30 setembro 2003

Caminhos

Passeios
entreter-te entre ter-te e não ter

Passeio, com a devida vénia, à montanha
Quando o Rui regava com gotas quentes: “Que as montanhas nos possuam, nos embebedem, nos embalem... até ao mais longínquo lado vermelho e fugaz da luz cósmica...”

Passeio cifrado
anoitrshalargaragemetudoentesrivamosotufugiral
xxxxxxxxx-----xxxxxx----xxxxxxx-----xxx-----xx
.........larga......tudo.......vamos...fugir..

Passeio pontual
A hora tinha de ser exacta, nesse dia e local, com os exactos adereços de reconhecimento e confirmação. Nove e trinta da manhã, 27-Setembro-1971, um miradouro sobre o Tejo, na mão direita a revista combinada, a senha e contra-senha memorizadas, mil vezes repetidas, 20 minutos de recurso. Vim com 3 minutos de avanço, terei sido o primeiro a chegar?, na mão esquerda um cigarro não previsto, um olhar de relance, uma leitura fingida, breve, avisto-o, abraçamo-nos, cumprimos depois disciplinados as frases improváveis entre gargalhadas.. está mais magro com a clandestinidade.

André Bonirre

Só para ver se eles lêem a blogosfera

agora que o bom tempo voltou podemos caminhar de novo nas montanhas. este fim de semana oh companheir@s no lugar do costume e àquela hora matinal que tanto vos irrita. o destino é o gerês, dos trilhos de torga, que cultural

Neotenia

Impossível perceber alguma coisa do comportamento da espécie a que pertencemos sem aprofundar o conceito de neotenia- processo que retarda a maturação da espécie humana em comparação com outros primatas, permitindo uma longuíssima infância e um crescimento do neocórtex que está, talvez, na base da linguagem e da cultura. Neotenia é também o fascínio que temos pelas formas jovens da espécie e assegura o lugar importante da indústria ligada à conservação e simulação das formas juvenis, do paleolítico à contemporaneidade. Neotenia é ainda o medo fascinado com que lemos os nossos poetas nos instantes em que a infância os assombra.(Voltarei a este tema, como dizem por aqui, ).
Claudio Moraes sarmento escreve aqui um artigo inspirador intitulado O Equívoco do Tempo.

na Revista Portuguesa de Grupanálise, edição Fim de Século, Primavera de 2003
Sarmento CM. O Equívoco do Tempo, Rev Port Grupanalise 2003; 5:21-27

Alguém que diga a EPC

Eduardo Prado Coelho faz o rescaldo do Verão e conclui dizendo que a oposição vai à frente nas sondagens. As sondagens são um elemento do país-representação, espectáculo, da forma como a nação se vê e produz as suas imagens espectrais. Para lá desse país há o portugal dos cidadãos, quando se encontram sózinhos consigo próprios, no abismo das suas consciências. É preciso que alguém diga a EPC que aí, aquilo a que ele chama os partidos de oposição, já arderam e foi antes do verão.

O mais patriota

Tenho pena de não conseguir editar a foto que acompanha o artigo aqui publicado ontem (e que leva o sibilino título "Portas faz renovação recorrendo aos jovens e fiéis apoiantes"). Mostra em grande plano algumas das figuras de proa do partido a cantar o hino nacional. Confirma-se aquela púdica exibição de valores profundos que as câmaras indiscretas tinham captado nas cerimónias do ten.cor. Maggiolo. Vê-se claramente que Paulo Portas é um patriota. Incomparávelmente mais patriota do que eu, o que é facílimo. Mas claramente mais patriota que qualquer dos que o cercam- e isso é reconfortante.

29 setembro 2003

Lisa voltou

Ela cantava tão bem.
Sussurrava frases
as mais das vezes inaudíveis
com uma acentuação única

Como o seu nome
de vogais abertas
Ekdahl

Dois rapazes de cabelo
ralo
espetado
tocavam com ela
desde a escola

Depois conheceu aquele
brasileiro de Paris
com o vício absurdo
da bossa nova.

Foram maus tempos
para nós

Agora parece convalescer
e podemos ouvir
de novo
"There was a boy
a very small enchanted boy
They say he wandered very far
Very far
Over land and sea
A little shy and sad of eye
But very wise was he"

Vincent

pela sonda
onde escorria ainda
a papa de leite
o mct-oil
os amino-ácidos essenciais

pelo botão gástrico

teve hoje
a minha mãe
finalmente coragem
para me dar

o pentotal

Os poetas de O Mal: Manuel de Freitas

N.1972

Todos contentes e eu também, Campo das Letras, 2000
Os Infernos Artificiais, Frenesi, 2001
BWV 244, Edição do Autor, 2001
Isilda ou a Nudez dos Códigos de Barras, Black Sun, 2001
Game Over, Etc, 2002
(Sic), Assírio e Alvim, 2002
Levadas, Edição Do Autor, 2002
Buchlein fur Johann Sebastian Bach, Assírio e Alvim, 2003
Beau Séjour, Assírio e Alvim, 2003

Danças?

"Dança saborosa"
Logo à noite merengo-te!

"Aula de danzon"
Começo a falar logo no arranque do primeiro quadrado para a frente. Com este movimento optimista embalo o discurso com um tom confiante. Depois olho-te e mantenho-me calado colado durante o quadrado para trás. Enquanto enrolamos e desenrolamos as voltas, improviso conversa ritmada circular para desanuviar. A seguir, no breve deslocamento lateral, largo duas palavras curtas desconcertantes a preparar a tua volta. Vejo-te deleitado a rodopiar leve e graciosa algo perturbada por essas poucas palavras. E, num final que se quer arrebatador, remato compassado com as cruzes caprichadamente danzonadas... Afinal faltei à aula e não dancei danzon contigo.

"Ao som do danzon"
Éramos muitos, demasiados e estávamos mal habituados. Ninguém ficava de (a)braço vazio. Agora, tão poucos, todos ficámos a saber como somos (in)desejados.

"Danças latinas"
Danzaste, quadraste, enxuflaste, mambitaste e agora tchatchaste.
Rodopio, oscilo, vacilo e derrubo-me.

"Danças com pezinhos de lã"
Amanhã não me escapas!, isto é uma-chá-chá-chá-ameaça.

ANDRÉ BONIRRE

A Senhora Emily Dickinson

Insignificante recolha de versos da Senhora Emily Dickinson
dedicada aos poetas da blogosfera,
com votos de bom proveito
e a recomendação de não se aventurarem demasiado na sua” vida atormentada” :
Os poemas foram escritos entre 1860 e 1885 e a publicação iniciou-se, como sabem, quatro anos após a sua morte.
Créditos a Nuno Vieira de Almeida, Nuno Júdice e Ana Luísa Amaral.

249.
Noites Selvagens- Noites Selvagens!
Estivesse eu contigo
As Noites Selvagens seriam
A nossa luxúria!

Fúteis- os Ventos-
Para um Coração no porto-
Inúteis as Bússolas-
Inútil o Mapa!

Remando no Paraíso-
Ah, o Mar!
Pudesse eu atracar - Esta noite-
Em Ti!

258

Há um certo Ângulo de luz,Nas Tardes de Inverno-
Que oprime, como a Pesada
Música das Catedrais- (...)


306.

Os instantes Superiores da AlmaAcontecem-lhe- na solidão-
Quando o amigo- e a ocasião Terrena
Se retiram para muito longe


754

A minha vida encostou-se- Arma Carregada-
A um canto- até que um Dia
O Dono passou- reconheceu-me-
E levou-me consigo-

E agora assombramos as Florestas Reais
(...)

860
A Ausência desincorpora- e assim faz a Morte
Escondendo os indivíduos da Terra
A Superstição ajuda, tal como o amor-
A Ternura diminui à medida que a experimentamos-

863

Não faz mais que acender Lâmpadas-
O Poeta-e vai-se embora-
(...)

1129
Diz toda a Verdade mas di-la tendenciosamente-
(...)
A Verdade deve ofuscar gradualmente
Ou cada homem ficará cego-



1247
Acumular-se como um Trovão no limite
Depois a queda enorme
Enquanto a Criação se esconde
Isto- seria a Poesia-

Ou o Amor- os dois são coevos-
Experimentamo-los sem os provar-
Vivemo-los e consomem-nos-
Ninguém vê Deus e sobrevive-

1297

Vai devagar, minha alma, para te alimentares
De tão rara aproximação-
Vai depressa, senão a Morte Competidora
Prevalecerá sobre a Carruagem-
Vai tímida, senão o seu olho final
Pode não te encontrar-
Vai ousadamente- pois pagaste o preço
Da Redenção- com um Beijo-

1309
(...)
Mas como chega tão sublime
O que nunca se foi embora?

1392
Hope is a strange invention-
A Patent of the Heart-
(…)

1651
(…)
A word that breathes distinctly
Has not the power to die.
(…)




Manuel de Freitas

Eduardo Prado Coelho dedica a Opinião semanal no Mil Folhas ao último livro de Manuel de Freitas. A crónica é entusiástica: "Beau Séjour", da Assírio é considerado um dos livros mais importantes de 2003. Com duas partes, cada uma sob a égide de um músico, Chopin e Bach, reúne poemas sobre uma infância que regressa.
O artigo vale pelas citações:

"Não esperes que te ajude 'O Cavaleiro
Andante' ou- menos ainda- a música. Cresceste demasiado o teu corpo
não cabe no teu corpo e o amor (ah o amor) ajuda mas não salva."

Luís e o seu triplo

Uma saudação especial ao Luís Gouveia Monteiro, blogger de Eternuridade, Cimencio e Gastão. Que começo!

Os jornalistas

Agora parece moda bater nos jornalistas. O Socio(B)logue 2.0 alinha meia-dúzia de links de blogs editados por jornalistas. Mas arriscam-se a ser o tema dos outros mil no activo. Há jornalistas horríveis, venais, porta-vozes dos porta-vozes como ontem se leu. Também é assim com os advogados, os carteiros, os filósofos, os médicos e os apicultores. Eu conheço jornalistas com os quais todos os dias se escreve nos jornais a liberdade, a cidadania, a indignação, a denúncia dos corruptos, coisas simples e fundamentais como a recensão de um espectáculo, de um livro. Tenho mais medo dos que detêm o capital das empresas que empregam os jornalistas e por isso podem ter a tentação de julgar que são os patrões dos jornalistas. E dos que não são jornalistas mas também estão atrás de secretárias nas redacções. E dos senhores que, quando são maltratados pelos jornalistas. fazem um telefonemazito a queixarem-se aos accionistas dos jornais.

A ressaca de Coimbra

Vejam os estragos que os Stones fizeram nos blogs de Coimbra: quase todos de ressaca. Nos Aba só posta o mais novíssimo. Nunca o Filipe (link na coluna da direita) confundiu tanto: a FNAC com a fnat, o juiz com a jornalista, a Ana Sá Lopes com a Vanessa.

27 setembro 2003

Ao lado das grandes emoções colectivas

Quando voltarem para casa

Esta noite, entre a uma e as três, passa a última IF na frequência da TSF.
Entretanto, nas primeiras 24 horas depois de ter tornado público a suspensão da IF, DUAS estações de rádio mostraram-se interessadas em ter a IF nas suas frequências. Também uma rádio-online ofereceu a casa para a IF passar os dias de retiro que fossem necessários.

Francisco Amaral > Íntima Fracção > 27.09.03

Na Arrábida

Li aqui o João Barrento a escrever um texto juvenil_____anunciando que partia para um lugar____onde nunca estivera. Tremi pensando que ele vinha para o pé ____de nós. Outra maravilha como umblogsobrekleist a ser anunciado. Depois ele explica que se vão fechar, na Arrábida, uns dias, a pensar sobre uns textos__________da Maria Gabriela Llansol. Mostra-nos uns textos de umas participantes brasileiras, justamente excitadas com os preparativos. Deve ser interessantíssimo. No arrábido. Sobretudo se além dos textos escolhidos___ estiver a própria Maria Gabriela Llansol.

