31 janeiro 2008

O swing


Tracey Emin

É preciso ser autista, auto-centrado ou completamente desprovido de imaginação para ter de convocar um terceiro quando se quer ver a mulher amada a foder com Outro.

Etiquetas:

30 janeiro 2008

Fábula


Foto: Filipa Bonirre

[à maneira de Luís Sousa Costa]

Viram lobos pelas herdades. Bateram à porta. A criada abriu. Que viram lobos pelas herdades. A criada chamou o mordomo. Soltaram os cães. Os lobos comeram os cães.

Maria Velho da Costa

Etiquetas:

Adeus Campos


Yinka Shonibare
Gallantry and Criminal Conversation, 2002. Installation (detail)



Campos foi-se. Explodiu num momento de máximo protagonismo, entre duas entrevistas da sic e o espectáculo igualmente degradante da sua rua, dos seus motins. Espera-se que Campos leve consigo Pignatelli e o inefável secretário de quem ninguém recordará o nome. As emanações de Campos nos Conselhos de Administração dos Hospitais EPE e nas ARS vão hoje protestar a sua fidelidade à nova ministra da Saúde e agitar os tentáculos do monstro que os partidos do centro instalaram no governo do país, entre as repartições, o parlamento, as empresas e as sociedades discretas.
Campos e Pires de Lima representavam o pior de Sócrates: a arrogância, a pesporrência, o espírito vingativo, a submissão aos interesses económicos e, no caso de Pires de Lima, a ignorância. Sócrates quer ser amado pelos portugueses. A excessiva visibilidade destes parceiros deve-se ter tornado um pesadelo para o chefe do executivo. Ontem à tarde, interpelado pelos jornalistas, ele teve um movimento do corpo que simbolizava o seu estado de alma. Rodou sobre si próprio e fugiu para um lado qualquer, que por acaso era a esquerda, como se iniciasse, sem guarda-costas, um jogging solitário.

Etiquetas:

29 janeiro 2008

A felicidade sem Heine



Heinrich Heine, Oppenheimer 1831


- A felicidade dela nunca foi completa. Com o Geraldo tinha aquela desavença permanente. O homem não gostava de Jorge de Sena. Ela bem se esforçava. Mas sabes o que ela dizia? Que sentia mais com uma página das Novas Andanças do Demónio que com todo o esforço do rapaz. Agora é a poesia de Heine que lhe ensombra a relação.
- Heinrich Heine? Por tão pouco?
- Por tão pouco... depende do ponto de vista.
- Nem ao menos com o Navio Negreiro?

Etiquetas: ,

pin



Não quis insistir, mas confirmo o que me parecia. O mao que trazia é do andy wahrol. Fico mais descansada, porque seria incómodo andar com um mao que não fosse por razões estéticas e provocatórias. Mesmo assim tirei, porque receei estar a dar o grande salto para atrás.

//sent by Rosaarosa

Etiquetas:

Acidente

Um F21, aliás um F16, despenhou-se no pinhal de Leiria. O acidente é estranho mas já está esclarecido, apesar de ter sido nomeada a inevitável Comissão de Inquérito. Parece que 1) andaram a tunar, digo, a quitar o avião, alguma coisa têm que fazer na Força Aérea. As testemunhas presenciais - que querem sempre relatar-nos as coisas transcendentes que estavam a fazer quando viram o avião de combate- coincidem em dois pontos: 2)o piloto andava a fazer acobracias. E 3) insistem em que o piloto se injectou durante o vôo. A reportagem termina com a visão dos destroços, outra palavra que prejudica a notícia.

