.

Luís Januário (BI: 2588433, de 03/06/2003 do Arquivo de Identificação de Coimbra).Alterado a 27/05

Critérios de Verdade

Disseram-me que tinha de aplicar a política de emagrecimento da Empresa e eu apeei o chefe da Estação de Semide, da Carapinheira, da Sertã, de Pedrógão, de Figueiró. Lembro-me sempre do Mandarim. Sei lá o que é a Sertã, Semide, Pedrógão, Figueiró. Assino os papéis. Os tipos recebem alguma massa, não é bem um despedimento. São apeados, é tudo. A empresa fica mais saudável. Pode-se oferecer emprego aos mais jovens. Precário, eu sei. Mas o que não é precário hoje em dia? O plano de que me encarregaram chama-se Orestes. Orestes foi um personagem da cultura helénica que, para salvar os habitantes de Corinto, teve de entregar aos Persas as populações das áreas limítrofes. De cada vez que assino um relatório de acompanhamento do Orestes penso nas palavras e no mundo real. Se o critério de verdade é a adequação das palavras aos factos os meus relatórios serão verdadeiros ou falsos? Foi isto que perguntei um dia a Lúcia, no tempo em que ela trabalhava em Nelas e eu a visitava aos domingos. Ela olhou-me com um ar determinado e respondeu que não sabia nada de filosofia e que os seus critérios de verdade tinham sempre por base as emoções. As emoções diziam-lhe que eu era um pulha. Frouxo, foi o que ela disse. No princípio pensei que eras um frouxo. Mas agora debrucei-me sobre os factos e sobre as tuas palavras. E o que tu és é um pulha.

A Fome

Surpreendido a masturbar-se na praça do mercado, Diógenes o cínico,de quem Platão disse ser um Sócrates enlouquecido, respondeu aos que o censuravam: Fosse assim fácil aplacar a fome!

24 maio 2005

As Mulheres do Mal: Sharon Stone


Esta é a mulher. Se a evolução tivesse sentido, ou se o patrono da ICAR tivesse gosto, todas as mulheres seriam um pouco Sharon Stone. Mas só ela olharia com este fulgor, só os seus lábios queimariam assim, só a curva dos seus ombros seria tão doce, só nela a luz desceria com tal perturbação da fronte ao colo.

Formação



Hoje estive num curso que os Correios organizaram para as lideranças intermédias e consegui não me lembrar de ti, Lúcia. Fui de véspera para poder descansar. Não bebi na refeição de trabalho. Tomei um café cheio, sem adoçante. E apesar desta preparação adormeci no workshop da tarde. Exactamente quando estavam a discutir a avaliação. A minha avaliação. O documento que me deram para preencher tinha o seguinte título: Ganhos com a utilização do aplicativo. Foi aí que começou o sono. De cada vez que baixava os olhos para o aplicativo não conseguia levantá-los de novo. Nesses microsonos ficava inteligente. Os ganhos tornavam-se evidentes e via-me a explicá-los, não apenas àquela mesa de líderes intermédios presentes e futuros, mas a uma vasta plateia encantada com a minha prestação. Apesar disso os acordares eram penosos. Não percebia o tempo que decorrera, nem se se tinham apercebido da minha sonolência. Mas se Lúcia não estava, face a quem me havia de envergonhar? A certa altura distribuíram uma escala que tinha a designação de Schmachen Q. O formador chamava-lhe Xemaquene Quiu. No meio de itens inteiramente incompreensíveis li alguns que, embora continuasse a cabecear, me entusiasmaram ligeiramente, : Assertividade, Percepção Sensorial, Resiliência e Forças de Fricção. O formador chamou-me:
- Importa-se de escolher os seus avaliadores? E explicou-me que devia escolher um chefe, três pessoas com a minha graduação e três subalternos. Eles procederiam à minha avaliação anual para o efeito utizando o instrumento a que chamavam Schmachen Q . Ao mesmo tempo faria a minha auto avaliação. Escolhi o meu chefe, o engenheiro Horácio. Três colegas , um deles apeado por mim da Estação de Semide. Subalternos não havia. A minha liderança era, ali, a de mais baixa hierarquia.
–Não interessa, disse o formador. O Regulamento prevê que nestes casos se indiquem mais três colegas do mesmo nível, idealmente de Estações diferentes.
A avaliação que eles fizeram da minha prestação este ano foi para mim uma surpresa. Eu não sou um líder autoritário. Nem consigo delegar. Mas sempre pensei que o meu trabalho era apreciado, que convencia as pessoas através do convencimento racional, do envolvimento no trabalho de equipa, na explicação correcta dos objectivos. Eles consideraram que eu era um líder sedutor. Não era um elogio. No léxico da formação, o sedutor é uma figura entre o demagogo e o parvo convencido. Estiveram todos de acordo. E em desacordo com a minha auto avaliação. Oito pessoas a uma mesa e sete pensam, de mim, a mesma coisa. Que tenho um déficit de liderança e preciso de mais formação. Eu não penso em nada. Nem em ti já penso, Lúcia .

22 maio 2005

As mulheres de O Mal: Maria Velho da Costa


Escritora, Prémio Camões, autora de alguns dos melhores livros da língua portuguesa: Maina Mendes, Lúcialima, Da Rosa Fixa, Dores.

As mulheres de O Mal: Carson Mc Cullers


Escreveu alguns dos melhores livros do século XX, e o menor não foi a sua vida atribulada: O Coração é um Caçador Solitário, Reflexos num Olho de Ouro e A Balada do Café Triste.