Não a esta hora

Não, nunca editaria à hora em que os Stones no Estádio. Denunciando assim a pertença a essa minoria que perde, sem motivos, estas celebrações colectivas com as quais se escreve a história da cidade, da nossa vida simples.

968 folhas perdidas

Se ela não escreve o MilFolhas só tem 32.

Margarida de Navarra


O amor cortês
perguntem-lhe o que era
Agora que envelhecera
os rapazes da corte
tratavam-na mal
Sabiam do que ela gostava
e riam-se entre eles
os garotos

Ela escrevia
maravilhosamente

26 setembro 2003

Estádio



Estádio Municipal de Coimbra há algumas décadas!
Sim, o edifício que se vê ao fundo é a escola Infanta Dª Maria!

Posto em circulação pela Armanda

Ups! Bom dia...

queria
escrever uma rima
ou falar-cantar sem rima
pode sair bem, quase infantil
ou então, num blog juvenil
deixa estar, não tires nada
e pode ser que seja musicada

PC

Vaga

Hoje no TAGV de Coimbra, e a 29,30,31 de Janeiro de 2004 no Teatro Carlos Alberto do Porto, Vaga, de Né Barros, um espectáculo de dança contemporanea, "um fluxo de sentimentos, acções e movimentos silenciosos".

Guardem as pedras

É uma mulher pobre da Nigéria, sem educação formal, escrevem. Divorciou-se. Dois anos depois teve este bebé. Não é uma criança: é a prova do seu crime. Adultério. Punido pela sharia islâmica. E a sharia é a lei oficial de 12 estados da Nigéria. Sucede além disso que a pena prevista para este crime é a lapidação. O pai desta criança, negou em tribunal. Foi absolvido.
Hoje dizem-me que o recurso de Amina foi escutado por um tribunal de Lagos.


A única defesa de Amina foi o clamor universal em sua defesa.

Convocatória

um dos secretíssimos lugares de paredes claras , onde R. procura a posição exacta das mãos
apesar da
- ou talvez exactamente por causa da -
incerteza,
e ultrapassadas que foram algumas nabices informáticas, já tem comments. Vão lá e encham a casa dela.




ÍNTIMA FRACÇÃO SUSPENSA.

No próximo sábado cumpre-se a última "Íntima Fracção" na TSF. Já não é a primeira vez que o programa é suspenso. Quando da passagem da Antena 1 para a TSF, há 14 anos ( ! ), a IF parou durante 4 meses. Durante os 20 anos que completa a 8 de Abril de 2004, foi o único período em que a sua transmissão esteve suspensa.
A IF é um programa de rádio de autor, por isso, não faz sentido dizer que acabou. É absurdo dizer a um pintor que deixe de pintar porque uma galeria não lhe expõe mais os quadros. Mesmo que a esta galeria se tenham dedicado 14 anos de vida.
Assim, a IF continua. Procura casa. Uma casa da Rádio onde se abra a janela e se deixe o som, o rumor do coração e da música, sair pelo meio da noite ... flutuando ... através do espaço infinito.
(...) Agradeço todo o apoio dos ouvintes que, por diversas formas, me lançaram dúvidas e angústias, mas também porções de um enorme e (acreditem) inesperado afecto. Quase não respondi a mails, fui evasivo, eu sei. Às centenas de ouvintes que enviaram mensagens a que não respondi, garanto agora que a IF não acabou. Aos bloggers que não conheço, mas que aqui e ali juntaram esforços e criaram um blog colectivo para receber "Ideias para a continuidade da IF", devo dizer que o vosso trabalho e dedicação, para lá de agora se revelar de grande utilidade, me fez acreditar de novo que vale a pena trabalhar para a fruição de outros. Aos autores de Blogs que não nomeio, já que deve haver vários que não li, e que escreveram posts e linkaram sobre a IF, tenho de dizer que, com eles, a mágoa se desfez um pouco em cada noite.
A IF não acabou.
Está a cantar baixinho, parada, num caminho escuro à espera da aurora.
A IF não acabou.
A maioria das aves que migram orientam-se pelo sol, mas há espécies que preferem utilizar as estrelas como bússula.
A IF não acabou.
Enquanto procura de novo "a casa", embrulhar-se-á na imensa rede e ficará à espera do download de quem a amar.
A IF não acabou.
Observa bem e sente ! Sente mais do que vês - a escura noite, tornando-se, lentamente, em clara madrugada.
A IF não acabou.
"Há um traço azul no futuro incandescente".

Francisco Amaral editado a 25 de Setembro de 2003. Ver também IF no ar; Janela Indiscreta; Mar Salgado; Alfacinha; Adufe;





Nasceu em 1935 numa família árabe de Jerusalém e fez os seus estudos nos Estados Unidos. Ensinava na Columbia University, N.Y. desde os anos sessenta tendo-se tornado famoso sobretudo pelas suas obras Orientalismo (ed brasileira de Companhia das Letras) de 1978 e Cultura e Imperialismo (1993). Recentemente um texto seu sobre os 25 anos de Orientalismo foi editado pelo jornal Público. Nele defendia um novo humanismo fundado no conhecimento da história como resposta aos neo-cons ocidentais e aos fanáticos islâmicos. Clara Ferreira Alves dedicou-lhe uma crónica, em Agosto.

25 setembro 2003

E tu Madalena ?

Consegues explicar este silêncio ? Abrem-nos a casa, dão-nos comida, sombra, uma brisa, levam-nos à ala mais nobre do castelo, a da acústica perfeita, com cantores baladeiros, trazem-nos outros doces e bebidas e depois, no fim, ninguém diz “obrigado pá!” ? Quantos de nós recusam este caminho rumo à indiferença, grunhos de engordar que nem grunhem, calados ou silenciosos mudos. Explica-me Madalena. Em voz alta.

André Bonirre

Benvindo André Bonirre, amigo

Depois do PC da Aba chegou o André Bonirre. O André acha-se demasiado benigno para colaborar no Mal. Mas quem como ele lê e comenta os nossos posts? Quem conhece de cor os malvados como nós, os nossos links de estimação? O André foi aos Açores procurar Ana Paula Inácio quando um da Natureza esteve dentro. Ele viu os olhos do bezerro em Picos de Europa. Ri-se como a Zazie. Era natural que aparecesse a falar com a mulher do espaço intersticial. A fama do seu coração novíssimo precedeu-o.

SUSPIRO ZAZIEANO...

Na Janela Indiscreta, Zazie deixou uma questão no ar: "Quem é que se
lembra de Reiser?" Para quem não se lembra, pegamos no desabafo da Zazie
e deixamos aqui uma pequena biografia, aproveitando para publicitar um site muito útil para os amantes da bd. Trata-se do site Bedetheque.com, onde é possível pesquisar dados biográficos e sobre a obra dos mais variados autores de bd.
André Bonirre

DA ESCOLA DO FILÓSOFO DE RENOME

Foi aluno de Ammonius Sakkás dois anos;
mas aborreceu-se quer com a filosofia quer com Sakkás.

De seguida entrou na política.
Mas largou-a. Era estulto o Eparca;
e os da sua roda mamarrachos solenes e pedantes;
superbárbaro o grego deles, os reles.

A sua curiosidade foi atraída
um pouco pela Igreja; baptizar-se
e passar por cristão. Mas depressa
a sua opinião mudou. Faria por certo agastar
os seus pais, ostensivamente gentios;
e cortar-lhe-iam- coisa horrível-
imediatamente os tributos assaz generosos.

Todavia tinha além disso que fazer algo. Tornou-se frequentador dos locais
depravados de Alexandria,
de cada antro escuso de deboche.

A sorte nisto foi-lhe favorável;
deu-lhe feições muito formosas
e ele gozava o dom divino.

Pelo menos mais dez anos
a sua beleza havia de durar. Depois-
talvez fosse de novo para Sakkás.
E se entretanto o velho expirasse
ia para outro filósofo ou sofista;
sempre se encontra alguém conveniente.

Ou por fim, também era possivel à política
regressar- recordando louvadamente
as tradições da família,
o dever para com a pátria, e outras coisas sonoras semelhantes.

Konstandinos Kavafis
de Poemas e Prosa, tradução de J.M. Magalhães e Nikos Pratsinis, Relógio D'Água, 1994
De Kavafis também disponível
90 e mais quatro poemas, Constantino Cavafy, traduçãode Jorge de Sena, Editorial Inova (talvez disponível na biblioteca Garret)
e ainda uma Antologia, nas Edições Cotovia.


Allégeance

Dans les rues de la ville il y a mon amour. Peu importe où il va dans le temps divisé. Il n'est plus mon amour, chacun peut lui parler. Il ne se souvient plus; qui au juste l'aima?

Il cherche son pareil dans le voeu des regards. L'espace qu'il parcourt est ma fidélité. Il dessine l'espoir et léger l'éconduit. Il est prépondérant sans qu'il y prenne part.

Je vis au fond de lui comme une épave heureuse. A son insu, ma solitude est son trésor. Dans le grand méridien où s'inscrit son essor, ma liberté le creuse.

Dans les rues de la ville il y a mon amour. Peu importe où il va dans le temps divisé. Il n'est plus mon amour, chacun peut lui parler. Il ne se souvient plus; qui au juste l'aima et l'éclaire de loin pour qu'il ne tombe pas?

René Char
(La Fontaine Narrative in Fureur et Mystère)


Consolação
Nas ruas da cidade caminha o meu amor. Pouco importa onde vai no tempo dividido. Já não é meu amor, todos podem falar-lhe. Ele já não se recorda. Quem de facto o amou?

Procura o seu igual no voto dos olhares. O espaço que percorre é a minha fidelidade. Ele desenha a esperança e ligeiro despede-a. Ele é preponderante sem tomar parte em nada.

Vivo no seu abismo como um feliz destroço. Sem que ele saiba a minha solidão é o seu tesouro. No grande meridiano onde inscreve o seu curso é a minha liberdade que o escava.

Nas ruas da cidade caminha o meu amor. Pouco importa onde vai no tempo dividido. Já não é meu amor, todos podem falar-lhe. Ele já não se recorda. Quem de facto o amou e de longe o ilumina para que não caia.

René Char "A Fonte Narradora" em Fúria e Mistério, tradução de Y.K.Centeno, Este Fanático das Nuvens, Edições Cotovia, 1995

Os braços pendentes de Gulderen Baran

Esta mulher chama-se Gulderen Baran. Tem os braços assim porque a penduraram, repetidamente, esticando-lhe os plexos braqueais até à paralisia. Tinha 22 anos em 1995 quando isto sucedeu. Passou-se isto na sede da polícia anti terrorismo, em Istambul. Gulderen foi despida, pendurada, vendada, impedida de dormir, regada com jactos de água, molestada sexualmente. O julgamento dos cinco polícias acusados por Gulderen das sevícias arrastou-se e foi suspenso em Março de 2002. Os advogados das mulheres agredidas sexualmente na Turquia são perseguidos pelas autoridades e, diz a Amnistia Internacional, pela comunicação social e pelos seus colegas de profissão.

Um juiz excepcional

Foi na sic há bocado. Parecia uma reunião de pessoas importantes embora o vírus do parkinson assaltasse algumas faces. Queriam saber a opinião de uma pessoa importante sobre a prescrição de um processo. O das FP-25. Ele escusou-se, abrupto. Depois, como o repórter insistisse: "Não quero ser filmado! Rebento-lhe essa merda!"
Naquele momento a minha confiança na justiça aumentou enormemente. Sempre achei que eras um exagerado, António Marinho.

24 setembro 2003

Milagre

"O Vaticano prepara-se para publicar, até ao fim do ano ou no início de 2004, um documento que consagra uma lista de 37 actos que passam a ser interditos nas celebrações litúrgicas, entre os quais bater palmas, dançar, ter raparigas como acólitas (a auxiliar os padres durante a missa) ou ler outros textos que não os da Bíblia e dos missais. Também a celebração conjunta, não autorizada, com ministros de outras confissões - como os protestantes - fica interdita."
Esta notícia, dos jornais de hoje, constitui para Ignazio Sotelo (cf. post abajo) mais uma prova da existência de Deus. De facto, a fazer tanta asneira nos últimos dois mil anos, só a protecção divina é que explica a circunstância verdadeiramente milagrosa do Vaticano continuar com tantos fiéis.