Etiquetas:

28 janeiro 2008

Alerta



É hoje evidente que o Sócrates ganhou, o Sócrates ganhou, já nem precisa de alugar namorada, joga à confiança, o Sócrates, o Pina Moura, aquele sr. doutor que ganhou as eleições e foi para o Banco dos Negócios, mais os anónimos discretos, os subsecretários, os gestores do QREN, os espertos do Alerta Alerta Está, a tia deles e Vossa Excelência senhor director geral, e o senhor empreiteiro, que tão bem protege o património, o senhor empreiteiro ganhou, nunca esteve em causa a sua vitória, aliás, a certeza da sua clara vitória só poderia ser objecto de uma dúvida, digamos, literária, uma pequena dúvida menor como a da execução do Programa Polis, faltam só 3745 dias para o Comboio da Lousã se tornar Metro Mondego, V. Ex.ª ganhou, a porra da democracia, o melhor regime na verdade, lá o obriga a aturar gajos como o Marinho Pinto, esse anarco-populista que os advogados pelintras elegeram, coisas da democracia, mas enquanto um Marinho vai e não vai, correm os negócios, e as Juntas Médicas reprovam e voltam a reprovar a professora cancerosa mas não têm a mínima dúvida em ver que V. Exª, Sr Presidente da Causa Real, está noventa e quatro por cento incapaz , que é como quem vê, completamente saudável para as nobres tarefas que o aguardam.

Etiquetas:

Memória de Janeiro



Quando a Dona Gracinda Nery era pequena, vivia nas ruas da Baixinha, junto ao Astória. Em fins de Janeiro o rio Mondego saía do leito e distribuía laranjas da Portagem à rua do Corvo. Não havia protecção civil, mas vinha um polícia, e era enorme com as botas de borracha, pegava na Dona Gracinda Nery ao colo alto e levava-a até um barco, rua Adelino Veiga abaixo, até à apoteose do Largo de Sansão.

Etiquetas:

Under your brand new leopard-skin pill-box hat

27 janeiro 2008

Tiveste muita sorte



Namorei-a três dias. Ao terceiro dia disse-lhe: - Não tenho jeito para namorar - namorava-a há três dias, dez minutos por dia, se tanto - não tenho jeito para isto. E era verdade. Antes dela só conheci uma mulher. A Carina Olson, sabe quem é a Carina Olson? Nem eu, mas foi a mulher da minha vida durante sete meses. Estava num calendário de parede, na lavandaria, quando lá cheguei. Eu era responsável por aquela roupa toda. Lençóis como este, toalhas, fronhas de almofadas. Treze toneladas de roupa de Santa Maria. Todos os dias. Uma tonelada da Estefânia. Três toneladas do Curry Cabral, cheias de sangue e supuração. Dezassete toneladas de roupa por dia. Lavada, enxuta e passada a ferro em menos de uma hora. Uma bata como a sua traz um litro de água à saída do túnel da máquina de lavar. Demora cinco segundos até ficar enxuta, engomada e dobrada. Um espanto, não é? E durante esses meses, na lavandaria, a controlar aquele espanto, sabe quem é que lá estava? Eu e a Carina Olson. Se eu adoecesse nessa altura, ou tivesse um acidente grave, daqueles que atiram um homem para a escuridão, quem viria comigo havia de ser a Carina Olson. Não havia outra até ao dia em que conheci a minha mulher. Trabalhava numa copa, levava comida aos doentes de Oncologia. Namorámos os tais três dias, como lhe disse. E ao terceiro dia fui assim para ela: - Queres vir viver comigo? Respondeu-me: -Pode ser. Não tinha nenhum pertence, nem família, a minha mulher é órfã, e a roupa dela era a que trazia vestida. Eu comprei-lhe roupa, uma blusa, uma saia, meias e até roupa interior lhe comprei. Depois levei-a para casa e disse à minha mãe: - Esta é a minha mulher, vem viver connosco. Foi há oito anos. A minha mãe ainda agora diz:- Tiveste muita sorte, podia ter-te calhado uma ladra, um estupor, uma pega, sei lá. Mas é uma mulher como viu, cá está ela a telefonar, dê-me licença, ainda agora chegaste a casa e já me estás a telefonar, está bem, mulher, alma assustada, está bem, eu digo-lhe, ele está aqui ao meu lado, não percebo para que é que queres isso mas digo-lhe, adeus, anda, mulher, vai descansar agora que bem precisas.

