30 janeiro 2007

A Ilusao pedomorfica

A vida humana começa no espermatozóide. E a Igreja foi sempre consequente ao perseguir a masturbação.

A vida humana começa na fecundação. Dizem alguns. Mas o que é o óvulo ? E o espermatozóide? Células vivas. Humanas, claro. De sapo é que não são, nem de bagão. Porque é que um espermatozóide tem menos dignidade que um ovo? Porque é que o óvulo só é apreciado depois de penetrado?

Se a destruição dos espermatozóides não se afigura um crime e os espermicidas, as barreiras de esperma e o coito interrompido não foram alvo de sanção especial, o que separa o espermatozóide e o óvulo do ovo? O número de cromosomas? A dinâmica especial que se criou?

A mórula chega ao útero e não nidifica porque encontra um DIU. O DIU, como os padres descobriram com sagacidade, é um dispositivo abortivo. A mórula, como o ovo, como o óvulo e o espermatozóide é vida. Humana, no caso. Mas a destruição das mórulas e dos blastocistos não é vista como aberrante pelo comum das pessoas


A questão que parece preocupar-nos, não é, assim, quando é que há vida? Ou quando é que há vida humana? É: quando é que há vida humana semelhante à nossa?
A consciência humana, que criou deuses antropomórficos, só pode imaginar vida humana em seres assim reconhecíveis. Daí o apelo aos cardiologistas para nos assegurarem que já bate um coração. Se já bate um coração, se tem cinco dedos, se é um homúnculo, então é um ser humano. Já está formado. No século XIX, uma teoria embriológica dizia que os seres humanos passavam pelas etapas filogenéticas da evolução, até chegarem á formatação do mamífero bípede cabeçudo. Se isto fosse verdade, o feto de oito semanas seria um peixe e não teria sucesso nas bancas do Não.


A verdade é que somos pedomorficos. Temos um fascínio absoluto pelas formas jovens. A imagem do ser liliputeano que o Não distribui é mais apelativa que o problema de saúde pública das mulheres adoecendo, ou arruinando a saúde, por um aborto clandestino. Se lhe juntarmos o cromo da Nossa Senhora, a mãe de todos, a chorar, temos um cocktail explosivo. A razão estremece à porta destas evidências.

Publicado no Blog Referendo Sim (sim-referendo.blogspot.com)

29 janeiro 2007

Os Livros do mês de Fevereiro


Parece que desta é de vez: a biografia de Alexandre O’Neill, de Maria Antónia Oliveira (segunda a partir da esquerda), vai sair da gaveta.




A Teorema vai publicar Doctor Pasavento, a última narrativa de Enrique Vila-Matas, onde o catalão que alucinou este blog leva até ao impossível a tarefa literária de desaparecer, de perder a identidade na perseguição de Walser.




Sérgio Pitol, outro que transformou a vida em literatura, Prémio Astúrias de 2005 é editado pela Assírio. O título é A Vida Conjugal.

Com estes três eu já estava servido acima das minhas posses. Mas anunciam-se ainda Aonde o Vento me Levar, do Marmelo, no Campo das Letras, Salambô, na Relógio D’Água e na Assírio, um Pavese, Diálogos com Leucó, A Modernidade de Benjamin e a Obra Poética de Armando da Silva Carvalho





A Dom Quixote edita O Mestre, o livro que Colm Tóibin escreveu na onda Jamesiana, gémeo do Autor, Autor de Lodge.

28 janeiro 2007

Antologia do Mal: Rui Pires Cabral

À tarde sento-me no jardim do bairro
onde os lódãos acolhem melros
e enchem de sementes as inférteis
alamedas de alcatrão.

É o primeiro domingo sem ti,
em tudo igual aos outros domingos:
ruas despovoadas, grades nas montras
escuras,um pacato mundo de vizinhos
temporariamente ausentes.

Deixo-me ficar ao frio um bom bocado,
distraído pelo fútil desejo de ser
o próximo estranho que atravesse
a rua, de não ter sequer o abrigo
de um nome.

E, de súbito, ei-la que regressa,
após meses de remanso em parte
incerta: conjurei a sombra azeda
que me sussurra ao ouvido.

Cá está ela, sim, íngreme
e sedenta.

A poesia.





CAPITAIS DA SOLIDÃO
DE RUI PIRES CABRAL,
COM UMA FOTOGRAFIA DE
MANUEL BOUCHERIE MENDES,
FOI COMPOSTO POR PAULO ARAÚJO
(TEATRO DE VILA REAL)
E IMPRESSO
NA DOM TEXTO,
EM OUTUBRO DE 2006

26 janeiro 2007

As duas portuguesas e o Corte Inglês



Havia sempre uma saia nova e um pretexto para a despir. O cabelo enfunava ao vento de Janeiro. Andava tanto tempo na rua que as mãos gretavam e os lábios só encontravam sossego noutros lábios. De vez em quando uma ideia condensava-se dos meus olhos ao papel furtivo. Bastava agarrá-la e parecia-me perfeita. Dentro das casas batia o sol e os jasmins cresciam debaixo dos olhos. Não sabíamos o que fazer depois dos saldos.