Booker Prize

A shortlist de finalistas do Booker Prize não integra nem Martin Amis (Yellow Dog fora seleccionado) nem J.M.Coetzee. Dia 14 de Outubro saber-se-á o vencedor. Com J.M. Coetzee de fora eu já estou desinteressado.

A Ópera do Falhado

JP Simões e Sérgio Costa, dos Belle Chase Hotel, estão a trabalhar numa ópera. Chama-se Ópera do Falhado e é encenada por João Paulo Costa e conta com o ACE/ Teatro do Bolhão. Paulo Filipe Monteiro, António Capelo, Silvia Filipe e José Pinto são alguns dos actores.
A Ópera do Falhado estreia no Rivoli a 29 de Outubro e em Coimbra (TAGV) a 7 de Novembro.
Na Natureza do Mal há quem goste muito do JP.

Ich bin der sein wird

Eu sou o anjo do desespero. Ich bin der Engel der Verzweiflung. Com as minhas mãos distribuo o êxtase, o adormecimento, o esquecimento, gozo e dor dos corpos. A minha fala é o meu silêncio, o meu canto o grito. Nas sombras das minhas asas mora o terror. A minha esperança é o último sopro. A minha esperança é a primeira batalha. Eu sou a faca com que o morto abre o caixão. Eu sou aquele que há-de ser. Ich bin der sein wird. O meu voo é a revolta, o meu céu o abismo de amanhã.

(Heiner Muller, O Anjo do Desespero, tradução e posfácio de João Barrento, Relógio D'Água, Lisboa, 1997)
Afastei-me de todas as religiões. Se não acredito na católica, que é a verdadeira, como vou acreditar nas outras?

(Ignazio Sotelo, citando Jorge Borrow em Sin Dios o con Dios? Razones del agnóstico y del creyente, ediciones HOAC, Madrid, 2003, 15 E)

Não nas Vindimas

J'aurais pu prendre la nature comme partenaire et danser avec elle à tous les bals. Je l'aimais. Mais deux ne s'épousent pas aux vendanges.

Teria podido escolher a natureza como companheira e dançar com ela em todos os bailes. Amava-a. Mas não deve haver casamentos nas vindimas.

René Char

(em Contre une maison sèche , Le nu perdu)

23 setembro 2003

A Word that breathes distinctly
Has not the power to die.




Horácio de Heinner Muller

O arrivista com ódio ao seu bloco de partida
Com Bruto no poder é democrata
Morte ao tirano e uma quinta também para mim
Pacifista em Filipos, vai escandindo o terreno.
Depois aprende a lição (ele também) muda
De rumo. Passemos uma esponja por cima de tudo; Augusto .A quinta
Mecenas lha concede por uma menção nas Odes
Oito espelhos no quarto de dormir e nem mais uma palavra sobre Bruto.
Abre-se-lhe a porta de entrada nas crestomatias
Aere perennius favorito dos filólogos.
(fragmento)

Intima Fracção

Eles vão acabar com a Intima Fracção. Mas quem são eles? Mas porque vão acabar com a Intima Fracção?
Sempre me meteu impressão esta invisibilidade dos poderes, estes designios ocultos que se furtam ao espaço público.
Não só os grandes crimes: os quadros que desaparecem das paredes, o homem que é apagado das fotografias, os nomes rasurados dos manuais. As pequenas malfeitorias dos minúsculos ditadores anónimos: o nome que não está na pauta, o autor que não é referido, a canção que sai do alinhamento, o programa que sai da grelha. A Intima Fracção existe nas nossas noites, não começa áquela hora improvável, não acaba às três horas (que é agora, também para ti, não é Francisco Amaral?, a hora do late night post, ou da última espreita às escritas dos outros). Nunca poderá acabar, porque é outro o lugar onde aquela música toca, foi sempre outro, inacessível aos gabinetes dos pequenos e grandes mandantes, o lugar, onde, suavemente está.

22 setembro 2003

Um poeta



Princípi­o da Inexistência


Escurecia anoitecia ou simplesmente o mundo deixava de respirar

A floresta nua de contornos adivinhava-se nos abismos planos das sombras
e a bruma que dançava sem dançar entorpecia-lhes os gestos de olhar

Não havia vento não havia ritmo não havia mar

e os corpos em queda traziam as almas penduradas como folhas de Setembro

que se desprendem dos dedos-secas-ecos de quem deixa de amar


ou simplesmente o mundo deixou de respirar






Pelo fim de Verão


Reencontro a intimidade da vegetação
Na errancia líquida das cores pelo fim do Verão

Setembro é uma corrente de água e de sombras,
rente ao gestos inacabados da escrita.

Sandra Costa1971
S. Mamede de Coronado, Trofa
Professora de História

Publicou Sob a luz do mar, Campo das Letras, Porto , Outubro de 2002
Desde Junho num "dos lugares poéticos que cresce por aqui. Minimalmente, em jeito de haikais, em jeito de precisas impressões, que podem muito bem ser imperfeitas."

Poema


Vieste mal preparada
Para a montanha
Querem-se botas
E algum agasalho

Polainas dão jeito
Nem todo o mato ardeu

(Porém os teus pés
eram tão lindos
Não sei porquê
Fizeram-me corar)

A lanterna o cantil
O repelente os mapas
Nimesulide a bússola
O contador de passos

Tudo faltava
Na mochila tão leve
Que trazias.

Metia medo
A tua confiança

A meio da jornada
(caminhavas à frente)
O teu néon desenhou
Beat to beat
A perturbação fatal
Do meu ritmo


(Grav: Sigmar Polke)

Educação Contínua

Quando me quis inscrever
No mestrado de Evolução Humana
Disseram-me que não preenchia
Os requisitos básicos

Para me consolar a secretária
Disse: Olhe que a carga horária
Também é muito pesada
(dez milhões de anos...)


Felizmente na porta do lado
A Secção Portuguesa de Grupanálise
Acolheu-me com benevolência

Reformismo

Os patrões portugueses são contra
A mudança de hora
(E os mochos e as cotovias
E eu)

Depois da mudança
Da legislação laboral
É preciso ter cuidado
Com tanta mudança

Elogio dos blogs desconhecidos

O apagão electrónico que atingiu
A Natureza do Mal
Privou-nos dos links
Dos melhores amigos

Para chegar a eles
Temos que percorrer
Outros caminhos

Não se pode dizer
Que esta desorientação
Me desagrade

Camiñero

O texto tão bonito que o PC escreveu no Aba lê-se bem ao som de Camiñero no hay camiño / Se hace camiño al andar. Sob o ponto de vista do caminheiro garanto-vos que não é rigorosamente verdade. Se perderes um trilho é duvidoso que chegues a algum lado interessante. E é certo que não regressará nunca a confiança dos que caminham contigo.

A Natureza do Mal no Dicionário

Pedro Mexia linkou-nos e isso encheu-nos de contentamento. Mal fora que o Diabo não nos reconhecesse.

21 setembro 2003

Diz que é só um problema de bits. Que não se perderam os links. Faz um back up. Chama o PC. Pede ajuda à Aba que são físicos e químicos sempre isso há-de servir para alguma coisa. Se vires que o template está a inundar A Natureza do Mal salva os posts assinados Sofia. Salva pelo menos os amino ácidos. Sempre são um começo.

Abençoados


Abençoados os que acreditam em equipas multidisciplinares
nos programas de reinserção social
no sucesso das dietas de emagrecimento
nas aulas nocturnas
no multiculturalismo
no reflorestamento
no código deontológico
na igualdade dos sexos
na prevenção da doença
no diálogo norte-sul

em deus alá jeová
na unidade do espí­rito santo
ou no manipanso que ainda não foi revelado
nas energias
na meditação zen
nos cátaros a reincarnar
na ressurreição das almas

No orgasmo simultâneo
na comunhão dos corpos
na verdadeira orientação
no sexo salvífico
no casamento
na lista de prendas
na lua de mel
na união de facto




na guerra preventiva na guerra punitiva
na guerra defensiva
na paz
na guerra

Abençoados os que acreditam
no progresso moral
no amor na amizade

Abençoados os que acreditam
no ensino público ou privado
no ensino gratuito
nas propinas diferenciadas
na escola democrática
tu e eu muito iguais á saí­da

Abençoados
os que acreditam na
Comissão de Luta contra a Sida
na segurança das pontes
na Condição Feminina
no Instituto do Emprego


Abençoados os que acreditam
na emancipação dos explorados
na solidariedade
no salário justo
na revolução social
na revolução

Esses estão a salvar o mundo,
dizia o Borges.
(estavam as mães à  procura dos desaparecidos
na Praça de Maio
À  procura
e ele já não via).

Estão todos a salvar o mundo
mas eu estou cansado.
Muito cansado, desculpem.

Um Susto!

Leio o post da Sofia tão preocupada com o bom aspecto deste blog e a quem o html traíu. Aprecio o ênfase com que ela disse "nós, em consciência, nunca apagaremos nenhum link". E entendo esta determinação em nunca apagar um link como uma homenagem. A Sofia nunca recuperou do dia em que uma bavaroise apagou a Natureza do Mal, inteligentemente, dos seus links.

Wolfgang Becker e a história de um bom filho revisionista

Bye Bye Lenin como alguns já disseram. É um filme alemão. De Berlin, a mais fascinante cidade da velha Europa. Como New York e Paris, Berlin carrega as imagens com que pensamos e sentimos o nosso tempo de ocidentais. Berlin onde Rosa Luxemburgo foi assassinada, Berlin da ascensão do nazismo e do III Reich, Berlin da batalha final da 2ª guerra mundial, cuja violência só recentemente conhecemos (veja-se o incrí­vel e tão pouco comentado livro de Anthony Beever que a Bertrand traduziu). Berlin da DDR e do muro. A pujante Berlin de hoje, excessiva e opulenta.
O filme é uma viagem cheia de armadilhas aos últimos 50 anos da nossa história. Nos meses que se seguem à  queda do Muro, um filho revisionista, como lhe chamou Vasco Câmara, refaz a DDR e afinal o mundo, para uma mãe moribunda que já não suporta tanta realidade.

Hoje, outra vez Tamara Kamenszain


Hoje Alexandra Lucas Coelho fala do livrinho de poesia de Tamara Kamenszain recentemente editado. Tamara é uma porteña que vem da tradição judaica e neste livro, guiado por Paul Celan, evoca o pai, Tobias. O livro acaba no Carnaval do Rio, à passagem do milénio. Exactamente onde começa o passeio sem rumo do narrador de El mal de Montano, de que me devo despedir.

A irmã de Victoria

Silvina Ocampo (Buenos Aires, 1903-1993).


Alguns conhecem-na como a irmã de Victoria Ocampo. Outros como a mulher de Adolfo Bioy Casares. Silvina foi uma original escritora argentina do século passado, que se iniciou junto do poderoso grupo Sur que além dos citados englobava Borges. Hoje os argentinos descobrem os seus contos e a sua poesia, o seu gosto pelo insólito e pela mitologia do duplo que Borges perseguiu incansávelmente. A editora Emecê, de Barcelona, publica-lhe uma Antologia Essencial, com um prefácio que constitui uma saborosa evocação do também escritor argentino Edgardo Cozarinsky.

Diplopia

Sim Filipe deves ter razão. Era eu afinal o amblíope.