As mulheres de O Mal: Laura Marx


A segunda filha do Mouro. Activista do movimento operário francês em finais do século XIX. Mulher de Paul Lafargue que escreveu sobre os direitos da mulher e, preso em São Pelágio, o livro Direito à Preguiça e outros ensaios, no tempo em que o marxismo era uma corrente filosófica. Morreram juntos.

As mulheres de O Mal: Agnès Sorel

Agnes Sorel (1420-1448)


Agnès Sorel, figura nos livros de História como a amante oficial de um rei medíocre. Foi imortalizada por Jean Fouquet na figura de uma Virgem com o menino. O menino está mal representado, mas Agnès anuncia, seiscentos anos antes, o momento de glória de Sophie Marceau em Cannes. Este quadro está actualmente no Koninklijk Museum van Schone Kunsten de Anvers.


Agnès Sorel morreu aos 28 anos. Exumada este ano, a causa de morte foi atribuída a intoxicação aguda por mercúrio.

As Mulheres de O Mal: Soledad Puertolas

Soledad Puertolas (Zaragoza, 1947)


Soledad Puertolas escreveu um livro fundamental: Todos Mentem.

A educação sexual nas Escolas e a campanha dos Bobadelas e Cotto



A TSF está a transmitir um debate sobre a educação sexual nas escolas portuguesas e o incidente levantado pelo jornal Expresso.
Ficou claro que se trata de uma campanha mentirosa, utilizando factos inexistentes (um documento orientador de 2000 transformado em Programa e duas referências bibliográficas que nem sequer estão traduzidas apresentadas como parte desse Programa), atribuindo intenções a técnicos que têm levado a cabo um trabalho sério que está nos antípodas da caricatura a que aqui procedi.

21 maio 2005

Brandos Costumes

Vinte e seis mil quilómetros quadrados de floresta amazónica foram derrubados entre Agosto de 2003 e Agosto de 2004. Por isso nós não ligamos ao abate dos sobreiros. Matam as freiras no Brasil.

Ameaça

A 16 de Julho Jerónimo de Sousa dá a conhecer Os Poemas da Sua Vida.

O Pianista Amnésico

Foi encontrado numa praia do Kent, a 7 de Abril, e levado para o Medway Maritime Hospital.
Vestia um fato escuro com gravata do qual tinham sido retiradas todas as etiquetas. A gravata desapareceu das fotografias. Não disse nem uma palavra.


Quando lhe deram um lápis na esperança de que escrevesse o nome ele desenhou um piano.


Foram para a capela do Hospital e ele tocou várias horas a fio. Pareceu recuperar a vida, disse o técnico social, Mr. Kemp.
Ninguém era suficientemente ilustrado para saber o que ele tocava, disse a psicóloga Ms Dorey-Reed. Só sabíamos que era música clássica e que tocava muito bem.

20 maio 2005

Educação Sexual nas Escolas. Correcção e Pedido de desculpas


No DN de hoje Fernanda Câncio publica informações que descredibilizam a notícia da primeira página do Expresso na qual se baseava o post Educação Sexual nas Escolas (parte um). Resta-me pedir desculpa aos progressistas e aos leitores que involuntariamente induzi em erro, congratular-me com o facto de não estar em marcha nenhuma obsessão educativa tendo a sexualidade das crianças como alvo, indignar-me com o facto do Expresso se ter prestado à campanha das organizações reaças, e prometer a maior atenção do Mal às movimentações sexuais dos Bobadelas e Cotto.

Educação Sexual nas Escolas (parte 2)

O Abaixo assinado que um Forum da Família lançou na net já tem, à hora em que escrevo este post, 5612 assinaturas. O abaixo assinado é o tal que procura investigar o seio do Ministério da Educação, desejo compreensível mas que não me parece à altura dos proponentes. O abaixo assinado é um levantamento dos reaccionários contra a abordagem da sexualidade nas escolas. Não se trata da crítica à obsessão progressista pela educação. Os reaccionários aproveitaram a obsessão progressista para investir contra a sexualidade. Abri apenas as primeiras páginas. Trata-se da maior concentração de Vasconcellos e Bourbon, Bobadelas e Cotto e Trigueiros de Menezes desde as listas do Marquês de Pombal, ou das candidaturas à reconstrução dos solares com os Fundos do Turismo Rural. Esta gente tem os filhos na Escola pública, o que só os honra, e quer que a sexualidade se aprenda em casa, que é um direito que lhes assiste. A sexualidade deles sendo seguramente melhor que a dos manuais escolares, a proposta correcta seria a de permitir que as crianças populares, os Simões e os Hipólitos, os Correias e os Fonsecas, pudessem fazer estágios rotativos nas residências dos Bobadelas e Cotto, aproveitando para assimilar os valores e as boas maneiras.
Os estágios seriam subsidiados pela Escola pública.
Para os progressistas não sofrerem uma derrota vergonhosa a Escola manteria um programa mínimo opcional de ensino de contraceptivos, por profissionais dos Cuidados Primários de Saúde, num contexto que priorize os afectos, a escolha da castidade e o respeito pelas tradições dos Bobadelas e Couto.