Etiquetas:

25 janeiro 2008

In anima vili


Foto: Filipa Bonirre

"Sejamos preguiçosos em tudo, excepto em amar e em beber, excepto em sermos preguiçosos." LESSING


Une étrange folie possède les classes ouvrières des nations où règne la civilisation capitaliste. Cette folie traîne à sa suite des misères individuelles et sociales qui, depuis des siècles, torturent la triste humanité. Cette folie est l'amour du travail, la passion moribonde du travail, poussée jusqu'à l'épuisement des forces vitales de l'individu et de sa progéniture. Au lieu de réagir contre cette aberration mentale, les prêtres, les économistes, les moralistes, ont sacro-sanctifié le travail. Hommes aveugles et bornés, ils ont voulu être plus sages que leur Dieu; hommes faibles et méprisables, ils ont voulu réhabiliter ce que leur Dieu avait maudit. Moi, qui ne professe d'être chrétien, économe et moral, j'en appelle de leur jugement à celui de leur Dieu; des prédications de leur morale religieuse, économique, libre penseuse, aux épouvantables conséquences du travail dans la société capitaliste.

Etiquetas: , ,

24 janeiro 2008

Aqui não



A dona Maria, que é um amor, mesmo um doce, bué da fixe, está postada no corredor do Bloco D, e é logo
- Aqui, não.
A Zé Dread, uma que anda sempre em pijama, com crista verde, e trava à entrada da sala como se viesse a patinar, , atira a cabeça para trás e levanta os braços
- B' dia setôra, b' dia todos.
mesmo a Zé Dread, esse must, se nos sentamos no corredor, assim, lado a lado, só de mão dada, estás a ver, não é na posição de sapinho, nem de colo frontal, assim, com juizinho, vem logo
-Aqui não.
Todas, todas, todinhas, é bué de irritante, vêm-se mitrar de todo o lado, saem das pedras para cima de nós a dizer
-Aqui não.
Mas se aqui não, onde então? Querem que saltemos a cerca? Que vamos para o ginásio como os degenerados dar filme ao tarado do Joaquim? Que idade tinhas quando beijaste? Na boca. Para não perguntar aquilo que não vou perguntar. Outro dia estávamos numas escadas e chega uma vizinha, é sempre a mesma, nunca acerta com a chave na fechadura, fica horas a experimentar, parece que bebeu, caladita que nem uma rata, mas nesse dia até nos assustou, nunca tínhamos ouvido a voz dela e de repente a mulher parecia que estava a rezar, queres ver que está a dizer Aqui não, Aqui não, aqui aqui Aqui Não? Virámo-nos, e ela, havias de ver o susto, de olhos fechados no cimo da escada
- Meninos, esperem que chegue a noite.

//com Frances M.

Etiquetas:

23 janeiro 2008

Desidério Murcho



Se alguém tem contribuido para a divulgação da filosofia, quer através de escritos próprios, traduções, da edição de dicionários e da direcção de colecções temáticas, esse alguém é Desidério Murcho. A sua colaboração periódica como colunista do Público é um acontecimento, apesar do lugar pouco saliente que o jornal destina a essa colaboração. Ontem Desidério Murcho não desiludiu, tratando de forma acessível o tema da tolerância. Só lamento que tivesse utilizado três vezes a palavra epistémico, sem que esse uso contribuísse claramente para a minha apropriação racional desse saber comunicado.

Etiquetas: ,

21 janeiro 2008

Cinema em Coimbra



Expiação é um filme para Óscares, esteticista, sem unidade formal nem espessura. Os sonhos de Cassandra, o último de Woody Allen, uma chatice. Nem uma centelha de génio, nem uma surpresa, nem Scarlett Johanson. Jogos de Poder ,com o Tom Hanks, é cinema de indigentes para indigentes. O filme romeno Quatro meses, três semanas e dois dias, cuja estreia era anunciada em Coimbra no passado dia 17, foi retirado sem explicações. O que sobra é Control- os joy division fotografados por Anton Corbijn- e a programação das segundas-feiras do TAGV.