À tarde no estádio

Numa noite levantaram as escadas, ruelas e praças circundantes ao novo estádio de coimbra. Hoje que é domingo, lá estão a trabalhar. Passei duas vezes. Vi gigantes de tronco bronzeado e olhos claros. Pareciam cartazes dos sábados comunistas. Estavam a levantar uma pátria livre da exploração. Com que energia, com que entusiasmo. Da segunda vez vi uma multidão de operários africanos, ajoujados. Batiam os cubos de calcário da calçada portuguesa com mãos nuas e enormes martelos. Escravos a abrir as estradas das metrópoles africanas no fim do século XIX. O suor de uns escorria e misturava-se com o suor dos outros. Ali, fraternalmente, ao sol de setembro. Nas esplanadas, distraídos, os de coimbra bebiam cocktails leves, ignorando que se estão ali a cumprir pelo menos duas das grandes utopias modernas.

Ela voltou.

Tinha-me esquecido dela mas voltou. Os últimos sábados tinham sido, para mim, de alegria tonta entregue a prazeres inconsequentes. Vejo-o agora. Que ela voltou para ralhar, fazer sofrer, lembrar o pecado aos pecadores. Mesmo que eles estejam velhos, tenham denunciado a opressão quando a opressão tinha bufos nas esquinas e nos jornais, polícias para bater e cárceres e decretos de expulsão e caminhos que eram de liberdade mas sobretudo de exílio. Helena Matos é um rei Midas ao contrário. Transforma tudo em que toca na matéria vil da sua raiva. Mesmo quando tem razão. Que tem a razão com quem odeia assim?

19 setembro 2003

Não percam



Amanhã não percam o livrinho do Surrealismo. Uma das coisas boas do século XX. Talvez o vosso jornaleiro troque pelo Xis.







Ah o Tolentino

Ah e apareceu o Tolentino. Para nos consolar da partida do Cristóvão de Moura.

Casi todos imitadores y farsantes

Final da terceira parte de El Mal de Montano, Teoria de Budapest

La verdad es que nunca pensé que saldría de aquí tan anciano y tan peligroso, convertido en un rencoroso que se acaba de alistar en una banda de viejos imaginativos,de monstruos despiertos, aunque quasi todos ya con tos, casi todos encorvados, casi todos toxicómanos, casi todos solteros, casi todos sin hijos, casi todos en sanatorios raros, casi todos ciegos, casi todos imitadores y farsantes; todos, absolutamente todos, engañados.

Passeando

A Gloria não era assim tão fácil. Depois de um lamento pelos jornalistas o JPH calou-se. Estava-se a ver que sem as mulheres ele não ia aguentar o embate. O Mar Salgado pode sentir o gosto da vitória. A blogosfera é mais livre do que as páginas dos jornais, malgré tout. Pelo menos enquanto uma censura,(iluminada) não é Miguel Sousa Tavares?, não permitir ao Big Blogger controlar os conteúdos do que por aqui se escreve. O Aviz está na NTV. O Pedro Mexia explicou-se bem. O Barnabé apareceu de rompante, promissor, ambicioso e levemente eufórico sem que se perceba bem porquê.
Do lado de dentro, outros que nós tanto apreciamos, continuam a escrever todos os dias. Talvez nem saibam que são lidos. Às vezes é só um poema, um espanto, um sopro, uma pergunta, . As colunas dos comments quase desertas, têm o tempo e a cordura a seu favor. Isso e a constância está a torná-los grandes.

Ambliopia selectiva

JPP aprendeu com Houaiss, via o Mar Salgado a palavra diplopia. Bendito Houaiss, benditos marinheiros. Cento e sessenta anos para aprender, cf. Frei Domingos Viera. Sucede que aprendeu mal. O problema de JPP, tão lúcido hoje a diagnosticar a implosão do PS não é um problema de diplopia. É de ambliopia (cf Houaiss, 306 anos para aprender, Rafael Bluteau).

18 setembro 2003

Aung San Suu Kyi



Aung San Suu Kyi.
Prémio Nobel da Paz foi presa em Maio de 2003 após um massacre brutal dos seus apoiantes.










Um corpo conhece-se, mas não tem nome.

Interessa lutar pela vida só até à morte, de outro modo passaremos o
tempo a velar. Neste sentido a morte é libertadora pois
possibilita-nos reorganizar o nosso tempo e as nossas preocupações,
vem associada a um relaxar momentâneo enquanto tomamos novo folêgo.

Enviado por PC.

Até aqui viemos


No começo do século XXI o narrador de O Mal de Montano encontra-se sózinho e sem rumo numa estrada perdida. Pensa que a literatura está perdida e por instantes julga poder salvá-la. Nessa estrada, à qual volta sem cessar, com múltiplos disfarces e várias idades, encontra gente que interpela. Emily Dickinson, com um vestido comprido, branco e passeando um cão. Pergunta-lhe por Musil. Ela responde apenas:" Bruma".
"Segui o meu caminho, toda a noite ouvi passar pássaros, voei com eles. Ao amanhecer, ao desviar-me da estrada perdida, vi Musil perto de um abismo. Camisa branca e com o colarinho aberto, capote negro até aos pés, largo chapéu vermelho. Estava pensativo olhando o chão. Levantou a cabeça e olhou-me. À nossa frente só havia o vazio." É o ar do tempo", disse-lhe. Olhou para o horizonte de névoas. " Não nos resignemos a oferecermo-nos à  época tal como nos anseia", disse-me.
Até aqui viemos. Aqui estamos. À beira de um abismo, junto a uma estrada perdida, frente a um horizonte de bruma.
Aqui estamos. Perguntamos sempre. Perguntamos aos nossos iguais. Aos que tomamos como nossos. Espectros como Dickinson, Kafka, Walser, Tamara Kamenszain. Reconhecemo-nos por uma senha: "Não deves dizer que me compreendes".
No Império Austro-Hungaro em decomposição rápida, no mundo depois do fogo de Manhatan.
Aqui estamos. À beira do abismo. Não nos resignamos a oferecermo-nos à época.
É esta gente, esta literatura, que quero para mim.

17 setembro 2003

Falar de Ingrid Bettancourt


Ingrid Betancourt, candidata presidencial da Colombia pelo partido Oxigénio e Clara Rojas, responsável pela campanha de Ingrid, foram raptadas pela guerrilha FARC no sábado, 23 de Fevereiro de 2002 e mantidas prisioneiras até agora. Uma campanha está em curso em todo o mundo tendo como lema que falar delas é uma garantia de que a sua vida e libertação são possíveis.
















A lo mejor

Respirar o mesmo ar

Talvez eu não devesse. Dizer dos meus companheiros de escrita na blogosfera, ao fim de tarde de domingo, que este foi o melhor post, este o melhor poema...Leio afinal tão poucos. É sempre tão injusto. E quem somos para classificar os outros. Mas não se zanguem aqueles que cito ou esqueço. É só o desejo vão de respirar o mesmo ar.

Ingrid Betancourt


Foi raptada na Colombia há 260 dias. Teve a coragem de se interpor entre a rede de governos e políticos corruptos e uma guerrilha demencial imersa no narcotráfico. Por todo o mundo se levanta uma campanha cujo tema assenta na necessidade de falar dela como única garantia de que não será morta. Falemos de Ingrid Betancourt.







Que farei quando tudo arde?

Que farei quando tudo arde? Sá de Miranda

Que farei no Outono quando ardem
as aves e as folhas e se chove
é sobre o corpo descoberto que arde
a água do outono

Que faremos do corpo e da vontade
de o submeter ao fogo do outono
quando o corpo se queima e quando o sono
sob o rumor da chuva se desfaz

Tudo desaparece sob o fogo
tudo se queima tudo prende a sua
secura ao fogo e cada corpo vai-se

prendendo ao fogo raso
pois só pode
arder imenso quando tudo arde

Gastão Cruz ( As Aves)

A sensação de descenso que há em todos os homens


Há em todos os homens, mais tarde ou mais cedo, a sensação de descenso. O narrador de Todas las Almas vê esta sensação nos olhos de Eric, o menino que é filho de Clare Bayes. Mas Eric tinha estado doente, ele sabia-o. E encontrara o menino com a mãe- que ele afinal tão pouco tinha beijado, e com o velho avô, o senhor diplomata Newton. A semelhaça das faces da criança, de Clare- a quem gostaria de propor um encontro, e do avô, é tão grande, que se percebe que ele tenha visto nos olhos da criança, essa sensação de descenso. Além do mais, estamos em Oxford, no Ashmolean Museum quase deserto, num fim de semana, adivinhamos. E percebemos que a sensação de descenso que ele julga ver no menino que passa e não o vê, pode ser o reflexo da sua própria descensão, estrangeiro, ainda na condição de ser sem filhos.

De volta à escola

Na véspera de voltar à escola, de entrar na escola pela primeira vez, alguns dormiram mal. Acordaram de noite. Pensaram na mochila, nos livros amorosamente encapados, nos lápis nº2 afiados como lanças, nas afiadeiras de duplo canhão. Um houve que se levantou e viu a lua já em quarto minguante, as ruas quando passa o carro do lixo. Tão cedo para o fim do verão. A madeira do sobrado, os azulejos da cozinha estavam quente. Assim ele não vai adoecer na garganta. Repete baixinho o seu nome de guerra. Mas não sabe se será chamado.

15 setembro 2003

Inimigo Rumor (2)

É tão lindo o livro azul e o livrinho rosa. Vou comprar uma dúzia para dar aos amigos. Talvez alguém tenha o livro de Tamara Kamenszain no fundo da saca amarrotado e o tire no metro e leia a palavra de ordem: até aqui chegamos.
Alguns dos editores portugueses de Inimigo Rumor foram também autores da Colectânea de Poesia portuguesa do século XX, editada sob os auspícios da Capital da Cultura e chamada Século de Ouro. Conhecem?
É o tipo de livro de prestígio que se dá aos médicos, Vista Alegre de estantes. Tem um prefácio que dá gosto de ler, erudito, inteligente. A selecção dá que pensar. Como o critério foi pedir a algumas pessoas que seleccionassem os seus poemas favoritos, e muitos eram académicos, o livro tem interesse para percebermos que é possível escrever (bem) sobre poesia e provávelmente não ter sentido nunca a emoção poética.
Os deputados de Coimbra fizeram uma manifestação de desagravo a Manuel Alegre por este não ter recebido nenhuma citação. Para os compensar a D. Quixote editou um calhamaço natalício, para o qual era condição suficiente de elegibilidade, poder integrar as listas de deputados municipais, nacionais ou europeias.

Adieu Jacques Prévert

Quando editar este post, vai desaparecer no papiro, ser remetido para o Arquivo, que tu Humberto não sabes abrir, a cara de Jacques Prévert, cigarro a arder no canto da boca, enviada pela Cristina com o poema Barbara, poema canção trauteada pelo Yves Montand, explicou a Inês (que assomou à janela, corrigiu o mau francês, disse ser um poema importante para uma geração: je dis tu a tous ceux que j'aime, je dis tu à tous ceux qui s'aiment?, e depois nunca mais apareceu, ficámos tristes sem saber quem era a Inês, precisamos tanto de gente que fale francês) e ainda cantado pelo Serge Regianni. O Alexandre escreveu parte desse poema equivocado. Porque a canção francesa que o narrador vila mateano ouve no jardim de Nantes quando começa a chover e ele procura esquecer a doença que acometeu o seu filho Montano, essa canção é ainda mais antiga, e , disse-nos o próprio Enrique num mail discreto, chama-se Nantes e tem como subtítulo Barbara. Um dia desaparecerá o post com a canção, enrolado no papiro ficará também este texto que explica porque é que a chuva em Nantes, e não em Brest, lembra, a quem se passeia à noite no parque, uma canção esquecida.

