Se
Se os meus olhos te incomodam
quando te olho de frente
não me importo de arrancá-los
para amar-te cegamente.
Mário Sá-Carneiro
Se os meus olhos te incomodam
1.Um escritor é um criador com menos dignidade do que um actor, um bailarino, um músico, um cineasta. 2. Receber um subsídio do Estado torna um ecritor funcionário público? 3. Um cineasta que é subsidiado pelo Estado, ou por um organismo do Estado, é por isso um cineasta de regime? 4. Numa lógica liberal, com todos os bens mercantilizáveis, também a investigação deveria ser apoiada apenas pelas empresas? Os investigadores que preenchem aqueles horríveis formulários para a FCT sentem-se funcionários públicos? Sentir-se-iam melhores apoiados por mecenas? Os formulários das Fundações, dos Bancos etc, são melhores? E os deputados? Aquela saudável pulsão representativa, aquele ardor de servir o povo não poderia ser realizado, benévolamente, à noitinha e nos fins de semana?
Alexandra Lucas Coelho anuncia a publicação pela Caminho, ainda este ano, dos primeiros sete livros de poesia de Sophia. Esta primeira série termina com a reedição do Livro Sexto, aquele em que começaram a ser explicadas algumas das evidências da vida, como agora a entendemos. Por exemplo, o motivo da tomada de Cacela.
Síndrome de Bartleby: síndrome de inspiração melvilliana que paralisa os escritores, fazendo-os renunciar à literatura (ver Vila-Matas)
Síndrome de Zuckerman. Atinge os leitores. Os leitores confundem o personagem de um livro com o seu autor. Os autores que escrevem na primeira pessoa, facilitam, nos seus leitores, o aparecimento deste síndrome(ver Philip Roth).
Síndrome de Bulhão Pato. Atinge igualmente os leitores, que se acreditam retratados ao ler determinada descrição. Bulhão Pato quis processar Eça por se julgar caricaturado no Tomás de Alencar de Os Maias.( cunhado por Rubem Fonseca)
Peço desculpa às meninas. Gosto de coisas fortes. Já vi que ninguém mais lê, por aqui até onde enxergo. Leio durante a tarde e logo, prometo partilhar.
No fim dos fimes saímos calados até à mesa do café onde se desatam as coversas. Quando os que vão comigo me pedem opinião, respondo sempre: I would prefer not to. Pelo menos até ler, aqui, os diálogos entre o Repórter Lírico e o Escrivão Bartleby.
A revista literária de Vilarelho anuncia o seu número sete. Só pelos tectos falsos já vale a pena. Entre números, infelizmente, a oeste nada de novo.
Vamos os quatro depois de uma noite mal dormida. A de A Natureza do Mal, toda de preto e saia curta. O André, o PC e eu de óculos escuros e gravatas azuis celestes ilustradas a pássaros. Chegamos cedo a Almourol e temos quase uma hora para esperar, como convém numa peregrinação. Tiramos fotografias na estação quase deserta. A preto e branco, com vento e um ameaço de chuva. Parece um filme de Wim Wenders. Quando faltavam dez minutos a de A Natureza do Mal ficou imponderável e começou a subir contra as catenárias. Atámos as gravatas ponta a ponta a ponta para a manter junto de nós o mais possível. Parecia um filme de Jim Jarmusch. Ela chegou no horário previsto. O PC e eu estávamos nos Homens, aflitos, como antes dos exames. Não era preciso cartaz porque a de A Natureza do Mal ainda não tinha descido e os olhares dos passageiros, ao sair das carruagens, convergiam no braço esforçado do André, ao baraço. Trocámos de identidades, quando ela se aproximou para as apresentações. Foi ela quem disse o nome da de A Natureza do Mal. O André passava bem por mim. Mas eu nunca estive em Los Álamos nem tenho a vida toda pela frente. Foi aí que a Zazie desconfiou. Parecia um filme do David Lynch.