19 maio 2005

A Educação Sexual Nas Escolas (parte1)

Os progressistas são geralmente gente estimável. Não fossem eles e estávamos para aqui de crucifixo obrigatório nas paredes da escola, mapa do Minho até Timor, a chorar a derrota do Sporting e tendo como única esperança os segredos de Fátima. Devemos-lhes quase tudo do que de bom me lembro: a penicilina, a mini saia, o heliocentrismo e a gravidade, o surrealismo, as férias, a teoria da evolução e a pílula. Mas os progressistas podem ser perigosos. Falo do que sei. Como devem ter percebido sou progressista. Foi um dos meus quem disse que era preciso obrigar os homens a ser livres. Outro escreveu a frase inquietante que pedia aos franceses mais um esforço para serem republicanos. Outro viu Popper como a Nossa Senhora os Pastorinhos. Outros criaram a antipsiquiatria e as comunas de Copenhaga e Amesterdão.
Uma das áreas onde os progressistas têm tido acção de relevo é a da escola pública. É repugnante imaginar que a uma desvantagem de nascimento tenha de corresponder um rosário de oportunidades perdidas. A Escola pública democrática deve assegurar a igualdade de oportunidades e impedir que estiolem os talentos. Nesse aspecto os progressistas foram magníficos. O pior é quando eles generalizam e são possuídos pela obsessão educativa. A obsessão educativa acredita que tudo é susceptível de ser ensinado. Classes de escrita criativa, Livros de Estilo, Gramáticas, Educação cívica, Linguagem nãoverbal, Cursos pré matrimoniais, Parentalidade, Terapia Familiar, Adaptação ao Meio Aquático. O blogger do Alcatruz caricaturou a obsessão educativa com posts certeiros mostrando as terríveis consequências se deixássemos de ensinar os bebés a mamar, os fetos a respirar, os homens e as mulheres a procurarem as respectivas zonas erogéneas.
Os documentos que o Expresso divulgou sobre os conteúdos das aulas de sexualidade, a serem verdadeiros, são um exemplo hilariante da obsessão educativa progressista. Pintar as zonas erogéneas na sala de aula e encher os cadernos do ciclo com pipis erectos e coninhas é certamente divertido e não havia de fazer mal a ninguém. Mas como diria Bartleby, se fosse puto e estivesse nessa turma: eu preferia não o fazer. Sobretudo se tivesse algum sentimento especial por uma colega ou colega. Preferia não o fazer. E que ele ou ela não o fizessem. Sempre me masturbei em privado, sem nenhum sentimento de culpabilidade. Não acho que a senhora professora tenha nada a ver com isso nem me ajude no desempenho. Quando tínhamos onze anos, numa aula de Português, o dezasseis masturbou-se, inspirado pela professora, para nosso grande espanto e perturbação. Mas não me recordo nem do efeito pedagógico desse acto nem dos traumas motivados pela ausência de um amplo debate.
Aprendemos a sexualidade com os nossos pares. Com os rapazes mais velhos, ou mais experientes, nas tertúlias. Com as raparigas, nas escadas, nas barracas de praia, nas garagens, no escurinho do cinema. Dá um trabalhão mas é muito bom. Há cem mil anos que é assim, o que não é um grande argumento, aceito, mas é pelo menos um argumento. A psicologia veio dizer-nos que essa coisa de aprender com os pares não é só com o sexo. Também aprendemos o sotaque, o vocabulário, os papéis sociais. Enfim, quase tudo. Esta coisa de pôr adultos, com neurónios, erecções e interesse sexual em rápida extinção, a ensinar o sexo aos jovens da espécie e impedi-los de inventar o seu Kamasutra, é, em resumo, uma barbaridade progressista.

(Aviso:Este texto foi escrito baseado em mentiras, meias verdades e numa operação de manipulação montada pelas organizações reaças manipuladas pela ICAR: veja o nariz do Pinóquio. 21h de 20/05/05
Sobre o tema ver os posts de FNV e PC no Mar Salgado, do Bruno em Avatares de Desejo e de JMF nas Terras do Nunca
)

Investigado o seio do Ministério



O Forum da Família exige uma investigação no seio do Ministério da Educação.
Eu, que modestamente tenho escrito sobre o tema, sinto-me ultrapassado.
O que é que tu achas, Bruno?

Joy Division

Acabou a época



Tentei animar os meus amigos do Sporting mas eles queriam sofrer em silêncio. E eu que não tinha perdido estava vazio como eles. Sabia que amanhã não será melhor porque o campeonato acabou e não haverá final da taça. Como disse o Stig Dagerman a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer.

18 maio 2005

Uma rua chamada Beria



Como diria o Pedro Mexia : Leandro Martins não é o PCP. É só uma besta. Acharam graça ao dançarino agora espantem-se com esta rapaziada.

17 maio 2005

O Questionário da Noite

Que fazes neste momento?
Carrego no botão à minha frente. Digo um número: sete.

Que planos tens para este fim-de-semana?- Ir a Nelas de comboio. O comboio chama-se Sud Expresso e vai para Vilar Formoso. Atravessa uma desolada Castela pré democrática, onde, de manhã, se podem ver ainda as marcas do Quixote. Para em Irún . Lúcia vai a pé até Hendaye.

Que coisas te causam stress, neste momento?
- O chefe, atrás de mim, a pensar: -Quando é que terei autorização para apear este cromo?

Que fizeste desde o acordar até agora?- Estou a acordar. Fiz o corpo, os olhos e a barba. Pus o leite no pires do gato.

A quem irás passar este teste fantástico?- Pode ser então o Afonso (Bombix-mori), o Ivan da Praia, e a Alexandra da Seta Despedida.