Os mais da semana

O blog que todos ouvimos: Intima Fracção a 13/14 de setembro



O melhor magazine cultural nacional (dentro e fora da blogosfera): Janela Indiscreta
O melhor poema lido aqui: Perguntário sem sentido para criar uma infância comum
A melhor exposição : Centro Cultural da Trofa



O melhor programa de televisão: Musil, na dois- eles
avisaram.
A melhor tradução: Sempre se é bom de mais com as mulheres, Queneau, Luísa Neto Jorge
A melhor visão do 11 de Setembro em Santiago: Cláudia no Tempo Dual
O ouvido mais dolorosamente Chatwiniano: o Barman


Os trabalhos de Sofia

Projecto para um programa de rádio

Um amigo falou-me de um projecto que tinha para um programa de rádio. Chegou a apresentá-lo à rádio local. Perguntei-lhe quais seriam os registos musicais e o colorido do programa. Nunca insisto nas perguntas que faço aos amigos e então ali fiquei a arder de curiosidade. Agora eu saber já só depende de o projecto ser aceite. Ele é um verdadeiro melómano, nunca o vi discriminar estilos musicais, e também me costuma falar da importância da história da música para comparar sonoridades. Assim, sei que quem gostaria de ouvir o programa era a directora do museu. Por mim, só queria mesmo ouvir a voz dele, sabê-lo do outro lado, e eu escondido atrás do altifalante.

Enviado por PC

14 setembro 2003

Genes ao centro

Aos desiludidos da política, aos que não vêem futuro na nação, aos velhos do Restelo dou a boa nova: a filha do Dias Loureiro casou com o filho do Ferro Rodrigues. Os bons genes encontram-se.

No sex please, we're poets

Ontem, numa festa de anos, qundo era socialmente possível, reproduzi às pessoas que estavam à volta, este post do Diabo. Uma amiga, com mais de 40?, disse que o problema era que as mulheres (com mais de 40?), encontram um jovem poeta interessante, e ele leva-as delicadamente à porta do táxi.

Atrás de O meu pipi a nudez crua da verdade

Às vezes assalta-me um optimismo que queria com sentido: Leio a blogosfera e penso: tanto talento, tanta cultura verdeira, tanta sensibilidade, tanta polémica- por vezes agressiva, mas tão distante daquela pomposa violência das polémicas oficiais. E leio poemas lindíssimos de gente que nunca publicou. E pequenos poemas em prosa. E textos sobre pequenos objectos de beleza . E reflexões filosóficas. E mesmo um barman de ouvido duro me encanta. Penso: isto está a mudar. Isto vai mudar. Entro no jornaleiro e não olho para a imprensa de coração. Vou à gasolineira e não pergunto que esperam estes peregrinos que montaram tenda há 24 horas (mas é impossível não perceber que vão às migalhas de um bilhete para os Stones). Não ligo a televisão senão para a ntv e para o mezzo com flashes da sicnotícias. A blogosfera, sim, é um espelho do país futuro. O Abrupto tem 2 mil leitores diários. O meu pipi (brevemente em livro para as famílias se oferecerem no natal) tem milhares de comentários em cada post.
Fui ver uma sequência. Estavam lá todos. Os espectadores do big brother. A carne para canhão da sociedade do espectáculo.

Faz-me falta

Quem faz falta ao Mil Folhas é Alexandra Lucas Coelho. Era melhor em Agosto. De vez em quando, como uma esmola, aquele jornal lá nos dava um escrito dela.

Terreno autárquico

No Mil Folhas Jorge Sá-Reis polemiza com Pedro Mexia. Era tão interessante se falassem de poesia... Mas resolveram embrenhar-se num debate autárquico. Reis-Sá, que entrara de rompante, vem agora com falinhas mansas. Se forem autarcas ainda se vão entender, e é uma pena. No terreno da poesia nunca se entenderão: Pedro Mexia é um grande poeta e Jorge Reis -Sá um editor que de vez em quando acerta. Também quem não acertaria, vivendo em Famalicão, norte do Porto, a região do país que tem os(as) mais genuínos(as) e promissores(as) dos(as) nossos(as) criadores(as)?

Mareação

O velho barco do capitão Jim
Aquele em que vós também partis
Já está carregado com haxixe
E aponta a proa ao mar sem fim

Derivamos há meses sem tino
E se o tempo nos der rédea larga
Antes de chegarmos ao destino
Já teremos fumado a carga
(...)

Nicos Kavvadis in Inimigo Rumor 14, pp147-8 (fragmento inicial)

Inimigo Rumor

Já falado aqui o último número desta revista, gráficamente muito bonita e com uma prenda*, é dedicado aos pequenos poemas em prosa. Não me interessa saber os critérios de selecção. É sempre perigoso aproximarmo-nos demasiado dos objectos que nos fascinam. E não me interessa a pequena história, a sabedoria dos criados de quarto. Sinto a falta de muita gente, mas é consolador encontrar outra, desconhecida. Como há antologiados que não são simultâneamente antologiadores e outros que já morreram penso que os critérios não foram inteiramente parciais. Olho para aquilo e gosto. Gosto do prefácio. Gosto de tanta coisa.
Leopoldo Maria Panero é, como sempre, um espanto. E Manuel António Pina. E um poeta grego chamado Nicos Kavvadias, que morreu em 1975 e foi marinheiro de profissão.

*Um livrinho de Tamara Kamenszain, poeta argentina, chamado o gueto.

Intima Fracção

Está na hora de irmos ouvir a Intima Fracção.
Por favor Francisco: diz Boa Noite!

Burlesconi

Um dos meus países tem uma cidade chamada Luca. Na Idade Média construiram torres enormes, hoje chamadas Torres Cívicas. Rivalizavam em altura, assinalando o poderio dos donos das casas. Depois começaram a cair, com fragor e nenhum civismo, em cima dos incautos. Foram demolidas. Na parte alta da cidade de Luca restam três, muito próximas, edificações insólitas e sem sentido, fora da escala dos restantes edifícios. A entrada está vedada. Se pudéssemos subir e olhar em volta talvez víssemos o palhaço que hoje governa a Itália.

Dos jornais

Anna Lindh estava num centro comercial de Estocolmo. Um homem caíu-lhe em cima com uma faca e golpeou-a. Morreu no dia seguinte. Era a ministra sueca dos Negócios Estrangeiros. Num cartaz de rua que tinha o seu retrato alguém escreveu: era a nossa melhor ministra.

It's All Right, Ma...

Está tudo bem, mãe
estou só a esvair-me em sangue,
o sangue vai e vem,
tenho muito sangue.

Não tenho é paciência,
nem tempo que baste
(nem espaço, deixaste-me
pouco espaço para tanta existência).

Lembranças a menos
faziam-me bem,
e esquecimento também
e sangue e água a menos.

Teria cicatrizado
a ferida do lado,
e eu ressuscitado
pelo lado de dentro.

Que é o lado
por onde estou pregado,
sem mandamento
e sem sofrimento.

Nas tuas mãos
entrego o meu espírito,
seja feita a tua vontade,
e por aí adiante.

Que não se perturbe
nem intimide
o teu coração,
estou só a morrer em vão.


Manuel António Pina,
in Cuidados Intensivos, Afrontamento, 1994 Porto.

13 setembro 2003

It's all right ,Ma...

Está tudo bem, mãe,
Estou só a esvair-me em sangue,
...

(começo do poema do Manuel António Pina, in Cuidados Intensivos, Afrontamento, Porto 1994. Créditos- metamorfoses, diz ele, ao Dylan. O poema integral será editado este fim de semana em vários blogs)

Orientalismo

O livro de Edward Said, que apesar de ter 25 anos é importante para compreender o afrontamento entre o nosso mundo e os árabes, está traduzido em português: Orientalismo- O Oriente como invenção do Ocidente, Companhia das Letras, São Paulo, 1995, tradução de Tomás Rosa Bueno.
Também disponível e com edição da Colibri um conjunto de palestras de Said sobre a responsabilidade dos intelectuais: Representações do Intelectual, colecção Voz de Babel, Edições Colibri, Lisboa 2000

Pedimos desculpa pela Jenifer Lopez

Na edição de 13 de setembro o Público edita duas cartas a propósito da sua capa do dia 11 (para quem não viu: imagens de destruições do Pentágono eram encimadas por uma fotografia de Pinochet ). Numa delas um leitor indigna-se pelas leituras que o jornal propiciou, ao assinalar as duas efemérides. E escreve: em 2001 foram atacados os pilares básicos da nossa sociedade," no Chile, com Allende a democracia já estava em perigo e o país estava a entrar rapidamente na esfera soviética, pondo em perigo todas as democracias (será que existiam?) da América Latina. Com o golpe a ditadura de esquerda foi substituída por outra de direita."
A direcção do Público reserva-se o direito de publicar as cartas enviadas ao director e achou por bem publicar esta. Mas o que era exigível de um jornal sério era que esclarecesse o seu leitor sobre o facto de o Chile de Allende e da Unidade Popular ser uma democracia parlamentar, uma das poucas nações que na América Latina dos anos 70 tinha uma tradição de democracia representativa e não era governada por ditaduras militares com maior ou menor apoio de Washington. Que o golpe militar foi dado quando novas eleições estavam em preparação, que iriam, segundo as regras clássicas da democracia parlamentar, punir ou reforçar a coligação no governo.
Qual foi a reacção da Direcção do Público? Publicar uma Nota, logo a seguir à carta, onde pede desculpa pelo critério apenas jornalístico e de efeméride que levou a Direcção a permitir tal capa. Estamos esclarecidos. E temos vergonha do director deste jornal que já não tem coragem de dizer aos leitores que o golpe de estado que bombardeou o Palácio do Presidente Allende, prendeu em campos de futebol gente que apenas exercera os seus direitos políticos e fuzilou em valas comuns é um golpe tão ignominioso como o ataque às torres gémeas de Nova Iorque. Efemérides? Esqueceram-se de que a Jennifer Lopez fazia anos.

Assim não vale

Durante meses Pedro Mexia e as posições políticas com que se identifica dominaram a blogosfera. Escolheram os adversários com quem debatiam e os que ignoravam, os temas que abordavam e os que não eram merecedores de atenção, o momento da intervenção. Agora que a blogosfera é animada pela expectativa de novas contribuições Pedro Lomba sai e Mexia anuncia a partida. Tenho pena porque aprecio a escrita, o estilo e os argumentos de ambos- e de outros com quem têm afinidades. Acho mal porque agora que têm opositores à altura é um pouco feio recusar o debate. Acho péssimo quando saem do espaço aberto que é este para o púlpito da imprensa do Estado.

12 setembro 2003

Il pleut sur Nantes, donne-moi la main

Abro sempre a tremer a caixa do correio de A Natureza do Mal. De há uns tempos para cá tenho uma coisa a que técnicamente chamam panic attack sem agorofobia. Palpitações, suores, tremores, cabeça vazia, despersonalização ou desrealização. Quando abro a caixa do correio sinto a mesma coisa. Só que em ameaça. É uma sensação do peito baixo ou do alto ventre muito próxima da emoção amorosa. Mais passageira. Eu sei que não devia dizer isto. Mas para que serve o blog se não for para dizer isto. Quando a minha psiquiatra me quis medicalizar pensei: está bem fico sem panic attack sem agorofobia. Mas será que perco também aquilo do peito ? E do ventre? E ainda não comecei o tratamento.
Assim posso sentir inteiro quando vocês escrevem. Sara, Sandra, Raquel, Rute, PC, Z, CAM, Alex, Adeodato, Francisco, Alexandra e outros que agora não cito porque não são públicos na blogosfera e também tenho direito de ir beber um copo sexta feira à noite. (Já sabem que Ana Paula Inácio quer ficar escondida).
Mas o mail que está editado aqui em baixo, este mail que é tão só a transcrição de uma velha canção francesa, foi enviado por E. Villa-Matas.

Chove em Nantes

Nantes
(Barbara)

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Il pleut sur Nantes
Donne-moi la main
Le ciel de Nantes
Rend mon coeur chagrin

Un matin comme celui-là
Il y a juste un an déjà
La ville avait ce teint blafard
Lorsque je sortis de la gare
Nantes m'était encore inconnue
Je n'y étais jamais venue
Il avait fallu ce message
Pour que je fasse le voyage:

"Madame soyez au rendez-vous
Vingt-cinq rue de la Grange-au-Loup
Faites vite, il y a peu d'espoir
Il a demandé à vous voir."