(Truffaut, Les deux anglaises et ...)

Assediómetro




No caminho para o cabeleireiro três homens estenderam as boquinhas.
Chamaram por mim como se chamam as pombas.
À volta só um e foi por gestos.
Este corte de cabelo não me favorece.



Cindy Sherman fotografada por Robert Mapplethorp em 1985

Mais saúde menos tribunal

Tenho vergonha de uma lei que condena as mulheres a penas até três anos de cadeia porque decidiram abortar. É um problema grave, eu sei. Não se resolve com a despenalização, também sei. De resto não sei mais nada. Não sei nada da vida e tenho perguntado às coisas vivas. Não sei nada da consciência e tenho estudado o Sistema Nervoso Central. Não sei quando as coisas começam ou acabam. Não sei nada dos outros. Vejo o sofrimento e como somos desiguais no sofrimento. E vejo os que sabem e os que julgam que sabem e agradeço-lhes a convicção e o esforço que fazem para que a luz da sua sabedoria se derrame também sobre os que não receberam a graça. Mas enquanto não é tempo, suspendamos os juízos.

Nos próximos dias estarei com os que votam sim no referendo, aqui

sms

A TLEBS foi suspensa. O parágrafo três, do artigo 140 do Código Penal ainda não.

Pelos muros adivinhei jardins

25 janeiro 2007


Foto: Zam, A lua vai cheia de nada

A cada um a sua matriz. Mas na prisão?



Uma escritora declarou que era contra o aborto por razões uterinas. Aqui está um tipo de razões inegociáveis, das quais, para minha infelicidade, me sinto irremediavelmente excluído. A razões deste tipo só o especialista deve ter acesso. Mas a questão a que a escritora devia ter respondido, se queria contribuir para o debate, era: quais as uterinas razões que a levam a defender, para outras mulheres, a prisão.

24 janeiro 2007


Foto: Zam, Chuva de cobre

Large Lexicon, Unconstrained Sign Language


Série Watchdog: Machine Gesture and Sign Language Recognition

23 janeiro 2007

Todas somos marias




Acacia Thiele -- *Lavando o pipi todas somos marias*, 1998


Um crítico de arte quis ver em Acácia Thiele um expoente da carne nua, como Francis Bacon ou Lucian Freud. Eu discordo. A carne nua , em oposição ao erotismo e à pornografia, é a exposição irrisória do corpo. Músculos e pele engelhada, sexos pendentes virados à indiferença dos galgos, faces apoplécticas, um talho.
O corpo de Acácia Thiele é uma celebração. Esta fotografia é uma festa. Já não se via uma água tão espumosa desde que Anita Ekberg entrou na Fontana de Trevi. E se ela levantar a cabeça, o olhar é orgulhoso, desafiante. Porque se somos todas marias a lavar o pipi- no bidé, essa peça de ternura que assinala a presença feminina na intimidade das casas- somos uma irmandade magnífica, unidas pela razão infantil do que lavamos.

Zygomaticus major action in smiling


Série Watchdog - Movement differences between deliberate and spontaneous facial expressions

22 janeiro 2007

Noite de Dia


Foto: Zam

O bolor

Homens e mulheres sozinhos. E o bolor.

Uma mulher do Mal: Fiama Hasse Pais Brandão


Gerardht Richter


MEMORANDO PARA UMA CRIANÇA,
MEU FILHO

Não há que evitar o nada, tanto mais
que o nada não pode ser evitado.
Se amas o diospireiro com seus frutos sorvados
dulcíssimos, Criança, após o prazer sossega
o teu desejo e vê, depois de alguns anos joviais,
que o nada chegou. Mas não vem só, porque ele traz
consigo os seus fecundos restos, que vão saciar-nos
como somente os pães e o vinho saciavam antes.
A multiplicidade está a ser-te oferecida,
olha um grão e outro grão, ainda um aroma, criança.
Sim, o nada é demais, que não o abarques na infância.

In Epístolas e Memorandos, 1996.

As trutas




Eu e a minha mãe fomos neste fim de semana dar um passeio à região do Marão.
Saímos de Coimbra e passámos pelo Porto, seguimos por Amarante e chegámos quase até Vila Real. Já era noite e pernoitámos na Pousada do Marão; era um sitio muito bonito e com uma vista fantástica.
Mas, o mais interessante deste passeio foi a visita ao viveiro das trutas. Eram muitos tanques de água muito limpa e com muitas trutas de tamanhos diferentes e de espécies diferentes, como a truta fario e truta arco-iris. As trutas nadavam de um lado para o outro com muita velocidade. As trutas são peixes de água doce muito saborosos; para que haja em abundância existem os viveiros onde elas se reproduzem.
Quem nos mostrou as trutas foi a senhora Isabel que tinha aspecto de boa pessoa.
Gostei muito deste passeio porque me diverti e aprendi coisas novas.