Etiquetas: ,

20 janeiro 2008

Para que serve lutar



O Castor faz cem anos, como tem sido referido com abundância. O canal Arte exibiu recentemente um filme sobre a sua vida e Alexandra Lucas Coelho, num suplemento do Público (9 de janeiro) deu conta de alguns livros recentes, e de edições de revistas que lhe são dedicadas (entre elas a de janeiro do Magazine littéraire, onde Sylvie le Bon de Beauvoir apresenta os Cadernos de Juventude, anunciados para março na Gallimard). Dos materiais difundidos retive uma frase de "Idealismo moral e realismo político":

para que serve lutar se abolimos na luta todas as razões pelas quais tínhamos escolhido lutar?


Uma das vossas avós faz cem anos. Talvez o mais importante fosse lê-la. Ao menos a selecção de 144 páginas que a Folio fez do Segundo Sexo, com o título La femme indépendente. Lê-se num instante e a vossa avó merece. Merecemos todos e todas até a Teresa Sá e Melo (Público de 17.01.08, link não disponível para um artigo teórico onde a Teresa, talvez preocupada com a revoada de leitores que o centenário vai trazer para os textos do Castor, explica que o feminismo da Beauvoir não é o bom feminismo).

Etiquetas: ,

18 janeiro 2008

É um despacho (nº 187/2007)

Educação dos sentidos



Ao entrar no carro cheira
-me a cão vadio
e no gabinete dos Correios ganhei
o tique de olhar para as
solas das botas

É assim que sei que cheiro a suor
que cheiro a merda

Etiquetas: ,

17 janeiro 2008

La cucharada estrecha


Foto: Filipa Bonirre

Un fama descubrió que la virtud era un microbio redondo y lleno de patas. Instantáneamente dio a beber una gran cucharada de virtud a su suegra. El resultado fue horrible: Esta señora renunció a sus comentarios mordaces, fundó un club para la protección de alpinistas extraviados y en menos de dos meses se condujo de manera tan ejemplar que los defectos de su hija, hasta entonces inadvertidos, pasaron a primer plano con gran sobresalto y estupefacción del fama. No le quedó más remedio que dar una cucharada de virtud a su mujer, la cual lo abandonó esa misma noche por encontrarlo grosero, insignificante, y en un todo diferente de los arquetipos morales que flotaban rutilando ante sus ojos.

El fama lo pensó largamente, y al final se tomó un frasco de virtud. Pero lo mismo sigue viviendo solo y triste. Cuando se cruza en la calle con su suegra o su mujer, ambos se saludan respetuosamente y desde lejos. No se atreven ni siquiera a hablarse, tanta es su respectiva perfección y el miedo que tienen de contaminarse.

Julio Cortázar / Historias de Cronopios y de Famas

Etiquetas: ,

Hora da sedução



Os que mandam ora atemorizam, ora seduzem. Os fracos que obedecem vivem geralmente em silêncio. Mas há neles uma pulsão do aplauso. Quando batem palmas aos que mandam, quando estendem passadeiras, lançam balões, desfraldam bandeiras, os fracos que obedecem sentem-se fortes.

Etiquetas:

16 janeiro 2008

O ano passado em Mazan



O ano passado em Mazan
de onde vinham estas toalhas
esta luz a casa em Mazan cheirava
aos residentes um rapaz
que falava a língua deles uma moça
da terra para os quartos a cozinheira
que vem de Carpentras é o cheiro
do ylang negro dos musgos de Mazan.

Depois do jantar o ano passado
ficávamos na sala em Mazan e eu
entregava-me transido ao uso antigo
os receptores de nicotina como um tapete
vivo que implorava e tu dizias
o ano passado que eras a minha menina
em Mazan a minha puta.

Etiquetas:

A floresta è jovem e cheja de vida



Foto: Filipa Bonirre

O senhor Palomar decide que, de agora em diante, fará como se estivesse morto, para ver como corre o mundo sem ele. Há já algum tempo que se apercebeu de que entre ele e o mundo as coisas já não correm como antigamente; se antes lhe parecia que esperavam ambos alguma coisa um do outro, ele e o mundo, agora já não se lembra do que havia a esperar, de mal ou de bem, nem porque é que este esperar o mantinha numa perpétua agitação ansiosa.