A l'heure de sa dernière heure
Après bien des années d'errance
Il me revenait en plein coeur
Son cri déchirait le silence
Depuis qu'il s'en était allé
Longtemps je l'avais espéré
Ce vagabond, ce disparu
Voilà qu'il m'était revenu

Vingt-cinq rue de la Grange-au-Loup
Je m'en souviens du rendez-vous
Et j'ai gravé dans ma mémoire
Cette chambre au fond d'un couloir

Assis près d'une cheminée
J'ai vu quatre hommes se lever
La lumière était froide et blanche
Ils portaient l'habit du dimanche
Je n'ai pas posé de questions
A ces étranges compagnons
J'ai rien dit, mais à leurs regards
J'ai compris qu'il était trop tard

Pourtant j'étais au rendez-vous
Vingt-cinq rue de la Grange-au-Loup
Mais il ne m'a jamais revue
Il avait déjà disparu

Voilà, tu la connais l'histoire
Il était revenu un soir
Et ce fut son dernier voyage
Et ce fut son dernier rivage
Il voulait avant de mourir
Se réchauffer à mon sourire
Mais il mourut à la nuit même
Sans un adieu, sans un "je t'aime"

Au chemin qui longe la mer
Couché dans le jardin des pierres
Je veux que tranquille il repose
Je l'ai couché dessous les roses
Mon père, mon père

Il pleut sur Nantes
Et je me souviens
Le ciel de Nantes
Rend mon coeur chagrin


11 setembro 2003

Ele

Há dias em que não me consigo sentir na terceira pessoa. Por força da torrente de acontecimentos ou duma dor de dentes, sentimo-nos reais. Nesses dias não falo, calo não ouço, fujo não vejo, escondo não escrevo.

Enviado por PC.

O par espantoso

O par espantoso

Deve ter sido teorizado por Alan Marriot. Javier Marias fala dele em Todas las Almas. O narrador oxoneano está no museu Ashmolean, vindo da Tayloreana, nesses dois anos que iriam marcar a sua vida e obra. No átrio do museu, deserto como habitualmente, cruza com Clare Bayes, a mulher que ele gostaria de encontrar mais vezes. Clare está acompanhada pelo velho pai e pelo seu filho, Eric, de sete anos. Ele persegue-os furtivamente, pelo interior do museu., perfilado atrás de colunas, ignorando um gesto irritado com que ela o intima a desaparecer. Mas vê a cara do velho e do menino e nota a incrível semelhança entre ambos e entre eles e Clare Bayes, a mulher que ele tanto tinha beijado ( aliás muito menos do que queria). Então escreve, inspirado em Alan Marriott : “ há idéias que podem ou não associar-se, mas se se associam provocam espanto: a ideia da criança e a ideia do beijo, a ideia do velho e a ideia do beijo, a ideia da criança e a ideia do velho. O par espantoso do velho é a criança. O par espantoso do criança é o velho, a do beijo é a criança e a da criança o beijo, a do beijo o velho e a do velho o beijo, o meu beijo ...(...) O beijo dos três.”

O par espantoso de Linch é um ser que não chega a levantar-se das trevas num muro das traseiras de um café de bairro em Mulholand road, o par espantoso de Louçã é Celeste Cardona depois de uma gaffe do P. Portas num debate da última campanha eleitoral, o par espantoso de Bagão Félix é o próprio num papel de traficante encenado perversamente pelo João Botelho, o par espantoso de J. Manuel Magalhães é Cavafys, o par espantoso de S. Cristóvão Canibal é Raymond Queneau, o par espantoso de Sofia é Emily Dickinson, apesar de tudo , dos 101 anos e de toda a beleza o par espantoso de Leni Riefensthal é Hitler, o par espantoso de Hanna Arendt é Heidegger, o par espantoso de Brecht, Paulo Quintela, o par espantoso do senhor Lucas é o seu carro Anglia, o par espantoso de h. é o ford mustang, o par espantoso do dr. Tomé é o seu cão boxer ( o José António deixou de ir a exposições caninas por não poder suportar a exibixão de tanta afinidade), o par de Orson Welles é Kane ou o trenó Rosebud ou Berlin no fim da guerra, o par horroroso de A é o seu filho morto, o par espantoso da Tiza é o Raimundo com quem namorou 6 meses aos 18 anos, o par espantoso de Frida Khalo é uma coluna partida, o par espantoso do António é a palavra justamente, o par espantoso da cidade de Pinhel é a maldição que Juan Goitysolo lança às costas da Pátria, terra maldita jamais voltarei a ti, o par espantoso da Lena é o Clube de Ginástica Feminina, o par espantoso da Dª Hermínia era um cágado que se escondia debaixo das camas, em perpétua hibernação, o par espantoso da Ananda é o trabalho da dor, o par horroroso do meu avô é o campo de morte do Tarrafal, o par espantoso, maravilhoso, do Francisco Amaral é a Intima Fracção, o par espantoso do Durão é um peixe, par espantoso e nada horroroso, porque o par espantoso desse peixe é o meu poeta Alexandre O’Neill.
(À Suivre).

Luar de Agosto

Ontem à noite, no museu, a acrópole era uma jóia ao luar de agosto. A lua cheia doía nos olhos e ao lado estava uma estrela nova, incandescente. Recém doutrinado em astrologia medieval disse que era a estrela Sirius que se levantava, abrasadora, entre a constelação do Cão. Mas os meus amigos riram e explicaram que era Marte, vermelho, no ponto em que a sua órbita solar nos fica mais próxima. A maior vítima do luar, ou do brilho inesperado de Marte, foi a conservadora do museu que caíu em cima de uma lage. Mas como é imponderável não chegou a magoar-se.

10 setembro 2003

Discurso de recepción del XII Premio Internacional de Novela «Rómulo Gallegos»

Lentamente vuelvo del aturdimiento de estos últimos días y me quedo recordando entre ustedes unas palabras de José Balza en Un Orinoco fantasma: «Lentamente vuelvo del aturdimiento y descubro que estoy en una especie de sala inmensa: en ella se acumulan —por momentos en orden, como capas gaseosas — los materiales del sueño. Estoy en el depósito de los sueños de todos».
Ahora estoy en una sala inmensa de Caracas en la que se acumulan los sueños de todos y yo me dispongo a contarles que en la madrugada del 18 de septiembre de 1993 visité Caracas por vez primera y llegué fatigado por el vuelo transoceánico, llegué muy cansado al Hotel Ávila y, al entrar en el cuarto que daba al exuberante jardín, yo estaba convencido de que me quedaría dormido enseguida. Pero no fue así. Yo no sabía que iba a necesitar un periodo de adaptación antes de poder servirme integrado en la nueva realidad que me acogía.
Al entrar en el cuarto y salir a la terraza, se disparó de pronto la alarma antirrobos de un coche. Su sonido era suave pero tenaz, divertido pero obsesivo. Me di cuenta de que, pese al cansancio acumulado, no me sería fácil dormir. Nervioso, insomne. Di vueltas por el cuarto y luego salí al pasillo de aquella primera planta del hotel y anduve arriba y abajo largo rato. Fue terrible. Cuando regresé al cuarto, la alarma —como el dinosaurio de Monterroso— seguía allí. Llegué a plantearme si bajaba a recepción y les pedía que hicieran algo para silenciar aquella suave pero obsesiva alarma. Y de pronto, al salir una vez más desesperado a la terraza que daba al jardín, descubrí de pronto que no se trataba de la alarma de un coche, sino de un pájaro, de un pájaro tropical y solitario que cantaba en la madrugada de Caracas. Saber que todo había sido una falsa alarma, saber que era un pájaro —en ningún momento lo vi, pero quise creer que era un pájaro— me tranquilizó tanto que poco después quedé feliz y profundamente dormido.

Ese pájaro del Hotel Ávila me recuerda esta noche al pájaro solitario que protagoniza La danza del jaguar, un libro de Ednodio Quintero. Y también me recuerda esa cita de San Juan de la Cruz que encabeza ese libro y en la que el poeta español habla de las cinco condiciones del pájaro solitario: Que va a lo más alto, que no sufre mes sea de su naturaleza, que pone el pico al aire, que no tiene determinado color, que canta suavemente.
Hay un segundo jardín y está en Coyoacán, en la ciudad de México. Acudo a él en una noche parecida a esta, voy en compañía de mi amigo Christopher. Vamos a asistir a una lectura de poemas de William Carlos Williams a cargo de Octavio Paz. Se hace un gran silencio cuando comienza a leer el poeta, un silencio tan hondo que hasta puede oírse cómo avanza la noche. El primer poema que lee Paz es Compañero del ave, que se diría —le digo bromeando a Christopher— que me está evocando a mí en compañía de un pájaro solitario que entreví en una madrugada venezolana. Pero hay bromas que se vuelven serias. El segundo poema, Todos los días, parece insistir en ese recuerdo del Hotel Ávila: «Todos los días, al salir en busca del coche,/ paso por un jardín...»
En cualquier caso, el poema decisivo aún está por llegar, el poema inolvidable llega cuando Paz lee El descenso:
El descenso seduce/ como sedujo el ascenso [...]
Nunca la derrota es solo derrota, pues
el mundo que abre es siempre un paraje
antes
insospechado. Un
mundo perdido,/
un mundo insospechado,
despliega, seductor, nuevos parajes
y nunca es tan blanca la blancura (perdida) como
en el recuerdo.
En el origen de El viaje vertical está ese jardín de Coyoacán en el que, riendo de una manera infinitamente seria, evoco ese otro jardín, el de Caracas, poco antes de ir sin saberlo al encuentro de un mundo que había perdido, ese mundo insospechado que Paz despliega en la noche mexicana, despliega seductor, mostrándome nuevas vistas y parajes para un libro mío por venir, para un libro —desciende verticalmente en aquel momento tanto la idea como el motor de la futura novela— que hablará de la vejez, de las fascinantes perspectivas que pueden verse a la hora del descenso, del descenso en la vida.

Hay un tercer jardín y se halla en la cumbre de una montaña de la isla portuguesa de Madeira. A esa isla acudo pocas semanas después de mi incursión en el jardín mexicano, acudo a Madeira con el motor y la idea de la futura novela, cuyo título provisional es El descenso, pero todavía sin la trama ni los personajes que se exigen desde siempre a cualquier novela, a cualquier depósito de los sueños de todos. Estoy en ese jardín en la cumbre, en lo alto de Madeira, y desde allí contemplo la extraordinaria belleza de la isla. Pasa un pájaro. Pasa como una exhalación. Y yo, sin duda impresionado por la gran belleza de la isla, le hago esta pregunta a la persona que me acompaña, una joven nacida en la isla: «¿Hay movimientos independientes en Madeira?».
Es absurdo que haya preguntado esto. Ya en el mismo instante de formular la cuestión, me doy cuenta de que es muy raro que esa pregunta la haya hecho yo. Porque una pregunta de este estilo, realizada ante la isla, habría sido mucho más lógica que la hubiera hecho mi padre, por ejemplo. Mi padre, que no está en la isla, que está en Barcelona. Mi padre, que es nacionalista catalán. Mi padre, que hace años que se niega a viajar y en el que sin duda he pensado cuando he formulado la pregunta y sin darme cuenta me he hecho pasar por él —hasta creo que he imitado su voz—, movido posiblemente por el deseo de que estuviera allí conmigo y, como yo, se sintiera conmovido por la belleza de la isla y comprendiera que es bueno viajar, que es bueno —como decía Pessoa— viajar y perder países, perderlos todos, perder tu propio país, perder hasta tu identidad o como mínimo, ironizar sobre el deseo maniático de identidad, volverse menos neurótico y aceptar el hecho de que la vida es siempre un mestizaje. Cada uno de nosotros tiene dos padres y no uno solo. Y además cuatro abuelos. Somos como en el título de la novela de José María Arguedas, un producto de «todas las sangres».
Porque veo la vida como un mestizaje me fascina, por ejemplo, la música multiétnica de Manu Chao. Y a veces en conversaciones con los amigos enlazo la libertad mestiza de esos ritmos musicales con un posible futuro de la novela que, en mi opinión, será multirracial o no será, no será nada, solo letra muerta, solo un obsceno jugar —que diría Gombrowicz— a la grandeza y celebridad de un modo casero, «ese simpático ruido fabricado antaño por la condescendiente prensa y la inmadura crítica, ignorante de las verdaderas proporciones de los fenómenos, todo ese proceso de hinchar artificialmente a los candidatos al título de escritor nacional».