António Pedro

A truta, de Brent

Sigamos a truta



A senhora Ilda nunca comeu uma truta. Vive há quarenta e sete anos entre as trutas. Até já tem uns olhos fixos e aquosos como os das trutas. Quando começa a falar de trutas tem sempre mais para dizer e nunca se queixa do trabalho que elas lhe dão como quando são bebés e que tem que se lhes dar comida de hora a hora. As águas onde vivem têm de ser agitadas e frias. A senhora Ilda mete constantemente as mãos nestas águas que exalam frio só de as olhar. As mãos da senhora Ilda estão a começar a ficar deformadas pela artrose, mas ela mergulha-as na água gelada dizendo que vai do hábito. Herdou a profissão do pai que criou trutas durante cinquenta anos. O pai muito jovem tratava de trutas enquanto ribombava a segunda guerra mundial e ela tinha começado há um ano quando foi o 25 de Abril. Durante todos os governos provisórios e não provisórios, enquanto se casava e tinha filhos cuidou das suas trutas. De manhã à noite ouve-as a atravessar as águas barulhentas e durante muitos anos dormiu mesmo ao pé delas. Conhece-lhes os mergulhos e os saltos, a forma quase pessoal de deslizar para nós e mostrar o lombo colorido e fugaz. Trata de todas, desde a ova inanimada, até ao adulto de três ou quatro quilos de igual forma. Muda-as de tabuleiro em tabuleiro durante a gestação, limpa-as das cascas de onde saem, vai-as conduzindo de um pequeno tanque para outro à medida que crescem, como quem sobe os degraus do infantário e, mais tarde, de um grande tanque para outro até passarem para os lagos de adultos. Quando as muda, diz que tem pena de as não poder levar ao colo. Quando as espreme para lhes retirar as ovas e o ciclo poder recomeçar, não o faz sem antes lhe afagar o dorso. Nota que as da espécie arco-íris são mais expansivas e dão grandes saltos vindo quase cumprimentar-nos e as da espécie fario são mais discretas e metidas consigo. Ela, embora trate de todas com o mesmo desvelo, prefere as fario.

Rosaarosa

(Isabel Hupert em A Truta de Losey, a partir do romance de Roger Vailland)

19 janeiro 2007

18 janeiro 2007

Três

Estou a ir depressa mas não tenho tempo. Nem saúde para contar da ignomínia de um sistema que demora anos a oficializar uma adopção, que anda à procura dos genes perdidos na Beira, que não protege as Vanessas e as Joanas mas persiste numa cegueira de impotência e burocracia legalista , a fonte de que se alimentam as senhoras das comissões de adopção, último guardião da moral salazarenta. Uma juíza fanatizada pela genética, e pelo carpinteiro vivendo do subsídio de desemprego, condenou a seis anos de cadeia um homem, militar, cujo código diz que não se entrega alguém que ainda não pode escolher. Uma mulher ficou sem homem. Uma criança sem pai. O único que tem, conhece e reconhece. O colectivo decidiu por animunidade, declarou a juíza enlouquecida pela genética. Descansa em paz Winnicot.

Dois

Tinham passado muitas noites, muitas fraldas, muita cólica, algumas febres, muito sorriso, algumas palavras. E uma das palavras era a palavra mãe, mamã. E a outra a palavra papá, que os falantes portugueses teimam em dizer para o homem que lhes dá a comida e a mão para os primeiros passos. O homem e a mulher que receberam a criança tinham feito um processo de vinculação. Tanto psicólogo no desemprego e ninguém explicou a uma juíza fanatizada pela genética o que é a “mãe dedicada comum”, o que é que sente uma mulher que durante dois anos toca a pele de um bebé abandonado. Mas estou a ir depressa demais.

Um

A história foi contada em vários sítios e julgamos conhecer os seus aspectos principais. Uma mulher teve um filho indesejado. Entregou-o a um casal candidato à adopção e foi à sua vida, noutro país. Não volta a ser nomeada. O casal recebeu o lactente e iniciou o processo de adopção. Dezoito meses depois a Comissão de Adopção, ou a Comissão de Protecção de Menores, ou a Comissão de Verificação dos Genes das crianças adoptadas descobriu que o DNA da criança era partilhado por um carpinteiro da Beira interior, desempregado. Há dois mil anos um processo de paternidade que envolvia um carpinteiro da Galileia não chegou a dar origem a conflitos. Não foi o caso agora.

17 janeiro 2007

Kam '07

Toda a alcatifa tem ácaros (excerto)

(...) Pensem nas crianças mudas, telepáticas. Pensem nas feridas como rosas cálidas. Mas oh não se esqueçam da rosa, da rosa. A anti-rosa atómica. Ela era o seu núcleo traumático que ele tentava negar e que de vez em quando irrompia incontrolável, rasgando a alcatifa e tudo o que nela estava precariamente pousado. À volta ficava um mundo estilhaçado em que ele dramático e finalmente exposto não se reconhecia. Mas, pouco a pouco, das ruínas, subia o anjo do mal que retomava as rédeas da história momentaneamente desorbitada. Era a tentação totalitária que irrompia de novo e dela ressurgia o repugnante Homem Novo, maldição e inferno dos tempos.