Voa




Que importa a ameaça de desemprego
O silêncio de Nelas
A dor que o atravessa
Até aos ossos

Voa
Algures
O tartaranhão azulado

Il plane sur la vie et comprend sans effort
Le langage des fleurs et des choses muettes



(Borges, Baudelaire, Lúcia)

16 maio 2005

Um crime metonímico

Afonso, li com muito agrado o teu post. Saí de rastos. Acontece que adoro levar porrada. Quando me preparava para um acto de contrição relativamente ao meu pecado metonímico reli o que tinha escrito sobre os revisionistas históricos. Acho que exageraste. Corrijo: alguns parisienses aplaudiram nos campos Elíseos a entrada das tropas nazis. Ou, como preferes: alguns parisienses desceram à rua, em número suficiente para receber em alas apoteóticas as tropas alemãs que entravam na Cidade-Luz. Mas é a única metonímia que encontro.
O post era político. Politiqueiro se quiseres. Eu não sou historiador. Sou um leitor vulgar. Dos que lêm as obras de divulgação, onde os historiadores sacrificam o rigor científico às necessidades pedagógicas. Eu sei que quando leio os Espartanos devo ler alguns espartanos, quase todos cidadãos. E que os que aclamaram Alexandre não foram os que morreram em combate. Ainda bem que lembraste. No resto parece-me que também cometeste o erro metonímico. Aliás estamos permanentemente à mercê do erro metonímico. Imagina que quando penso em Lúcia, penso, ao mesmo tempo, nesse ser único que deixou Nelas, e calcula, em todas as mulheres. E, possuído pela febre metonímica, já me ocorreu pensar mal das mulheres, sentir-me ferido pelas mulheres, quando foi apenas Lúcia quem desapareceu.
Vou ter mais cuidado. Prometo.

O tartaranhão azulado



É este o tempo
que te é dado.
Um estradão desolado
onde caminhas à toa.
E se por acaso voa
é para longe que voa
o tartaranhão azulado.

(Saíu com rima. Merecia mais o tartaranhão azulado)

15 maio 2005

Por uma mera hipótese

Olha Sandra, eu vivo por essa mera hipótese.

Esquecer

O resto. O padre. As lezírias. O abate silencioso dos sobreiros. As autárquicas (pois teremos ainda que sofrer as autárquicas, oh cidadãos?). Os desmentidos do partido, do candidato e a honra perdida dos jornalistas. O zumbido dos moinhos eólicos na cumeada. O jovem estudante revolucionário que hoje cura a bebedeira e amanhã será candidato do partido na terra natal e depois assessor do secretário de estado. O derby dos candidatos ao título, o povo em redor e o entusiasmo postiço dos relatores, muito mais mortos do que tu, Perestrelo.
Concentrarmo-nos no que vale a pena: os miúdos a pintarem a cara com o barro molhado, os vidoeiros que sobreviveram na linha de água, o esforço do rapaz que passa na BTT, a gente pacífica que conversa no alpendre, o pescoço das mulheres (capítulo 6 do livro do velho Morris), a fotografia, a cozinha, o calor que os corpos conservam ao entardecer, João Garcia nos seis mil metros, esta aventura grandiosa e inútil.
Esquecer o resto. Tudo.

Guardar

O guia para a LisboaPhoto publicado pelo Mil Folhas. As páginas sobre Truffaut no Y.

Elisabete Jacinto


Ler a biografia de Elisabete Jacinto, enquanto guiava um 6x6 da Renault na Capadócia, escrita por Luís Maio nas Fugas de ontem (não disponível on line).

Os revisionistas


Há três anos que a Bertrand editou em português o livro de Antonhy Beevor, Berlim a queda. Pouca gente falou dessa obra grandiosa que mostrava como Estaline sacrificou 70 000 soldados soviéticos à estratégia de chegar a Berlim antes dos americanos. As almas puras que hoje ainda distinguem o Estaline despótico Pai dos Povos , do estratega da segunda guerra mundial a quem devemos o esmagamento da besta nazi, são ortodoxos históricos a um nível semelhante ao dos revisionistas que negam o holocausto.


Dos jornais da semana passada: As bandeiras estiveram três dias a meia haste pela morte de Hitler no nosso Portugalzinho de 1945. A cabra da velha torre da Universidade tocou fúnebre. O Século fez um responso comovedor.


Elie Wiesel disse que não podia perdoar aos aliados o facto de não terem bombardeado as linhas de caminho de ferro que levavam aos campos de concentração.


Raul Hilberg (A destruição dos judeus europeus) diz que dezenas de milhar de assassinos tomaram parte directamente no extermínio. O trabalho sujo final era executado por ucranianos e lituanos (ver Babelia.el pais.es). A resistência europeia aos nazis, hoje comemorada como uma epopeia grandiosa pelos vencedores de 1945, diz Hilberg, foi travada por uma minoria. Alguns parisienses desceram à rua, em número suficiente para receber em alas apoteóticas as tropas alemãs que entravam na Cidade-Luz.