Hay que ir hacia una literatura acorde con el espíritu del tiempo, una literatura mixta, mestiza, donde los límites se confundan y la realidad pueda bailar en la frontera con lo ficticio, y el ritmo borre esa frontera. De un tiempo a esta parte, yo quiero ser extranjero siempre. De un tiempo a esta parte, creo que cada vez más la literatura trasciende las fronteras nacionales para hacer revelaciones profundas sobre la universalidad de la naturaleza humana.
Como dice Gao Xinjian, la literatura trasciende la ideología, las fronteras nacionales y las conciencias raciales. Y ello se debe a que la condición existencial del hombre es superior a cualesquiera teorías o especulaciones sobre la vida. La literatura es una observación universal que abarca los dilemas de la existencia humana, y nada es tabú. Si algo lo es, se debe a que viene impuesto del exterior: la política, la sociedad, la ética y las costumbres pretenden recortar la fuerza singular de la escritura. Pero hay buenos motivos para el optimismo. La literatura no solo no tiende a desaparecer sino que avanza con estimulantes conquistas de libertad. La novela, por ejemplo, no solo no ha muerto sino que evoluciona de forma atractiva, cada vez descansa más en una sucesión de rebeliones y emancipaciones gracias a las cuales los escritores están logrando las condiciones de una literatura autónoma, pura, liberada del funcionalismo político.
Yo esta noche me siento como Urzidil, aquel amigo de Kafka que se declaró hinter-nacional, el que vive y existe detrás de las naciones. Amo a fondo, a mi propio país, pero también me reconozco perteneciente a una unidad más grande que cualquier dimensión nacional. Porque la identidad —puede comprobarse en El viaje vertical— es algo movible. En la unidad de la persona confluyen elementos varios, contradictorios, provisionales, fluctuantes. El individuo que se sabe múltiple —dice Claudio Magris— aprende así a sentirse huésped y no patrón de su propio mundo, de su propia identidad, un huésped a veces autorizado, a veces abusivo, pero ciertamente no más legitimo que los demás. Y sugiere Magris algo que me ha quedado tan grabado como el pájaro solitario del jardín de Caracas, sugiere algo en forma de pequeña terapia con respecto al racismo: «No estaría mal que se ensalzase una raza elegida y superior, destinada a dominar a los demás, con tal de que a todos —absolutamente a todos— se les negara pertenecer a la misma».
Vuelvo al tercer jardín de este discurso, vuelvo al jardín en la cumbre de la isla de Madeira, regreso al momento en que hago esa pregunta absurda sobre los movimientos independentistas y descubro que con ella, con la pregunta rara, me han llegado de pronto la trama y el personaje central de El descenso, mi futura novela. En El descenso, que acabará llamándose El viaje vertical, un nacionalista catalán de 77 años será expulsado de casa por su mujer, justo al día siguiente de haber celebrado las bodas de oro. El hombre abandonará su ciudad y emprenderá un viaje sin retorno, con descenso vertical y paulatino cambio de identidad que se inicia en Oporto, sigue en Lisboa, continúa en Madeira y acaba en el fondo del mar, en la Atlántida. Al fondo de lo desconocido, que decía Baudelaire, para encontrar lo nuevo.
Hago esa pregunta en el jardín de Madeira, hago esa pregunta absurda y descubro de golpe la trama y el personaje central de mi futura novela. Y yo continúo como si nada, sigo contemplando desde lo alto la belleza rotunda de la isla y me digo que viajaré lentamente hacia el trapecio sin red de la novela, muy lentamente, lucharé contra la máquina retórica del mundo actual, esa máquina que incita a la velocidad y al futuro y nos arrebata el presente, que es la única en el fondo vida verdadera en la que podemos realmente vivir y amar y, ver y gozar. Siempre he sido un viajero lento, siempre he creído saber que escribir significa resistirse a una carrera mortal, iba a escribir una carrera de escritor nacional. He sido siempre el viajero más lento, y todo me ha ido llegando en su momento, a veces tras azarosas deliberaciones de un jurado reunido en ultramar. Como escribe Victoria de Stefano en El lugar del escritor: «Hay azares fruto de deliberaciones misteriosas que se resuelven en nuestra ignorancia y a nuestro favor». Siempre he sabido que escribir significa detenerse, demorarse, retroceder, deshacer; escribir para escribir, no para haber escrito y publicado.

Yo quiero aprovechar esta oportunidad de esta noche para hablarles como escritor con la voz de un individuo, de un pájaro solitario, con la voz de un hombre. No se ha cansado Xingjian de decir que un escritor no puede hablar como portavoz del pueblo o ser un himno o la voz de una clase social o de un movimiento artístico, porque en todos esos casos la literatura deja de ser literatura para convertirse en un simple instrumento de poder. Lo que dice Xingjian —gran admirador de Kafka, Pessoa y Beckett— es que un escritor solo se representa a sí mismo y su voz es obviamente débil, pero es precisamente esa voz personal, su voz de pájaro solitario, la que resulta más auténtica.
Pienso esta noche en la voz de un hombre solo llamado Kafka, que admiraba a Strindberg, del que decía: «Esa rabia suya, esas páginas obtenidas a puñetazos». Y pienso esta noche en tantas páginas de Beckett o de Pessoa, obtenidas con los puños y cruzadas por el acero del dolor. El hecho de que Pessoa, Kafka y Beckett —paradigmas perfectos del pájaro de Caracas— recurriesen al lenguaje no respondía a una voluntad, por parte de ellos, de reformar el mundo, pero, pese a ser conscientes de la insignificancia del individuo, dejaron su voz, pues tal es, en definitiva, el duende del lenguaje.
Lo he comentado ya en otro lugar. Precisamente Adorno, que no compartía en modo alguno con el inefable Sartre ciertas teorías sobre literatura y compromiso, admiraba a Kafka y Beckett en quienes, tras modificar su célebre idea de que no es posible la poesía después de Auschwitz, veía la única tendencia interesante por la que podía deslizarse la literatura de aquel momento, que para mí es este mismo momento en el que digo y leo esto. La cualidad que Adorno distinguía en el arte de Kafka y Beckett se llamaba autonomía. Sabía que en ellos hablaba la voz de un hombre, y que esa voz incluía la humanidad entera. Literatura autónoma y, como he dicho antes, liberada del funcionalismo político. Canto suave de un pájaro en la madrugada, pero que nadie piense que la debilidad de esa voz singular se quedaba en pura debilidad. Todo lo contrario. En su debilidad está su fuerza. Si algo tiene de extraordinario la literatura es que es un espacio de libertad tan grande que permite todo tipo de contradicciones. Por ejemplo: en un mismo párrafo se puede creer y no creer en Dios. Me vienen a la memoria los relatos de Singer, donde se dan la mano la epifanía de la fe y la de la nada más radical y no es posible saber si Singer es o no creyente.
En la debilidad de esas voces singulares está su fuerza. Y que nadie ahora piense que su literatura era pura, o sea idéntica al arte por el arte, al arte vacío. Las voces de estos autores nunca se desentendieron del rumbo del mundo, pero no se comportaron respecto a este como si quisieran aportarle respuestas. Lo suyo era un asfalto mojado por la lluvia, mirar cómo pasan los trenes y sentir el viento de sus voces no serviles.
Antes escribir era más fácil que ahora, no existía con tanta fuerza la reflexividad sobre el trabajo propio. «Quizá todo comenzó con Flaubert —dice W.G. Sebald—, y la manera como se maltrató él mismo escribiendo. Rousseau y Voltaire, en cambio, se lanzaron alegremente a escribir, a seguir adelante, a mejorar la sociedad, a ilustrar». Yo no siento la menor nostalgia de esos tiempos alegres. Encuentro un placer en seguir adelante sin las alegrías de Voltaire. Me divierte, además, amar a la tristeza. Cuando casi todo el mundo habla de tragedia y fracaso final de la literatura, yo hago proyectos. He llegado a imaginar una novela cuya estructura, cuyo esqueleto lo movería el ritmo de una rumba catalana cantada por un pájaro solitario en las Ramblas de Barcelona, y esa rumba sería extremadamente mestiza y acogería gran variedad de géneros. Puesto que la vida es un tejido continuo, la rumbosa novela podría estar construida como un tapiz que se dispararía en muchas direcciones mezclando todo tipo de géneros literarios.

«¿Regresará Dios cuando su creación esté destruida?», se pregunta Elías Canetti. No lo sé, pero soy tan optimista que creo que habrá escritores para contarlo. Hablando precisamente de Canetti, me acuerdo de un texto suyo, La profesión de escritor, en el que cuenta el estupor que le produjo la lectura de una nota suelta de un escritor anónimo, la nota llevaba la fecha del 23 de agosto de 1939, es decir, una semana antes del estallido de la segunda Guerra Mundial, y el texto decía: «Ya no hay nada que hacer. Pero si de verdad fuera escritor, debería poder impedir la guerra».
Canetti se dijo todo esto, pero durante días no paró de darle vueltas a aquella nota del escritor anónimo, de aquel pájaro solitario. Hasta que de pronto se dio cuenta de que el autor de aquella nota suelta tenía una profunda conciencia de las palabras, y entonces pasó Canetti de la indignación a la admiración. Se dio cuenta de que mientras haya gente —y hay, desde luego, más de uno— que asuma esa responsabilidad por las palabras y la sienta con la máxima intensidad al reconocer un fracaso total, tendremos derecho a conservar una palabra —la palabra escritor— que ha designado siempre a los autores de las obras esenciales de la humanidad, esas obras sin las cuales no tendríamos conciencia de lo que realmente constituye dicha humanidad.
El orgullo del escritor de hoy tiene que consistir en enfrentarse a los emisarios de la nada —cada vez más numerosos en literatura— y combatirlos a muerte para no dejar a la humanidad precisamente en manos de la muerte. En definitiva: que a un escritor le podamos llamar escritor. Porque digan lo que digan, la escritura puede salvar al hombre. Hasta en lo imposible.

08 setembro 2003

E agora José? E agora Rosario?




Na contra-capa de El mal de Montano uma fotografia de Enrique Vila-Matas. Olha-nos de frente, talvez de um plano ligeiramente mais baixo que o nosso. A mão direita, à altura do queixo, segura um cigarro. Veste um blaser preto e uma camisa clara, de colarinho apertado. Olha-nos, interrogativamente, com os olhos muito abertos, a boca fechada, o rosto mal barbeado.

Na página 132 o narrador Vilamateano dá-nos uma chave para uma das fotos. Diz-nos que, à semelhança do que fez José Cardoso Pires aos cinquenta anos, lhe deu para fumar frente ao espelho e perguntar. E agora, José. Ele, perigosamente deixado em casa num longo fim de semana em que todos parecem ter desertado, pergunta: E agora, Rosário. (Rosário Girondo é o matrónimo do narrador vilamateano, o nome da mãe, autora do inédito Teoria de Budapest, e o nome com que o narrador assina os seus livros).
E num diálogo hamletiano, ao espelho, ouve uma voz que lhe diz:
-Agora. Continua a fumar.


A capa de El Mal de Montano, edição castelhana com uma fotografia perturbadora. Um ser andrógino, de branco, camisa masculina de mangas, calça turca apertada justamente acima dos tornozelos estreitos, babouches brancas, gravata e cinto finos, escuros. Tem um cigarro na boca. Dir-se-ia sorrir. Mas talvez seja só o esgar da boca que segura um cigarro enquanto a mão direita risca um fósforo. O corpo desenha uma convexidade e, se esquecêssemos o pormenor dos fósforos, podia sugerir o movimento do boxeur que prepara um ataque.
A face é estranhamente parecida com a de Vila-Matas. A mesma fronte alta e ovalada, as mesmas sobrancelhas , o mesmo queixo voluntarioso. Vila-Matas nasceu em 1948 e a foto é de Júlio Vivas, chama-se “Mujer de un pintor” e é de Colónia, c. 1924-1928, embora o fundo- um fragmento de um quadro e um painel com um arabesco, sejam singularmente actuais.