(Rosaarosa)

VINICIUS / ZIZEK

E por falar em beleza
Onde anda a canção que se ouvia na noite?
No es posible resolver ninguna cuestión en particular sin resolver todas ellas.
O homem é um animal enfermo de morte, dizia georg wilhelm friedrich. Há que aprender a reconhecê-la na sua dimensão aterradora e cultivar este desequilíbrio, este trauma, de modo a cortar o cordão umbilical com a natureza, sempre tão monótona, enquanto as cores de abril não querem saber da dor. É ele o poeta quem diz, morto de paixão. A reconciliação não é uma superação, não é uma absorção panlógica da realidade, mas uma notação sistemática dos fracassos. Vai meu irmão, você tem razão.

E se ele é branco na poesia, ele é negro demais no coração. Demais?

(Rosaarosa)

16 janeiro 2007

Fizemos amor com os Neanderthais

Pelo menos na Roménia e em Portugal. Era o título do jornal de hoje. Li as evidências dos cientistas. Pareceram-me fracas. Fiz o exercício de Nagel: como era ser sapiens há 40. 000 anos ? Talvez assim consigamos uma resposta, mergulhando nos seres que fomos, nos seus medos e desejos. Mas está muito frio nas minhas recordações. Fizemos amor com os Neenderthais? Se fizemos, como diz o major, não tenho consciência.

Prende Inspiração *

15 janeiro 2007

Babel



Babel, de Alejandro González-Iñárritu. Nos jornais que leio, os críticos detestaram. A excepção foi João Lopes, se não se trata de erro tipográfico, que encontrar uma discordância no colégio não é fácil. J Marinha, no DN, diz que o filme é politicamente correcto. Mas politicamente correcto porquê? Porque a polícia trata os pobres de forma brutal, nos EU ou em Marrocos? Porque um hispânico tem sempre razões para fugir? Porque do outro lado da fronteira de Tijuana está Marrocos? Porque há aldeias e gente para lá dos roteiros turísticos? Porque em Tóquio, os adolescentes se charram e empastilham e um homem é capaz de consolar uma rapariga vestindo-a? Porque um camponês marroquino recusa os dólares com que gratificam a sua humanidade? É politicamente correcto mostrar que existem mundos tão distintos que convivem, falam a mesma língua mesmo se é só pelos movimentos dos lábios pressentida, mas que, no momento da verdade, o Estado não reconhece como iguais. Que em qualquer momento se podem desatar as forças da morte, e elas estão em nós, num miúdo que pega na carabina, numa mulher que comete um erro, num rapaz que foge, numa varanda do andar 38.
O filme acaba com uma imagem poderosa. Da varanda de um 38º andar uma rapariga nua e um homem dão as mãos celebrando a vitória sobre a morte. Venham muitos clichés assim.


Babel, Alejandro González Iñárritu com roteiro
Guillermo Arriaga, baseado em idéia de Guillermo Arriaga e Alejandro González Iñárritu
Com Gael Garcia Bernal, Cate Banchet e Brad Pitt
Nomes a fixar :Kôji Yakusho no papel duma adolescente surda-muda e a ama
Adriana Barraza (Amelia)

Ainda os portugueses olímpicos

Olhando para a rapaziada (e só rapaziada) que ficou entre os 10 primeiros e nos quais se pode votar, vemos que eu tinha razão quanto à importância da azinheira no nosso ethos, pois encontramos (e lado a lado) Salazar (azinheira da Cova de Iria) e Álvaro Cunhal (azinheira de Grândola): o modelo da autoridade ascética não nos larga. Vemos também que, finalmente e só depois de morto, Cunhal derrota Soares situado no grupo dos 20 primeiros. E ainda que não há nenhuma moça entre estes 10 eleitos: as Pintassilgo, Amália (que imperdoavelmente não está neste grupo) e Sophia ficaram para trás, e mais atrás ainda Vieira da Silva, Natália Correia e Paula Rego.
Resta-nos, obviamente, votar em Camões ou, quando muito, para os espíritos mais exclusivos da modernidade, votar em Pessoa, embora sustente que Camões era um génio (provavelmente o único génio português, ao contrário de alguns candidatos a pensadores dos cânones que todos os dias descobrem a pólvora e mostram ao mundo um génio por mês) e Pessoa um grande, enorme escritor.
Portanto, meus amigos, a palavra de ordem é votar SIM no referendo e Camões no concurso da portugalidade.
SIM+CAMÕES

(Rosaarosa)

14 janeiro 2007

Achegas sobre alguns dos portugueses nomeados para os óscares de melhores actores no olimpo da nacionalidade