(texto revisto às 00h de 17.05.05)

Julian Barnes

Vinte anos depois de O papagaio de Flaubert, Julian Barnes anuncia para Junho o lançamento de Arthur & George, baseado num episódio da vida de Conan Doyle. O seu último livro, The Lemon Table, ainda não foi traduzido entre nós (há quem diga que será publicado pela ASA com o nome de O Pedante na Cozinha) .
Procurem nas Feiras do Livro as excelentes edições da Quetzal, comprem A Madame Bovary com o Papagaio. Dão-se lindamente. E descubram porque é que Talking it Over se chamou em Português Amor & etc.

bibliografia:
Metroland
Before She Met Me
Flaubert's Parrot (O papagaio de Flaubert, tradução de Ana Maria Amador. Lisboa: Queztal Editores, 1988)
Staring at the Sun
A History of the World in 10½ Chapters ( A História do Mundo em 10 Capítulos e ½ tradução de José Vieira de Lima. Lisboa: Quetzal, 1990) Talking It Over
The Porcupine
Letters from London
Cross Channel ( Do Outro Lado do Canal, ASA)
England, England ( Inglaterra, Inglaterra, ASA)
Love, etc (Amor & Etc, ASA)
Something to Declare
In the Land of Pain
The Pedant in the Kitchen
The Lemon Table
Arthur & George

14 maio 2005

Razões para ter confiança no Verão


Alegrem-se. Os tops hiperdecotados chegaram à Zara e à Bershka. O Verão vai ser magnífico.

13 maio 2005

Agenda

Escrever um post onde entre a palavra vistosa. Dar os parabéns atrasados ao Miguel Cardina (oolhodegirino.blogspot.com). Dizer à Alexandra (setadespedida) que leve a edição anotada para estudantes da Penguin, mais o Perfect Companion do Ulysses. Escrever um post onde o autor enumera as coisas horríveis que podem acontecer a um homem (mas sem falar de mortes, oh mortes não) e a última é cair apaixonado por uma mulher que fume Português Suave. Pedir ao Bartleby para pôr links nisto. Escrever um post a dizer que este é o mais cruel dos dias misturando oliveiras a crianças ignorantes.

Resposta ao Senso Comum


O senso comum é fundamental. Não ignoro que existe uma filosofia do senso comum que nos mantém escorreitos de cabeça neste mundo enganador. Deve ter sido um momento horrrível esse em que a ICAR teve de admitir que a Terra não era o centro do Mundo. E ainda hoje nos comportamos como se o Homem fosse o sentido final de uma Criação. Gostei muito do seu comentário. Devo-lhe dizer que vivo dos comentários do blog. Se a. falta mais de uma semana preocupo-me. Se b. vem todos os dias acho que está a atrasar-se na pesquisa. Se o c ou o d. não dizem olá julgo que arranjaram emprego. Se e, f, g. ou h não sublinham algum post tenho a certeza que é mau. O blog é como a acáciazinha da Toada de Portalegre do Régio: humanizam-se coisas brutas e têm-se esperança tais que será bom ter pudor de as contar seja a quem for. Mas estava a falar do seu comentário e desculpe-me o desvio. Anotei a precaução. Não devemos ser sobreinterpretativos. A selecção sexual não foi a força mais pressionante da evolução. Ou pelo menos a única. Os lábios não imitam as lábia. As mulheres não os tornam vermelhos, brilhantes, húmidos para simular o momento em que, entre as pernas, sob o Monte de Vénus e o triângulo de Púbis, os outros lábia ficam vermelhos, húmidos, brilhantes. É por acaso. Para intimidar as outras mulheres, para espantar as crianças. Para alegrar os gatos, esse animal misterioso que só parece comunicar com as mulheres e os poetas misantropos.
Vencido nos lábios volto-me, cheio de senso comum, para as mamas. Peço-lhe desculpa mas não consigo deixar de me comover de cada vez que assim me volto. Vou reflectir bem no que lhe vou dizer em seguida. As mamas têm, na nossa espécie, essa duplicidade de servirem simultaneamente à nutrição dos lactentes e à divagação erótica dos maiores. Ora se as mamas fossem o design dos lactentes elas seriam concerteza o biberão perfeito da Chicco, ou a mamadeira da Nuk, um saco acabando numa teta oblonga, uma réplica da representação cicládica e zulu. Acredite um pouco em mim. Confesso-lhe que, por capricho das sortes, já demorei muito mais tempo na observação da mama nutritiva que da outra. E sempre, antes da hipótese evolutiva me ter dado a sua graça, me intrigou o esforço que o recém nascido faz para abocanhar com êxito aquele mamilo pequeno implantado numa esfera que ameaça abafá-lo. Pode ser duro de admitir e ir contra o senso comum. Mas as mulheres ancestrais tiveram essa arte de preservar a lactação e umas mamas protuberantes, cheias de orgulho antigravitacional. Mesmo que nem o Bruno esteja comigo, sinto que tenho razão.

12 maio 2005

Agradecimento a Morris



Os teus lábios reflectem
os labia
e estão brilhantes, húmidos,
pulposos

E as pupilas abertas
denotam o interesse

E o branco do teu olho
deixa seguir ao longe
a direcção do olhar

E as tuas mamas redondas
frustam o bebé
mas alegram as nossas vidas

E segredas a frase
“kiss my arse”,
descarada,
como Aphrodite Kallipygos

E Morris, o zoólogo nu,
escreveu aos oitenta anos,
o teu corpo,
como o faria
um rapazinho curioso
e sábio.

The end of evolution



Every woman has a beautiful body - beatiful because it is the brilliant end-point of millions of years of evolution. It is loaded with amazing adjustments and subtle refinements that make it the most remarkable organism on the planet.

Desmond Morris, The Naked Woman, a study of the female body.