Como aprender a estar morto, Palomar, Italo Calvino

Etiquetas: ,

15 janeiro 2008

No me llores no



As promoções do supermercado Moledo, as excursões do turismo religioso, o cartão de visitas de Délia Maria, sucateira, recebe qualquer objecto, passa a buscar no espaço de uma hora, as multas da Polícia, as intimações dos Tribunais, a propaganda pró-activa do candidato da mudança e a propaganda reactiva do candidato da mudança, o Imposto sobre a existência, o seguro da casa, o seguro da vida, o seguro do carro, o seguro do recheio, o seguro do trabalho, o débito bancário, a conta do condomínio, a conta da EDP, da PT, das Águas de Portugal, do Gás de Portugal, da TeleUm, João Forjaz Sampaio, todo o tipo de pavimentos flutuantes, a verdadeira Igreja Maná, um convite para a inauguração do centésimo consultório de Pedro Chop Suey, o folheto em que a pança de Pata Pina se perfila para a Junta, Serviço Coma em Casa, você encomenda um prato de um dos seus restaurantes favoritos e nós vamos entregar-lhe, desde que não peça Tripas à Moda do Porto, Farinheira, Alheiras de Mirandela, essas porcarias que você come, Saúde 21, uma solução integrada para a sua família exceptuando a saúde oral, aí tem de ser o Sorriso Perfeito, exceptuando Ortodôncia, aí tem de assinar o Plano Especial Ortodoncia, exceptuando próteses e implantes, exceptuando lentes de contacto, aí tem de ser o Plano Olho São, exceptuando a mama, a próstata, o fígado, as vísceras macissas em geral, aí tem de ser o Plano Miudezas, exceptuando o pulmão, se fumar, a gota, se comer, a pele, se se expuser demasiado, aí tem de ser o Plano Estilos de Vida, não leias as letras miudinhas, não, não verifiques as parcelas do débito, não, não leias os avisos de débito/recibo, não, não cumpras os prazos, não, Estimado Cliente, nos termos do Decreto-Lei 155525 alterado pelo Decreto-Lei 324344 de 29 de Julho, sem perceberes, sem qualquer aviso prévio e sem possibilidade de seres reposto em vigor, fodemos-te.

Etiquetas:

Àcerca de morder a língua

Foto: Filipa Bonirre

Numa época e num país no qual todos se pelam por proclamar opiniões ou juizos, o senhor Palomar ganhou o hábito de morder a língua três vezes antes de fazer qualquer afirmação. Se, à terceira dentada na língua, ainda está convencido daquilo que estava para dizer, di-lo; se não, fica calado. Com efeito, passa semanas e meses inteiros em silêncio.

Palomar, Italo Calvino

Etiquetas: ,

14 janeiro 2008

Fama y eucalipto


Foto: Filipa Bonirre

Un fama anda por el bosque y aunque no necesita leña mira codiciosamente los árboles. Los árboles tienen un miedo terrible porque conocen las costumbres de los famas y temen lo peor. En medio de todos está un eucalipto hermoso, y el fama al verlo da un grito de alegría y baila tregua y baila catala en torno del perturbado eucalipto, diciendo así:
-Hojas antisépticas, invierno con salud, gran higiene.
Saca un hacha y golpea al eucalipto en el estómago, sin importársele nada. El eucalipto gime, herido de muerte, y los otros árboles oyen que dice entre suspiros:
-Pensar que este imbécil no tenía más que comprarse unas pastillas Valda.