Padeira de Aljubarrota –
transexual (travestti? arqui-sapatona?) ou mesmo cyborg que provocava desacatos e golpadas por tudo quanto é sítio e que hoje em dia seria procurada pela Interpol ou pelo Terminator I, II e até III.
Antecipando e contrariando as filosofias de Deleuze e Guattari, a propósito das máquinas desejantes, Brites de Almeida mostrou ser uma verdadeira máquina não desejante e xenófoba que levou as autoridades locais a pensar criar um serviço S.O.S. Castelhanos. A metáfora do organismo polimorfo que configura uma verdadeira ante-post-kafkiana mutação maquínica é nela uma metamorfose transgressora que responde ao ataque externo no corpo paranóico.
O que é certo é que figuração de máquina de intensidades, este específico dispositivo libidinal, desaparece apos o célebre live-act da pazada, passando Brites a partilhar o leito com um lavrador que muito a admirava (o que quer que isto queira dizer no caso deles). Isto recorda-nos os fenómenos de simulação analisados por Jean Baudrillard, ou seja, uma desaparição por excesso.



Marina Abramovic, Balkan Erotic Epic

E para que não se pense que o exercício da maledicência é gratuito, aqui ficam as
principais referências bibliográficas:

Baudrillard, Jean, Simulacros e Simulação (1981).
Deleze/Guattari, O Anti-Édipo, Capitalismo e Esquizofrenia (1971).
Foucault, Michel, Vigiar e Punir, (1975).
Hegel, Georg Wilhelm Friedrich, Phänomenologie des Geistes (1998).
Kristeva, Julia, Semeiotike: Recherches pour une Sémanalise (1969).
Salgado, Carolina, Eu, Carolina, (2006).


(Rosaarosa)

Achegas sobre alguns dos portugueses nomeados para os óscares de melhores actores no olimpo da nacionalidade



Irmã Lúcia –
analfabeta que tinha alucinações sem precisar de tomar lsd. Desde tenra idade vivia num filme de Cronenberg, ainda que a acção se passasse nos arredores da prosaica e beata Leiria. Talvez pelas más vibrações que Amaro Vieira legara àquela zona, começaram a brotar, por entre os miasmas do gado ovino que Lúcia e os seus primos contemplavam de manhã à noite, em vez de estarem na escola primária tornada gratuita há mais de 60 anos atrás por D. Maria II (outra nomeada que acumulou com o emprego de rainha o de ser uma das maiores parideiras da nação, dando à luz 11 filhos), começaram a brotar, dizia, imagens a 3 dimensões que pairavam sobre azinheiras (grande ícone nacional que este ranking ignorou e que afinal divide o pais em norte – a azinheira da Cova da Iria e sul – a azinheira de Grândola). Voltemos às imagens: surgiam estas como um vendaval à poltergeist que varria as pobres almas da região militar centro, varadas de terror. Ainda hoje muita gente treme até cair de joelhos ao chegar ao local só à lembrança de tais relatos. Obviamente que não é preciso esclarecer que tudo isto se passou na cabeça a precisar de litium de Lúcia que de lúcida tinha pouco.

Marina Abramovic em Balkan Erotic Epic, galeria La Fabrica, Madrid, Alameda,9 até 24 de Fevereiro.

(Rosaarosa)

Algumas achegas sobre alguns dos portugueses nomeados para os óscares de melhores actores no olimpo da nacionalidade

Infante D. Henrique –
bicha que vivia acima das suas posses e precisava de fazer dinheiro urgentemente.

(Rosaarosa)

A citação do fim-de-semana

Uma história de amor são sempre três pessoas mesmo que a terceira não exista.



Eduardo Lourenço, in As saias de Elvira

(enviado por Rosaarosa)

12 janeiro 2007

Depressão ante psiquiatra

As mulheres que abortaram têm mais depressão, diz o Prof Vaz Serra (numa conferência do Não), estribado em estudos. Americanos, que o professor não apresentou trabalho próprio.Compreende-se. É direito das mulheres não prestar declarações que as possam comprometer? Uma pessoa sabe lá com quem está a falar. Em Portugal os factores de risco de depressão aumentam. As mulheres que abortam são criminosas. Dizem os padres e um psiquiatra. Ainda bem que as cabeleireiras são tolerantes.

Inconsciente

"Não tenho consciência de ter infringido a lei"
(Valentim Loureiro, A Bola)

Blue




Os blogs andam muitos activos. Viramos as costas e eles pintam tudo.

(Blue em Blue)

Crimes do Perturbado (A suivre)

O encerramento dos SAPs, sem alternativas nos Cuidados Primários de Saúde “em reorganização” constitui a entrega à iniciativa privada de serviços que o Estado tem obrigação e meios de fornecer. Por cada SAP encerrado há um Mello Espírito Santo a florescer. A política de Campos começa no Ministério da Saúde e prossegue no Hospital do BES, Descobertas, Trofa e no dói dói trrim trrim a fichar os cidadão para a Medis.