Le voyageur




(fragmento final)


(...)

C'était tu t'en souviens à la fin de l'été
Deux matelots qui ne s' étaient jamais quittés
L'ainé portait au cou une chaîne de fer
Le plus jeune mettait ses cheveux blonds en tresse

Ouvrez moi cette porte où je frappe en pleurant

La vie est variable aussi bien que l'Euripe.
Guillaume Apollinaire



Era lembras-te no fim do verão
Dois marinheiros que nunca se tinham deixado
O mais velho trazia ao pescoço uma cadeia de ferro
O mais novo apanhava os cabelos louros em trança

Abram-me esta porta a que bato a chorar


A vida é variavel e assim é o Euripo.

O Rosto




O rosto de Barbara, il pleuvait sans cesse sur Brest ce jour-lá
O poema, num francês sem erros ortográficos, virá mais tarde, quando dominarmos melhor esta tecnologia.

Enviado por Cristina J.

07 setembro 2003

Top Five

O post da semana: " À noite todos são grandes poetas. Depois vai-se dormir" José
O mais romântico: O regresso de Armanda saudado por PC: Um beijo para ver se és real.
O mais culto: A explicação da canícula ao gentio
O mais influente: Ironias erótico-amorosas. Bruno
O mais útil: Instruções ao blogger. BrunoBruno

Exposição (3)

Sou eu o homem que está sentado na cadeira, na sala de exposições cujas paredes revestidas de estantes lembram uma biblioteca. Tenho a cara pintada de branco. Não foi a mulher que amo quem me pintou. Mas ela assistiu, tolerante e divertida. Estou sentado e recebo livros que uma outra mulher retira das estantes e me traz, abertos numa página especial, com uma passagem sublinhada. Leio essas frases que são a história e a luz da minha vida. Algumas delas perdi-as num tempo sem ternura. Não compreendi ainda outras, inteiramente. Leio-as devagar, sem ênfase, em surdina, como se as lesse para mim. Alguns visitantes mais curiosos aproximam-se e ouvem algumas palavras que talvez façam sentido para as suas existências, que desconheço. Palavras, frases, capas de livros, nomes de autores. Demoram-se algum tempo, ou olham apenas com vaga curiosidade. Ou dizem uma frase que faz rir os companheiros e passam a outras salas onde decerto há acontecimentos mais excitantes. O candeeiro que ilumina os livros aquece-me a cara e faz-me cair a tinta, como lágrimas. Mas continuo. Esta foi a forma de corresponder ao convite do meu amigo, que organiza a exposição e à entrada da casa recebe os visitantes com o seu sorriso confiante.
De cada vez que me traz um livro, ou apenas se aproxima com as mãos com que perscrutou os espaços vazios das estantes, a mulher diz-me um nome, sempre diferente e sempre o mesmo, que suponho ser o seu. (...).
Quando tudo se aquieta à minha volta levanto os olhos para o espelho e vejo a minha cara. É a cara de J.Cardoso Pires perguntando e agora José? A cara de Enrique Vila-Matas, a cara de Richard Dawkins, a cara de Stendhal, a cara de Carlos de Oliveira, a cara de Borges, a cara de Rilke, a cara de Luiza Neto Jorge, Rubem Fonseca, David Lodge, Javier Marias, Jared Diamond, perguntando E agora?
Depois, pressentindo uma presença atrás de mim, volto-me, e vejo, alinhados, família, amigos, alguns desconhecidos, a mulher que amo e não me pintou a cara. Vejo a vossa cara de espanto e piedade e percebo que deve ser outra a verdade do espelho. Volto-me, e ao fazer esse movimento em que vos perco e não encontro ainda a luz do espelho atravessa-se nos meus olhos que se fecham a imagem desse que sou: Tongoy no Hotel Brighton de Valparaiso, o lacaio de Stendhal, o serviçal que acompanhou Rilke em Koenisberg, o médico de Borges, o moço de café que se demora nas mesas à procura de seres imaginários e cuja vida insignificante, naturalmente, não será lembrada.

06 setembro 2003

Coincidências na RTP2

Hoje, Sábado, RTP2, às 00:35 no Ondas Curtas. Uma interpretação da Ti Miséria realizado por António de Campos.

Prometo um re-encontro com histórias da infância e da natureza.
Prometo uma misteriosa nogueira onde ela guarda o segredo da vida.
Prometo cheiro a bolos de verdade a provar no fim.

Prometo uma antecipação de um re-encontro, como um déjà-vu no passado, num diálogo que parecia ao acaso.
Prometo uma sensação repetida de empatia, a confirmação da certeza dos afectos, num blog meses mais tarde.

Depois de uma tenda cheia de espanto de crianças, depois de uma correnteza de emoções digitais, depois, depois o quê Sofia?

Enviado por PC

Como faremos para desaparecer?

Era mentira. Desculpem os que acreditaram. Era um desejo, formulado na véspera de voltar o milfolhas. Ela não tem nenhum blog. Nem tenciona ter. Não será tão cedo que alguém, assinando M. Blanchot, nos falará de livros, como ela o faz. Como ela sabe. Continuaremos à procura dos textos dela, no jornal do costume, acreditando que voltarão as manhãs da rádio.

Vantagem da veterania.

Vanessa, neófita da blogosfera, manda, em euforia comunicativa, um beijo a Ernesto.
A que eu beijo não precisa sequer de ser nomeada.

O avô dele

“-A blogosfera é uma desilusão. Qualquer merdas pode ter acesso a um blog. Não precisa de começar a tarimba no DN jovem, no jornal da terra, de mandar os textos ao amigo do pai, de encomendar críticas . Ao fim de pouco tempo já pode escrever: Não fodes nem sais de cima. Lembras-te? Só ao fim de cinco livros de ensaios e uma bolsa para escrita é que consegui pensar que podia escrever qualquer coisa parecida. “

“-Os pais fundadores da blogosfera não podiam prever isto. Mas podemos fazer qualquer coisa para limitar esta bandalheira. Olha, só ler os gajos que digam estar a fazer mestrado ou doutoramento, por exemplo. Ou então não lhes dar conversa e falarmos entre nós.”

“-Isso, isso.”

Tia Lena

A minha tia Lena, que é agora a mais puritana das minhas tias, achava que a blogosfera era um sítio pouco recomendável. Telefonou atónita: Luís, viste o Eduardinho? Ela, que adormecia todos os sábados ao som da crónica de fundo do EPC no Milfolhas, declarou “se está tudo assim vou ler as coisitas que andas a escrever”. Mas o endereço que abriu foi o dOmeu pipi.

EPC explicando o orgasmo a João Bénard

Na respeitável imprensa o acontecimento máximo parece ter sido EPC a explicar ao director da Cinemateca lusa a diferença entre o orgasmo vertical e horizontal. Diz quem viu que EPC, por motivos ignorados, se irritou e isso lhe prejudicava a intenção pedagógica. João Bénard trovejou: Oh homem, não se irrite que assim não consegue explicar-me nada! Apesar da experiência ter sido sobretudo escatológica o resultado foi devastador. EPC não conseguiu escrever a coluna do dia e João Bénard meteu um mês de férias.

05 setembro 2003

Exposição (2)

O homem é afinal Robert Walser. Está vestido de preto, muito formalmente. A cara, pálida, parece a cara pintada de branco das prostitutas chinesas. Uma mulher procura, lentamente, livros nas estantes. É tão alta que as estantes mais altas lhe são acessíveis, ou se curvam para ela. Escolhe um livro com um gesto tão gentil que às vezes parece tocar apenas o espaço entre dois livros. Selecciona uma passagem. Como se entre eles existisse uma combinação prévia, atravessa a sala e entrega o livro a Robert Walser, com a página assinalada. Ele lê, primeiro em silêncio, sorri como se fizesse o reconhecimento do texto, levanta para ela um olhar agradecido, recomeça a ler. De cada vez que isto acontece ela aproxima-se mais, para conseguir ouvir as palavras que ele agora recita, em surdina. Seguem-na, curiosos, alguns visitantes. No fim de cada leitura ele devolve o livro e pergunta-lhe o nome. Os visitantes decoram o autor do livro escolhido, a passagem seleccionada, os vários nomes da mulher. Agora chama-se Melousine.

04 setembro 2003

Querem conversa

O psi afinal pouco bruto foi para férias confortado com os sacramentos do Pai abrupto.


Filipe: Obrigado. É sempre bom saber que nos ouves. Sabes que com a arraia-miúda podemos nós bem. O pior é esta malta danada dos jornalistas. Até inventam mortos pelo calor só para pôr em causa a política do governo. Os jornalistas estão muito mais à  esquerda do que o povo. Este desajustamento devia ser corrigido. Democraticamente, claro.
JPP: Ó Filipe, essa fui eu que disse.
Filipe: Está bem, não sou obrigado a ler todos os teus posts, eu tenho tempos livres. Mas diz-me lá, concordas mesmo que aqueles blogs que a jornalista citou, anti semitas, anti emigrantes, homofóbicos se equivalem ao Muro sem Vergonha?
JPP: Eu não perco tempo a ler os blogs dessa gente. Até ler o teu, quando são os outros que escrevem, me custa um pouco, devo confessar. Mas essa não é a questão fundamental.
Filipe: Agora distraí­-me. Diz-me então qual é a questão fundamental?
JPP: A questão fundamental é identificar essa esquerda que quer levantar a cabeça com os crimes históricos da esquerda. De cada vez que algum deles falar, não importa de quê, é importante que haja alguém como tu que lhes diga Pol Pot, gulag, sendero.
Filipe: E o debate. Não fica um pouco ameaçado?
JPP: Deixa lá o debate. A Fundação esplendorosa tem uns alpendres onde sempre haverá lugar para o debate necessário. E não foste tu quem escreveu que os fumadores acabarão sempre com os fumadores, reconfortando-se com os seus argumentos?

Despeço-me dos cadernos Moleskine

Houve tempos em que me fascinaram os cadernos Moleskine, as capas pretas, o pequeno envelope da contracapa, o elástico, o Chatwin. Agora que todos as papelarias dos shoppings as vendem, comercializadas por um italiano esperto, até o nome se banalizou. Até o Chatwin.

Vendre un inconnu à des inconnus

Acho que o bicho escala estantes é um livreiro. E deve ser um livreiro bom e um bom livreiro porque pessoas que estimo o tratam bem, mesmo sem eu perceber se o merece. Já me deu uma frase lindíssima de um livro que vendeu a um desconhecido. A revista Lire, de Setembro, edita um pequeno suplemento sobre os livreiros intitulado "Vendre un inconnu à des inconnus". Neste caso o bicho não vendia um desconhecido, embora tratasse os clientes por desconhecidos parvos. Adoro os livreiros, embora os bichos escala estantes rareiem. Na terra onde vivo escasseiam mesmo as livrarias. Mas numa delas, onde o bicho-propietário mal é visto, há uma assalariada que já leu Ana Paula Inácio, sabe que Sara Adamopoulos não deve estar na estante da ficção estrangeira, conhece editoras menores como a Averno, e corou deliciosamente quando lhe perguntei se já tinha lido a Maria do Rosário Pedreira -para ela, até ali, "a editora de Temas e Debates". Agora, quando entro a deshoras, ela procura, debaixo do balcão um livro que guardou para mim e eu finjo não conhecer, folheio com falsa surpresa e verdadeiro prazer, agradeço-lhe do coração e estou assim a fazer uma biblioteca dela que lhe tenciono oferecer quando o contrato a termo certo acabar e o bicho- patrão, este que já não escala estantes, a despedir.