10 maio 2005

Lúcia e o sexo (7)


No dia em que foram a Viseu e ele a levou à porta de casa (Que carro é que ele tinha? Acho que tinhas um Citroen Xara. Mas não era o Picasso era o Xara só.) Lúcia saiu do carro e abriu a porta das escadas. Ele seguiu-a (Como era a escada? Uma casa em Nelas é um prédio foleiro, com três andares, direito e esquerdo e escadas de mármore. De mármore branco. Não, a escada era de madeira lembro-me perfeitamente. E as paredes de granito. Porque é que hás-de dizer isso? A casa onde Lúcia morava era uma velha casa de granito com dois andares. Lúcia morava no rés-do-chão.) As escadas cheiravam a diospiros e mosto. (Sabes como é esse cheiro? Sempre me pareceu bom , mas não sabia que era a diospiros e a mosto. Era o cheiro do sótão, das arcas e das adegas, uma mistura.) Ela pareceu surpreendida por ele a seguir, tão decidido. Ele fechou a porta das escadas, Não havia luz (Havia a luz da rua coada pelo vidro fosco. Não, martelado). Tocou-lhe no pescoço, até à nuca. Tirou-lhe o casaco de malha. (Não tirou. Pôs-lhe os ombros a descoberto. Um ombro.) Beijou-a (Onde? Primeiro no ombro, depois no pescoço, depois na cara, depois nos lábios). Ela passou-lhe uma perna nas pernas dele. (Encostou o púbis ao dele? Como se era mais baixa? Quem te disse que sou mais baixa?) Sentiu o tesão dele. Ele teve vergonha e recuou. Ela pôs uma mão no bolso das calças dele e puxou-o. (Achas que sentiu o tesão dele? Claro que sentiu. Gostou? Ela gosta de sentir a tesão dele, claro que gosta e não tem dúvidas até aí. É por causa dela que o sexo dele está duro e ela adora essa espécie de domínio.) Era depressa demais. Uns minutos antes estava indeciso no carro, agora ali, pronto como um touro cobridor . ( Era depressa demais para Lúcia. Se era depressa demais porque é que me puxas? Porque tu fugias.)

O teu nome é o teu programa

Ontem apeteceu-me escrever sobre o congresso do BE mas, felizmente, passou-me a vontade rapidamente. Provavelmente ia ser injusto. Talvez não consiga nunca a ataraxia, talvez a ataraxia não seja um objectivo. Com os congressos do PSD, directos, competição fraticida, os nossos melhores comentadores a explicar, criamos uma relação familiar. A reunião do BE teve escassa cobertura mediática. Ou fui eu que estive desatento, quase só leio o jornal do Beato Fernandes, que não cito desde que quebrou aqui a sua relação gratuita com os leitores. Foi lá que li as perguntas ao Areosa Seio, mais do que uma vez assim nomeado. Sucede que o Paulo é Feio. Talvez não perca com a troca. Mas o que de mais próprio e genuíno o Paulo levava para o congresso era o seu nome, e um jornalista desatento com este pormenor não merece confiança nos outros.

André Bonirre, este sim é o dia


Foi num dia como este, anunciado pela Zazie, que nasceu André Bonirre, um comunista ingénuo que se fez libertário em Pankow (guardo as cartas). Engenheiro como Álvaro de Campos, pode ser abraçado em directo pelo Cinema Xunga, pela Acknowledge e pela Armanda. Teve o seu climax literário nas ilhas Atlânticas, à procura de Ana Paula Inácio, assombrado por Margarida Dutra, afinal a nossa galardoada Secretária Geral. Últimamente esmoreceu. Dedica-se à organização de eventos transculturais (happenings abastardados em casas devolutas, homenagens aos amigos, marchas serranas, copos). No seu sótão vive e escreve Bartleby. É, com a doce e discreta Sofia, o cimento, os alicerces, a cal e a mão-de-obra da Natureza do Mal.

09 maio 2005

A Dor


Durante uma semana Lúcia não telefonou nem mandou mails. Nem ele, um orgulhoso. Depois passou um mês e em breve um ano. Lúcia era uma pessoa de hábitos. Ele pensou que a iria encontrar na Reunião Para a Modernização Postal, na excursão que a Casa do Pessoal organiza às amendoeiras em flor, nas férias de Páscoa no Inatel de Foz do Arouce. Ela faltou sempre. Um dia ele telefonou para a Loja de Nelas. Lúcia despedira-se, saíra de Nelas, não podiam dar mais informações. Ele ouvia sem emoção. Quando pousou o telefone começou aquela dor tão intensa que parecia irreal. Já tivera muitas dores no passado. Mas, por horríveis que fossem, eram tudo dores que não iam durar. Esta era a dor que só podia piorar. A dor degenerativa. A dor.

Cortejo

O álcool e a aglomeração dos corpos pedem canções e apesar do Quim Barreiros (o Quim Barreiros é o cimento que une as últimas gerações estudantis de Coimbra) faltam canções a esta causa. Nos passeios as famílias têm o mesmo ar orgulhoso das claques do Big Brother. O problema da festa é a eliminação dos resíduos orgânicos. Em Coimbra, Amesterdão ou no Covent Garden a decomposição dos nitritos empesta o ar. A lava avança na direcção do rio.

08 maio 2005

O Perestrello

O Assis, o Craque, diz que nos idos do Campo de Santa Cruz, quando o Benfica marcava golos, quem primeiro começou a berrar o goooolo foi um tal Alfredo Bárrios Raposo. Não conheci. Para mim os relatos de futebol não têm piada nenhuma. Trazem-me sempre à cabeça imagens depressivas, gente agarrada ao transístor, e frases do género davam grandes passeios ao domingo. Há excepções como alguns relatos da RUC, sobretudo os que o Diogo Lucas Pires comenta. E claro, o Perestrello. O locutor que interrompia o relato para mandar sentar o espectador da frente, aquele parvalhão que se está sempre a levantar e não nos deixa ver o relvado, soltava aquelas opiniões bárbaras que se ouvem nos estádios, dava a táctica aos treinadores e conselhos aos jogadores, aos senhores do apito, aos dirigentes, às claques e à vasta audiência. Agora que ele se calou nem a rebienga é a mesma, nem ninguém vai tão cedo ripar assim a rapaqueca.