Fui dirigente estudantil, participei e tive responsabilidade directa por greves e confrontos com a polícia, e tive a minha dose de desacatos e "ilegalidades", só que num Portugal em que não havia legalidade, nem liberdade, antes de 25 de Abril. Nessas lutas, conquistou-se aquilo que os cadeados de Coimbra estão a pôr em causa.
Ivan, (um excelente blog), foi escolhido para obituário ventriloquo de Cristóvão de Moura. Ficamos todos mais pobres. Não será por ali que a plebe recolherá os ecos da polémica que se prometia num alpendre das Beiras.
O Amor Acontece. E acontecem algumas coisas divertidas, recuperando a receita de 4 casamentos e um funeral e de Notting Hill. Lucia Moniz divertiu-se e é divertida. O momento em que o primeiro ministro britânico recupera a sua dignidade face à arrogância do Presidente dos Estados Unidos é reconfortante. O velho rocker que regressa aos tops faz sorrir. E sobretudo, ah sobretudo, há Emma Thompson. Não importa que as rugas comecem a marcar-lhe o rosto, que esteja a engordar um bocadinho e o marido pareça fascinado por aquela jovem de política sexual agressiva. Emma Thompson é sempre admirável. As virtudes que o seu rosto espelha são incorruptíveis. Por ela troco qualquer dos filmes em cartaz.
Hoje, à mesa das negociações, dois Abas e um do Mal com a Armanda a coordenar. O projecto é fazer O Roteiro das Ruas da Alta de Coimbra mais ou menos como o Rubem Fonseca fez com aquele personagem peripatético que também se chamava Epifânio e que alfabetizava as prostitutas enquanto perambulava pelas ruas do Rio de Janeiro. Aviso à Isabel e ao Sérgio: já comecei. As ruas estão semi desertas. Abriu um bar chamado A Bigorna em frente à casa onde devia estar, houvesse justiça toponímica, uma lápide evocativa da Cona de Aço. Quase só se houve castelhano de Erasmus. Com os portugueses recolhidos a penates ou acantonados nos jardins da Associação, os espanhóis não perdoam. Mais abaixo reabriu M Joana com nova gerência e o mesmo mau aspecto berrante, anunciado em azulejos explícitos com um excesso à porta. A sondagem arqueológica das traseiras do Museu Machado de Castro foi beneficiada com um oleado protector. O cheiro envolvente não prenuncia descobertas excitantes. A Sé Nova está embrulhada numa tela Christica. À hora tardia da minha passagem soltava-se do interior uma melodia latino americana. Os participantes na liturgia sublinhavam com olés os trechos mais entusiasmantes. Lamentávelmente para o meu projecto não havia putas para alfabetizar. Mas a procissão ainda vai no adro.
Hoje, sei lá porquê, tive muitas saudades dele. Voltei a ouvir aquele tiro em New York City e A Working Class Hero esteve a dar todo o dia na minha cabeça.
Jacques Derrida em Coimbra, na Sala dos Grandes Actos, a 16 de Novembro, pelas 10 horas.
Decrépitos, imponentes, Os Inkas dominam o Largo da Matemática. À Rua das Flores chegaram uns italianos que organizam festas. A primeira não teve o êxito merecido, porque choveu. Para a próxima convidem o Bruno, por favor. Na rua do Cabido há uma porta amiga dos gatos. O gato Diógenes não precisa, tem casa própria e mordomias das meninas. A casa do professor Costa Pimpão ainda se espanta com a Faculdade de Psicologia. A casa do poeta J.J. Cochofel está à espera da escrita. Os jardins escondidos sussurram uns para os outros: Tens quartos vagos? Não, só pra rapazes. A traseira do Sousa Bastos estremece o camartelo. O centro geográfico da Alta é a Boa Bay Ela. Um que eu conheci escava túneis de madrugada. Ainda esta semana entrará no Criptopórtico.