Julio Cortázar / Historias de Cronopios y de Famas / Sus historias naturales

Etiquetas: ,

Argumento em Arles


Olha Rosa, já que perguntas, então eu digo-te que o último argumento que se me atravessou foi na noite de ano novo, no Hotel Nord Pinus, em Arles, quando a recepcionista me disse que não gostava do Montalban. Ainda nem me tinha dado a chave do quarto e já me falava assim. Para me recomendar Milénio, não o do malogrado catalão, mas de outro que está a vender bem, ao que parece, nas Fenaques de França. Eu disse-lhe que Milénio, para mim, era o do Pepe Carvalho. Gerou-se logo ali um pequeno motim feminista e lembrei-me de ti nessa noite, por ser fim-de-ano e seres assim tão contrária às minhas preferências literárias que decerto aumentarias as hostes das que, numa data tão favorável à concórdia, se uniam contra mim. Lembrei-me sem me lembrar, que nesses dias eu já não atribuía o teu silêncio às deficiências do operador de roaming. Há alguns dias que me esforçava por ignorar a tua existência. A tua existência espanhola. Podias gritar por auxílio que eu não ouviria. Podias pedir um par de botas. Eu não mexeria um dedo por ti. Já alguma vez, nas férias, abandonaste um cão no canil? Quando voltas ele não te devolve o olhar, já não te come à mão, não sacode o rabo. Levemente amuado sentei-me no hall. Via a caligrafia da baronesa Blixen, as fotos do pintores, dos toureiros, dos escritores. E se fechasse os olhos podia ouvir-te, no bar, a garantir que não era só do Montalban que não gostavas. Era do John Gray, do Roth, do Coetzee, do Dawkins, de passear a pé no campo, da noção de passear a pé e da noção de campo. Depois saíste para a Place do Fórum e começaste a atirar o pau a um cão, cena que os turistas retardatários ainda registaram.

Etiquetas: ,

11 janeiro 2008

Historia


Foto: Filipa Bonirre

Un cronopio pequeñito buscaba la llave de la puerta de la calle en la mesa de luz, la mesa de luz en en dormitorio, el dormitorio en la casa, la casa en la calle.

Aquí se detenía el cronopio, pues para salir a la calle precisaba la llave de la puerta.

Julio Cortázar / Historias de Cronopios y de Famas

Etiquetas: ,

Sabão de Marselha


Sam Taylor Wood



A mulher que conheci em
Villeneuve lez Avignon
e que cuidava do pombal da terra
A que fazia as limpezas no Priorado
e às sextas de manhã nas feiras
vendia facas Laguiolle
A que não atravessa o rio Ródano
sem dizer uma frase em Provençal
que quer dizer deus me guarde
dos assaltantes
da inveja e dos marinheiros
que sobem o rio Ródano
A que me trouxe o corpo alvoroçado
Fui perdê-la à costa
no cinema das Arcadas

Não se lava uma mulher do interior
com sabão de Marselha

Etiquetas:

10 janeiro 2008

El canto de los cronopios


Foto: Filipa Bonirre

Cuando los cronopios cantan sus canciones preferidas, se entusiasman de tal manera que con frecuencia se dejan atropellar por camiones y ciclistas, se caen por la ventana, y pierden lo que llevaban en los bolsillos y hasta la cuenta de los días.

Cuando un cronopio canta, las esperanzas y los famas acuden a escucharlo aunque no comprenden mucho su arrebato y en general se muestran algo escandalizados. En medio del corro el cronopio levanta sus bracitos como si sostuviera el sol, como si el cielo fuera una bandeja y el sol la cabeza del Bautista, de modo que la canción del cronopio es Salomé desnuda danzando para los famas y las esperanzas que están ahí boquiabiertos y preguntándose si el señor cura, si las conveniencias. Pero como en el fondo son buenos (los famas son buenos y las esperanzas bobas), acaban aplaudiendo al cronopio, que se recobra sobresaltado, mira en torno y se pone también a aplaudir, pobrecito.

Julio Cortázar / Historias de Cronopios y de Famas

Etiquetas:

09 janeiro 2008

Progreso y retroceso


Foto: Filipa Bonirre

Inventaron un cristal que dejaba pasar las moscas. La mosca venía empujaba un poco con la cabeza y, pop, ya estaba del otro lado. Alegría enormísima de la mosca.

Todo lo arruinó un sabio húngaro al descubrir que la mosca podía entrar pero no salir, o viceversa a causa de no se sabe que macana en la flexibilidad de las fibras de este cristal, que era muy fibroso. En seguida inventaron el cazamoscas con un terrón de azúcar dentro, y muchas moscas morían desesperadas. Así acabó toda posible confraternidad con estos animales dignos de mejor suerte.