07 maio 2005

O Contraditório a que temos direito

Na antena 1, sexta feira às dezoito horas, passa um programa que tem como residentes Luís Delgado, Luís Osório e Carlos Magno. De Delgado não se vê luz no fundo do luto. Carlos Magno fala grosso e de alto, cita-se a si próprio, auto classifica-se de liberal. Para um liberal, Magno irrita-se excessivamente com as opiniões dos outros, mesmo se o espaço de discordância é mínimo naquele contraditório. Osório-director-de-A-Capital é um caso preocupante de envelhecimento. O rapaz de Portugalmente e de Zapping, essa lufada de ar fresco da televisão portuguesa, é agora um homem da palmadinha nas costas, untuoso, pedindo desculpa se se aventura demasiado. Na A1, entre Santarém e Torres Novas, o trânsito estava parado naquela hora.

Memória de um craque


O Craque é o Assis. Fernando Assis Pacheco, na infância de Coimbra, rua Guerra Junqueiro, rua Bernardo de Albuquerque, quintais das traseiras, pares contra ímpares, campo de santa Cruz, jogos de botão. Uma infância feliz, rodeado de gente amável. Como sempre a escrita de FAP é uma festa, uma mistura do calão juvenil dos anos cinquenta, as expressões da moda da primeira juventude do pós-guerra, o português erudito do estudante de Letras, a prosa barroca do jornalista desportivo da época , o vocabulário do futebol. E atrás daquilo, como no posfácio nota o Pina dos gatos, está o craque, um homem cheio de bonomia, auto-estima e talento.
A ler na Assírio, recolhido por Abel Barros Batista do Record de 1972 (!)

05 maio 2005

Este é o dia perfeito.

05.05.05

Lúcia e o sexo (3)

Aqui é só gente sem dormir, rapazes que anteciparam a Queima e se sentam nas escadas da Estação dos Correios à espera da misericórdia de um quarto.
Aqui é cerveja derramada.
Em Nelas é o vinho nas adegas.
Em Nelas, a esta hora, ainda se ouvem as alfaias agrícolas, os barulhos dos animais com penas, inquietos, a fala das vizinhas. Aqui é só gente sem esperança, a bola e o record, as revistas de coração qual é que sai hoje. Em Nelas as pessoas dizem bom- dia com a voz clara das beiras, dizem bom dia de b generoso.
Aqui é só contas devolvidas.
Em Nelas planos de aforro.
Aqui o dia ainda mal começou.
Em Nelas cozem batatas para o almoço.
Aqui ninguém olha para cima.
Lá é Lúcia no céu (de Nelas) com diamantes.

Lúcia e o sexo (2)



Quando se despediram em Nelas ficou a vê-la entrar em casa tentando sentir mais que uma vontade enorme de voltar à Estrada da Beira, à sua cidade. Depois pensou que era angústia, aquela urgência de nada. Ao sair do carro, já junto ao passeio, ela rodou o corpo, sem chegar a virar-se. Esse movimento enterneceu-o. Talvez a coisa desagradável que se apoderou dele seja afinal o desgosto de partir. Saíu do carro, caminhou para ela:
–Estou angustiado por te deixar, ouve-se a dizer.
Podemos saber se estamos apaixonados se nos ouvirmos a dizer coisas assim e elas soarem bem. É um critério estético. Alguma certeza deve existir e a congruência estética é um bom critério de verdade. Se a cena não lembrar uma peça de teatro universitário a probabilidade de não nos enganarmos é grande. Desta vez pareceu-lhe bonito e verdadeiro.
Lúcia respondeu:- Tolice tua. Não me veres não te faz falta nenhuma.
Sentiu-se culpado, mentiroso, ridículo.

03 maio 2005

The catastrophic collapse in morale among postmen

The Pillar-box, uma das mais prestigiadas revistas britânicas da especialidade, escrevia no dia 2 em editorial (The Pillar-box 2005:365; 1515 ): "Trabalhistas, conservadores e liberais-democratas todos falharam em propor medidas ao factor mais importante que afecta os serviços postais- o catastrófico colapso moral dos carteiros."
Isto mesmo leu ele ao telefone quando Lúcia ligou, agora à hora do almoço (será que ela vai começar a telefonar às terças e quintas?).
-O colapso moral dos carteiros, repetiu, enfático. Parecia-lhe uma boa frase.
-O colapso moral, disse Lúcia baixinho, antes de desligar.

O lado das corujas

Há dez anos comecei a coleccionar corujas. Corujas do campo, das torres, dos campanários, dos celeiros. E mochos-galegos também. De madeira, de cristal, de minerais raros, de sisal, porcelana. Acumularam-se numa sala, primeiro eram dezenas depois centenas. Os que me conhecem dão-me corujas. Ou mochos.
Hoje, ao chegar a casa, pareceu-me que alguma coisa tinha mudado. Estava sentado num cadeirão velho, o sol já estava baixo. De repente notei que as corujas olhavam todas para o mesmo lado. As corujas têm os olhos enormes fixos às órbitas e uma coluna cervical muito maleável. Talvez por isso sejam muitas vezes representadas com a cabeça voltada para um lado. Mas as corujas voltavam-se todas para o mesmo lado. Não vou dizer para que lado se voltavam porque há agora muitos leitores que a tudo atribuem um significado, suspensos dos sinais, das energias, do sentido oculto, dos desígnios, dos chás e das agulhas, das dietas e da meditação.Mas as corujas estavam todas voltadas para a porta, e à hora a que escrevo, embora ninguém tenha entrado nem rigorosamento nada tenha acontecido, é assim que permanecem.