11 janeiro 2007

Augusto J'Blair, o autor de O Bolor


Marina Abramovic



Os bolores andam muito activos. Viramos as costas e eles pintam tudo. Um dia destes vi um moço mascarado. Perguntei-lhe de que estava vestido. – Sou um bolor, respondeu. Parecia orgulhoso. - Como é ser um bolor? Os pais acudiram e a conversa estragou-se. Não tenho nada contra os bolores. O meu pai ensinou-me a não ter medo do bolor. Ele admirava Fleming e o Penicillium notatum. Por causa disso stive quase para ser Alexandre. Como levava a sério o combate ao culto da personalidade ele acabou por nos pôr nomes de família ou de gente das feiras. Nessa altura Augusto Abelaira escreveu O Bolor. Abelaira não figura no Google, nem na Wikipedia. Se pesquisarmos, perguntam-nos se não queríamos dizer Augusto J'Blair. Augusto J'Blair, o autor do Bolor. Pensei nisto enquanto comia um pão com o queijo onde o bolor se infiltra. Tinha trazido dois pães da padaria, de um shopping. Há qualquer coisa de humilhante quando se pedem dois pães numa padaria, se come sopa sozinho num restaurante ou se entrega a roupa na lavandaria. Como se estivéssemos a revelar a nossa solidão. Às vezes não aguento e compro dez pães, com o ar apressado de quem tem uma família esfomeada à espera do lanche. Mas o pão já não cabe na arca frigorífica e é pecado desperdiçar comida. No mês passado tive uma hemorragi, durante o sono, e acordei com o lençol quente e viscoso. Lavei-o na banheira, corei-o, como o ovo de cuco, num estendal das traseiras, entre a roupa dos vizinhos. Neste shopping, onde comprei os pães, não se vê ninguém. Algumas lojas ainda aspiram ao trespasse. Um café sobrevive com dois namorados. Ela diz: - A linguagem é totalmente arbitrária, com o ênfase com que diria que a sopa de grão-de-bico é indigesta. A voz deles ressoa no hall. Há cinemas fechados, a sede da JS que não chegou a ser inaugurada, uma loja com uma montra de soutiens copa D, como só pensava que se vendessem na Roménia de Ceasescu. Isto sim é decadência. Aqui posso comprar dois pães a um homem que me atende com gravidade, mostrando que é importante poder vender dois papos-secos. Dois papos secos e uma rabanada, para ser sincero. A rabanada faz toda a diferença. Quando comecei esta história era sobre o bolor. Nunca pensei falar na rabanada. Não consigo dizer a palavra vulgar, mais vulgar que a fatia de pão com leite e açúcar. Só apontei, através da vitrina, o dedo esticado para o prato. - Uma fatia. E ele, enquanto embrulhava os pães: - Uma rabanada. Então é uma rabanada. Vai levar dois pães e uma rabanada. São cinquenta cêntimos, a rabanada.

09 janeiro 2007

Fazer um aborto

08 janeiro 2007

Olha Elisa



porque é que os senhores padres, as senhoras que já não se lembram do período e...os homens, não deviam participar neste referendo.
E deixar as mulheres falar


(Philip Ramette)

Mira propriamente dita em si

Moço de Mira lança revista de moda, noite, cultura, tendências. No primeiro número reportagens sobre bares e discotecas de Mira (!): o Raio X, o Contrabaixo, o Ritual bar e o MS Clube ( este faz festas gays, lésbicas, transexuais e swinger). Isto é na Praia de Mira. De Mira propriamente dita, em si, apresenta-se ao mundo o...Tosta Mista. Eu quero é ir a este!

(Rosaarosa por sms)

Sim

Na coluna do lado figura agora um ícone sobre o referendo para revogar a lei que manda prender as mulheres.
É da autoria do Pedro Vieira (link mais abaixo, a partir de hoje).

(da série: Heróis em Collants)

Robin dos Boxers

Hoje o António pediu-me para lhe contar a história do Robin dos Boxers, esse herói em collants.


(Rosaarosa, por sms)

07 janeiro 2007

Evitava de ver 4

Mau gosto, demagogia, ignorância.
Não vai ser aqui que se faz a campanha da facção mais torpe do Não.


(O post foi retirado)

Evitava de ver 4



A Dra. Matilde a declarar-se uma mulher moderna.
Com a Zita Seabra já são duas as mulheres modernas.

(Bernhard e Anna Blume)

Evitava de ver 3

O Dr. Aguiar Branco a exibir a fertilidade.
- Tenho cinco filhos, declarou, obrigando a assistência a cálculos mentais complicados sobre os ciclos férteis da esposa e arrumando definitivamente o Dr. Francisco Louçã.

Evitava de ver 2



O Dr. Bagão Félix, a pedir contenção aos apoiantes do Não. E a seguir a sorrir para a foto. Os dotes histriónicos do Dr. Bagão Félix foram sempre bem aproveitados. Pelo Benfica, pelo João Botelho, pelo ministro Fragateiro e pelo saudoso Lopes. Soltam-no sempre que é precisa agit-prop e ele lá vai, a falar grosso ou fininho, conforme as audiências. As senhoras dizem que o António tem imenso jeito.