Julio Cortázar / Historias de Cronopios y de Famas

Etiquetas:

08 janeiro 2008

Flor y cronopio


Foto: Filipa Bonirre

Un cronopio encuentra una flor solitaria en medio de los campos. Primero la va a arrancar, pero piensa que es una crueldad inútil y se pone de rodillas a su lado y juega alegremente con la flor, a saber: le acaricia los pétalos, la sopla para que baile, zumba como una abeja, huele su perfume, y finalmente se acuesta debajo de la flor y se duerme envuelto en una gran paz.
La flor piensa: «Es como una flor».

Julio Cortázar / Historias de Cronopios y de Famas

Etiquetas:

Na fila


John Coplans


Hoje às 08:50 h pus o dedo
no cadafalso e debaixo da câmara
de vigilância senti
com os das fábricas e das oficinas
a mesma humilhação o mesmo ódio

Etiquetas:

07 janeiro 2008

A retracção do mundo


Nadav Kander

Há uns anos Umberto Ecco imaginava um futuro distópico em que a circulação se retraía e numerosos poderes regionais disputavam os espaços das antigas nações. Independentemente da ideia que cada um tenha do rally Qualquer Coisa-Dakar, a notícia do seu cancelamento assinala o princípio do fim da mundialização, às mãos do terrorismo islâmico e da geração de líderes de vaudeville que chegou ao poder na Europa neste princípio de século.

Etiquetas:

06 janeiro 2008

Luiz Pacheco (1925 -2008)



Morreu o Pacheco, num lar do Montijo. Deixou um livro: Comunidade. O primeiro elogio vem do site do Círculo de Leitores. Aí se escreve que faleceu sábado à noite aos 82 anos, depois de dar entrada já sem vida no Hospital do Montijo.
Pacheco não diria melhor.

Etiquetas: ,

Alguns livros de 2007 (que não li): os livros da editora Averno



Uma das nossas melhores editoras é a Averno, de Manuel de Freitas. Telhados de Vidro reúne periodicamente os melhores originais da poesia portuguesa contemporânea. Recentemente a Averno editou os poemas de A.M. Pires Cabral, Manuel de Freitas, Vítor Nogueira e Rui Pires Cabral,debaixo do título Novas Memórias de Ansiães, e o que penso ser o livro de estreia, em poesia, de Alexandre Sarrazola, Thaumatrope(ver curta passagem pelo blog O cavalo de dom José) e a excelente tradução, já aqui referida, de Em Nenhum Paraíso de Diogo Lancel.
As edições Averno foram compostas e paginadas pelo Olímpio Ferreira (ver aqui e aqui).

Etiquetas: ,

Alguns Livros de 2007 ( que não li): Ateísmo



Os livros recentemente traduzidos sobre Ateísmo mereceram justo relevo (resumos de José Manuel Fernandes no P2 e tema central do número de dezembro da revista Os Meus Livros). Sobre o tema a Cambridge University Press publicou, em 2007, na prestigiada colecção The Cambridge Companion, um livro editado por Michael Martin, da Universidade de Boston. Logo no prefácio aprendo que sou um ateu negativo em sentido lato. Não acredito em qualquer deus ou deuses e não apenas no deus teísta. Isto é para mim tão claro que não me passa pela cabeça refutar as razões para acreditar, nem, muito menos, procurar razões para não acreditar num deus ou deuses. Se o fizesse, poderia ser um ateu positivo em sentido lato. Em contrapartida sou um ateu positivo em sentido estrito no que diz respeito ao deus de Kaká, o bota de ouro, revelado a Estêvão e Sónia Hernandez.



The Cambridge Companion to Atheism
Series: Cambridge Companions to Philosophy
Edited by Michael Martin
Boston University

Etiquetas: ,

Os livros de 2007 (que não li): Peter Sloterdijk



Depois de, na trilogia Esferas (Bolhas, espumas e Globos), Sloterdijk ter procedido a uma narrativa pessoal do mundo, para lá das grandes narrativas desmascaradas – cristã, liberal-progressista, hegeliana, marxista, fascista- este autor publica dois livros. Um em que aborda a Cólera como o motor principal da civilização ocidental. O outro é o excelente Palácio de Cristal, No interior do capitalismo planetário, onde resume a sua teoria do sistema mundo e, na sua fascinante linguagem hiperbólica, passa em revista a história dos tempos modernos e da constituição da esfera actual de conforto e “mimo”. Uma citação sobre a primeira mundialização para se perceber o poder das sínteses de Sloterdjik:

A história do mundo consistia em fazer emergir a Terra como vector das culturas e dos êxtases. A sua linha política era a unilateralidade triunfante das nações europeias em expansão; o seu estilo lógico é a concepção indiferente de todas as coisas sob o signo do espaço homogéneo, do tempo homogéneo e do valor homogéneo; o seu modo operatório é a condensação; o seu resultado económico é o sistema económico mundial; os seus fundamentos energéticos mantêm-se os combustíveis fósseis sempre superabundantes; as suas atitudes estéticas primárias são a expressão histérica dos sentimentos e o culto da explosão; o seu resultado psicosocial é a obrigação de se tornar cúmplice da miséria longínqua; a sua oportunidade vital é a possibilidade de efectuar uma comparação intercultural entre as fontes da felicidade e as estratégias de gestão do risco; a sua ponta moral é a passagem da ética de reconquista à ética do deixar-se-seduzir por aquilo que se conquistou; a sua tendência civilizadora exprime-se num complexo denso de descargas, seguranças e garantias de conforto; o seu desafio antropológico é a produção em massa de “últimos homens”; a sua consequência filosófica é a ocasião de ver a Terra una surgir nos inumeráveis cérebros..
Peter Sloterdijk
Le palais de cristal
Maren Sell Editeurs, 2006

Etiquetas: ,

Alguns Livros de 2007 ( que não li): J.M.Coetzee




J.M. Coetzee. Depois de Disgrace, que copiei para este blog no seu primeiro ano de existência, Coetzee é o meu escritor preferido. Gosto da secura, do despojamento, da solidão, do perigo que se aproxima e se instala sem se conseguir nomear, da aproximação aos grandes escritores russos, nos temas e no estilo. Aprendi com ele a vertigem de Elisabeth Costello, e passei, nos momentos de lucidez em que me afasto da minha limitada visão especista, a ver a Terra como um grande matadouro, onde a espécie triunfante criou espaços concentracionários de aniquilação em massa destinados a espécies, inicialmente domesticadas e depois condenadas a um cativeiro inenarrável.
De Coetzee surgiu este ano a tradução de Vida e Tempos de Michael K., de 1983. Infelizmente não se traduziu Slow Man, de 2004, nem Diary of a Bad Year, de 2007, apesar dos temas deste último serem incontornáveis (o mundo depois de Bush, Tony Blair e a invasão do Iraque, para resumir mal).
Ficam assim por conhecer, além da mais recente produção ficcional, os dois excelentes tomos de memória ficcionada juvenil e do início da idade adulta- Boyhood: scenes of provincial life e Youth: scenes of provincial life II (traduzidos no Brasil)- bem como a extensa obra de crítica e ensaio (reunida em White Writing, Doubling the point, Stanger Shores e Inner Workings).

Etiquetas: ,

05 janeiro 2008

Home Stories (Matthias Müller, 1990)

Darkness Light Darkness (Jan Svankmajer, 1989)

B & W


Filipa Bonirre

Etiquetas:

04 janeiro 2008

Chott el-Djerid (Bill Viola, 1979)

L'homme qui aimait les femmes (François Truffaut, 1977)

Siga em frente, passagem livre


Filipa Bonirre

Etiquetas:

03 janeiro 2008

Strategia del ragno (Bernardo Bertolucci, 1970)

Blow-up (Michelangelo Antonioni, 1966)

Pode ser considerada um tanto ou quanto desmasculinizante


Filipa Bonirre

Etiquetas:

02 janeiro 2008

Giulietta degli spiriti (Federico Fellini, 1965)

La jetée (Chris Marker, 1962)

É considerada a que mais atrai os olhos

Filipa Bonirre

Etiquetas:

01 janeiro 2008

L'Année dernière à Marienbad (Alain Resnais, 1961)

À bout de souffle (Jean-Luc Godard, 1960)