02 maio 2005

Lúcia e o sexo



Hoje Lúcia não ligou. Talvez já tenha acontecido desde que se conheceram na formação, em Viseu. Mas ele preocupou-se. Passou a tarde distraído com o expediente. Não estava bem. Quando a Loja ficou vazia mandou-lhe um mail. Ela não respondeu. Telefonou para a Estação de Nelas. Uma imprudência. Há agora um chefe novo que sabe que até ao fim do ano os CTT emagrecerão mais cinquenta por cento e exerce um controlo policial sobre os funcionários. Ele não sabe se as chamadas fora das horas de serviço serão anotadas e lhe será pedida justificação. Na última avaliação já foi questionado sobre pequenas coisas como esta, ainda só como leve insinuação, discreta ameaça. Seja como for ninguém atendeu. Ouvia o telefone e via o largo da Estação dos CTT de Nelas, o monumento ao Escanção, os plátanos, a barraca das farturas, alguns reformados ao sol do fim de tarde. Ela tem telemóvel. Das poucas vezes em que estiveram juntos atendeu várias vezes. Era sempre a mãe, a propósito de qualquer insignificância. Mas não lhe deu o número nem ele o pediu. Podia procurar na rede fixa, sabe o nome de família, a lista de Nelas tem doze páginas, não ia ser difícil. Mas o que quer ele de Lúcia para estar assim, o que lhe vai dizer se ela atender? A questão do sexo, pensa. Lúcia há-de querer sexo. Quando antes de voltar a casa ele sai dos Correios, encontra-se com um ou outro amigo. Comem requeijão, bebem cerveja, falam de tudo, ou ficam calados à espera que anoiteça. Mas estão simplesmente a comer, a beber e a falar. Não estão suspensos pelo sexo. O sexo não se lhes atravessa nos silêncios, não têm que perceber pelas mãos, os joelhos, os olhos, se o que estão a dizer é só uma coisa sem importância, antes do sexo. Ele não gosta da premência do sexo. Uma vez passeou com Lúcia em Viseu e ela levou-o ao Palácio do Gelo. Ficou a vê-la patinar. Ela vestiu um fato justo e reparou-lhe na leveza, nas pernas magras, na cinta. Quando se aproximou vinha suada, pousou as mãos na balaustrada da pista e beijou-o. Depois, no regresso, apoiou-se no braço dele. Mas ele tinha de voltar naquele dia, não sabia como se faziam as coisas, tinha lido sobre as pensões em que se não dorme, talvez houvesse pensões assim nas ruas que em Viseu partem do Rossio para o recinto da Feira. Tudo isso era tão impossível para ele como calçar uns patins, dançar um tango ou concorrer a uma chefia. Quando se despediram em Nelas ficou a vê-la entrar em casa tentando sentir mais que uma vontade enorme de voltar à Estrada da Beira, à sua cidade. Talvez seja melhor assim. Ela desaparecer da sua vida. Há tempos leu A Juventude de Coetzee. Coetzee estava em Londres e uma tarde deixou-se levar por um homem. “Mal se falam. Deixa que o homem lhe toque por cima da roupa; não dá nada em troca. Se o homem tem um orgasmo é muito discretamente. Depois sai e volta para casa. Parece não haver nada em jogo. Nada a perder, mas nada a ganhar também. Um jogo para pessoas que têm medo das coisas a valer. Um jogo para perdedores.
Precisava que Lúcia o levasse assim. Depois pudesse sair e voltar para casa.

01 maio 2005

Política

Sobre isso não escrevo mais. Ou como dizia o outro, disso estamos falados. Não me interessa o sexo nem a paixão.

Percurso P7


para o André Bonirre


Partimos na dolina encharcada. Eu não sou do carso. Gosto da água nos regatos, dos xistos, do granito. Os canhões fluveocársicos apontam para o mar. É tudo o que te posso garantir. Do resto sabes tu: as galerias hipogeias, o anis pisado pelas botas, a púrpura a sair das rendas.

Estação de Nelas



Acabavam
com letra tremida: Tua mãe,
A mulher que te espera
.
Cartas que esperávamos em França
em Angola, na Suíça.
Saíram cartas
de assombrar
da Estação de Nelas.


Clignancourt, Cuíto, Morges.
Diamantina,
S.João d’el Rei.
Uma mulher como tu
Sabe de cor estes destinos
na Estação de Nelas.

Nusch



Je suis né pour te connaître
Pour te nommer



Em todos os lados
Escreveu o seu nome
(talvez fosse Nusch o nome da mulher).
Depois, era um poeta militante,
Chamou-lhe Liberdade.
Eram anos cruéis.
Hoje podemos escrever
O nome da pessoa amada.
Eu escrevi na neve de Lausanne
Numa praia de Creta
E agora no carso
Sempre
O mesmo nome.
O nome de Nusch,
A quem o nome foi negado
No tempo em que os poetas militantes
Não podiam escrever
Em toda a parte
O nome da pessoa amada.