Bernhard e Anne Blume

Evitava de ver 1




O Dr. Bagão Félix, a Dra. Maria José N. Pinto e essa esperança da Pátria que é o Dr. António Borges, preocupados com o financiamento pelo SNS das IVG e a sua repercussão nos contribuintes. É comovente a preocupação. Com os contribuintes e com o financiamento do SNS. O Dr. Bagão Félix foi ministro em mais do que um governo e, à frente de empresas privadas, negociou com o Ministério da Saúde. A Dra. Maria José Nogueira Pinto foi administradora da MAC. Devem saber como é que se poupa o dinheiro dos contribuintes e como o aborto ilegal é um problema de saúde pública.

(Bernhard e Anna Blume)

06 janeiro 2007

A vida, mas não toda

Os do Não, dizem-se os defensores da vida. Na verdade eles não defendem a vida, toda a vida. Uns conheço que derrubam os sobreiros. Nem são pela vida consciente. O embrião humano de 12 semanas é um ser vivo senciente. Pelo menos muito mais senciente que as vacas levadas ao matadouro pelo imoderado apetite da carne, ou as aves e os herbívoros criados como peças de caça nas coutadas. Só uma vida lhes merece apreço e protecção. A dos seres da sua espécie. De preferência brancos, católicos e do hemisfério norte.

05 janeiro 2007

F.

Crimes do Perturbado (A suivre)



Depois de ter fechado vinte postos só na região Centro o perturbado da política deixou por colocar 800 funcionários dos Correios. Andaram seis anos a treinar para isto. O perturbado deu uma conferência de imprensa a explicar que tinha comprado o buraco informático do Ministério da Educação, propositadamente para o efeito. O sindicato dos Correios, que ultimamente se destacou na luta contra as impressões digitais, ofereceu os seus serviços informáticos. Colocavam-se à mão numa manhã, no tempo dos cartuchos. Com este erro informático o erário do ministério poupa um milhão de euros. É assim que pensa o perturbado.

A morte de Saddam e a morte, a morte.



José Pacheco Pereira falhou hoje (ontem), no Público, uma crónica inesquecível. O tema era a morte de Saddam, e o começo, uma poderosa evocação da humanidade do ditador perante a morte, prometia tudo. Mas o formato da crónica, as obrigações políticas de que se julga investido, o lugar de onde pensa ter de falar, acabaram por empurrá-lo para o terreno da política vulgar. Acabou a desculpar os americanos, esses gigantes pueris cujas asneiras imperiais têm sempre o condão de serem ungidas pela democracia.

(Andrés Serrano)

04 janeiro 2007

Ruy Castro. Evitas de ler



Há dois anos, no Rio, comprei o livro do Ruy Castro (Carnaval no Fogo). Eu não gosto dos portugueses em geral nem dos portugueses que têm a melhor ideia dos seus compatriotas e detesto os portugueses que se julgam superiores aos marroquinos ou aos habitantes da ilha da Páscoa. Mas irrita-me uma história do Brasil em que os franceses e as francesas, os holandeses e os ingleses são sempre melhores do que os nossos esforçados avós de Novecentos, incultos, boçais, clericais, mal vestidos e sem humor. Se foi assim, não eram todos assim. E se eram todos, prefiro que não me contem. Andava eu deprimido por Minas Gerais, quando, em Belo Horizonte, numa livraria onde a literatura é resgatada, povoada de gente elegante e cara limpa, me apresentaram uma arquitecta de Minas, que tinha estudado em São Paulo e me aconselhou alguns livros. Quando lhe confessei o desamparo em que o livro desse Ruy Castro me lançara, ela consolou-me:- Não ligue. Esse é um americano.
Agora o Ivan Nunes parece ter a mesma opinião. Nunes 1 – Mexia 0. Talvez o Pedro não tenha lido o livro todo. Nem precisa.

(Carnaval no Fogo, ed. ASA, 18 €, do jornalista Ruy Castro foi considerado por Pedro Mexia como um dos livros do ano e por Ivan Nunes (5 dias) uma coisa fedorenta)

Sábado é dia de inauguração no Museu Botânico, 16 horas


Entre outras, fotos transnaturais de Dr.Gica.

Nota: a inauguração é a 6 de Janeiro e não no dia 4.

Landscape

03 janeiro 2007

Vital e o governo do interesse geral

Um dia destes, a propósito de Borat, alguém dizia que ficava chateado quando o objecto de humor são os mais fracos. Ontem, Vital Moreira professor universitário, assina no Público (sem link disponível) um artigo de opinião contra a aristocracia operária. Aristocracia operária é um conceito da “teoria marxista tradicional”, explica ele, que se aplica aos sectores da classe operária que, “relativamente privilegiadas em relação aos demais trabalhadores”, não acompanham as suas lutas. A aristocracia operária actual é, para Vital, composta pelos que, no sector público (professores, enfermeiros, funcionários públicos, Metropolitano, CTT, etc) de alguma forma manifestaram oposição à política do governo ou se empenharam na contestação das medidas que alteravam o seu contrato de trabalho. Vital dá exemplos dos privilégios de que goza esta aristocracia: os trabalhadores do Metro de Lisboa têm direito a 36 dias de férias, subsídio de doença superior à remuneração pelo trabalho efectivo, sem falar noutras regalias que Vital ficou a conhecer depois da entrevista que o presidente do conselho de administração da empresa deu ao Expresso de há duas semanas. Vital pede mais sangue ao governo. Afastando-se da “teoria marxista tradicional” Vital vê agora no executivo de Sócrates o representante “ do interesse geral” o sindicato dos contribuintes, dos cidadãos comuns. E incita-o a ir mais longe “ na eliminação dos privilégios”.
Eu não fui ver o Borat e não perco tempo com os ajudantes governamentais que legitimam a destruição do estado social, utilizando conceitos marxistas. Não conheço a aristocracia operária. Mas se existe, sempre deve ser melhor que os broeiros que as máquinas partidárias gostam de arregimentar quando têm a maçada de se deslocar ao país real.
Em 1880 um « marxista tradicional » chamado Paul Lafargue, que por sinal visitara Portugal, exortou os trabalhadores « à ne travailler que trois heures par jour, à fainéanter et bombancer le reste de la journée et de la nuit ». Para ele, o direito à preguiça era mais importante que “os direitos humanos, obra dos advogados burgueses nos seus escritórios.” Os seus ensinamentos foram ignorados. Ironicamente, os burgueses pedem hojem aos operários, aristocratas ou não, que sigam a última lição de Paul Lafargue. A 26 de novembro de 1911 escreveu ele : Sain de corps et d'esprit, je me tue avant que l'impitoyable vieillesse qui m'enlève un à un les plaisirs et les joies de l'existence et qui me dépouille de mes forces physiques et intellectuelles ne paralyse mon énergie, ne brise ma volonté et ne fasse de moi une charge à moi et aux autres.
Esta solução final para a saúde e segurança social é infelizmente seguida por poucos. Enquanto se espera, deixemos o governo do interesse comum acabar com “os regimes privativos especiais”. Desde que, claro, não se meta com os professores universitários.

Restos de um velho verão

02 janeiro 2007

Enquanto caminharmos sobre destroços teremos chão firme

01 janeiro 2007

Esta noite no Tenebrae

Drogas, alcool e gente em ajuste de contas. O Tenebrae menos disco e pessoas a quererem explicar coisas complicadas no meio de grande barulheira. Muita, muita gente. Ao sair, cerrado nevoeiro londrino sobre Lisboa. A minha família ainda não voltou para casa. Já dormi duas, três horas e conto voltar a dormir. Foi tudo conversas privadas. A J. que se queixa imenso(e com toda a razão) do H. O Afonso, um rapaz que o K. trouxe ao nosso circuito, que fez Física em Eton, vai para o Líbano, depois de se converter ao islamismo, para a namorada poder passar a noite com ele. Estive algum tempo entalada entre a zona das curadoras (não acho a palavra agressiva) e a dos arquitectos. Elas continuam a imitar os curadores e olhavam-me com dureza. Eles, etno chique e sempre com aquele ar de capela onde se chateiam mortalmente. Os cineastas bocejavam, deixando cair as peles macilentas e bebendo muito. Vi uma mulher com ar de...que tinha estampada no rosto a dor que lhe causavam os sapatos modelo santo ofício e a incompreensão perante aquela loucura colectiva. Etc. A minha família continua na rua.

(rosaarosa por sms)

O tecto, nos Correios

Trabalho numa repartição dos Correios. Daquelas que escaparam à modernização. Sombria, mármores do Pleistocénico, humidade nas paredes, ratos, baratas e vermes da terra. Hoje caíu o tecto da sala de espera. Gostava de começar o novo ano de outra maneira. Mas foi assim. Caíu um bocado da placa. Pedaços de 970 gramas, 1250 gramas, 670 gramas. Onze setas, desferidas de três metros de altura, aguçadas, pontudas, de tijolo, cimento e caliça. Partiram-se no chão,aos pés da cadeiras de uma zona da sala de espera, junto a um aparelho de televisão. Felizmente não estava ninguém. Já pouca gente utiliza a repartição onde eu trabalho. Preferem outras mais vistosas, convenientemente privatizadas. Para serviços mais pesados, mais caros, operações a que atribuem gravidade, ainda aqui vêm. Não era o caso, nesta estação do tempo. Felizmente a sala estava vazia. Éramos poucos a limpar os cacos, encerrar a sala, praguejar contra o governo. Em tempos fomos revolucionários, por aqui. Queríamos Correios para o povo. Só boas notícias, aforros, telefonemas para países em flor, encomendas da Armani Red. Hoje somos reformistas de escalão baixo. Enquanto limpávamos os cacos, desejávamos que destroços destes caíssem nos ombros pesporrentes do responsável dos Correios ou dos seus diligentes secretários.