10. Jardins, diz
//sent by Bruno, Avatares de Um Desejo
EPC cita Abelaira que dizia que não voltava a ler os livros que o tinham encantado com medo de perder esse deslumbramento. E diz que ninguém regressa verdadeiramente aos lugares onde foi feliz. Eu pratico uma forma superior de profilaxia da desilusão. Não vou nunca aonde a felicidade é provável.
Para quem vive no meio do verdejante, da frescura da erva e do musgo, no estilhaçar ritmado dos regatos, com a Tapada por companhia diária, um jardim tem de ser algo muito especial. Foi assim o Jardim do Cerco da minha infância. Lugar onde saltitavam veados e coelhos. Ou as rodelas de nenúfares em torno dos pequenos lagos circulares. Ou os muros de vegetação, que começaram por ter a minha altura até que, por fim, foram minguando, minguando, minguando, enquanto eu, na exacta medida contrária, crescia, e podia enfim saltar por cima da sebe. O que de mais precioso o Jardim tinha era o tempo. Calhou que quase todas as minhas memórias dele sejam ao fim de tarde. E também, que a última, seja a de um passeio que demos a Mafra, por sinal o último passeio com o meu pai. A vida e a morte deviam ter sempre esta tranquilidade de um entardecer sereno. Se eu fosse Deus, era assim, com um estertor silencioso e com um raio de luz sorridente que todos, um e cada um de nós, se despediam do número dos vivos. E, provavelmente, sentados num banco de jardim, ao fim de tarde.
É difícil explicar isto e não sou seguramente quem melhor o pode fazer. Vou tentar recorrendo a um exemplo.
Somos o envelope de um replicador. Vimos de muito longe. Ninguém pode saber para onde vamos. A literatura não é um lugar triste, pá. Enquanto der Stendhal a nossa mating mind , tás a ver?
Numa faculdade de Medicina do Reino Unido (1999, 2002) 11% dos alunos do primeiro ano rejeitava a proposição "alguma espécie de evolução biológica, teve lugar na Terra, ao longo de muitos milhões de anos ". Esta taxa era menor nos estudantes de biologia (7%), maior nos estudantes de medicina australianos (27%). 91% dos estudantes interrogados rejeitavam a evolução porque, "por motivos religiosos, acreditavam na criação". Downle, que escreve sobre o tema nas páginas do Lancet (Lancet 2004; 363:1168), comenta: "Uma proporção substancial das nossas mentes mais brilhantes, a receberem um ensino altamente baseado na evidência , está pronta para rejeitar a teoria de Darwin na base das suas crenças religiosas". Isto seria pouco relevante se para compreender a anatomia, a fisiologia, a dieta, a doença e as defesas naturais não fosse necessária uma visão evolucionista. Felizmente, a visão evolucionista também ajuda a compreender as crenças religiosas.
O jardim do Tovim, soalheiro no cimo, soturno quando se desce para a estrada de Penacova, está no Eternuridade
Este livro inspirou um blog evolucionista onde se escreveram posts bem humorados. Infelizmente está calado há dois meses. Mas há excelentes blogs de biólogos evolucionistas bem activos. Carl Zimmer, que escreveu livros de divulgação edita The Loom, com posts diários. evolutionblog.blogspot.com trava com os criacionistas uma polémica um pouco mais estimulante do que a que lemos aqui. millerandlevine.com/km/evol é outra referência. Benvind@s ao mundo da blogosfera da biologia evolucionista.
No dia 19 de Abril, morreu em paz, como dizia o obituário que a Universidade de Sussex editou, o biólogo evolucionista John Maynard Smith, mais conhecido por JMS. Tinha 84 anos e estava jubilado desde 1985. Apesar disso continuava a investigar, a publicar e a animar inúmeras conferências e debates. JMS estudou em Eton e Cambridge nos anos antes da guerra e aí foi activista comunista antes de Popper se tornar no seu filósofo favorito. O seu contributo para a moderna teoria da evolução foi importante: aplicou a teoria do jogo ao comportamento das espécies, criou o conceito de Estratégia Evolutiva Estável (EEE) escreveu um livro de cabeceira dos biólogos dos anos 80, On Evolution, e em 1995, com Eörs Szathmáry The major transitions in evolution, cuja edição popular a Oxford University Press publicou em 1999: The Origins of Life, From the birth of life to the origin of language. A nossa idéia básica, escreveu no prefácio, é de que a evolução depende de alterações na informação que é passada entre gerações, e de que houve "transições major" na forma como esta informação é armazenada e transmitida, começando com a origem das primeiras moléculas capazes de se replicarem e acabando (so far) com a origem da linguagem.
Todas as manhãs abro a porta do pátio ao meu burrinho Jammes (ler Jám) e ele sabe o caminho da venda. Na volta, já contei, traz o jornal e o pão fresco. Eu tenho o leite e o café aquecidos, a mesa posta no varandim e ele fica a ouvir as notícias com atenção. Às vezes encontro, com o pão, um frasquinho de compota, papoulas, malmequeres e sei que nesse dia está a Gina na venda e que são dela os mimos que fazem balouçar a cabeça de Jammes. Últimamente aparecem pequenos bilhetes. Como Gina é pouco letrada basta-me ver a letra para perceber que não foi na venda que juntaram o bilhete às compras da manhã. Ela assina com as várias graças que as mulheres têm nas suas cabeças de meninas. Um dia está trágica e é Isolda. No outro cheia de esperança e é Larissa. Enigmática e é W. E já foi Chantelle, Aninhas, um nome que não digo e é como uma brisa. Acontece que a aldeia é pequena e no caminho da venda só uma mulher podia, sem ser vista, pôr bilhetes daqueles na albardilha do burrinho. Não sei se ela se muda assim por se achar vária se por pensar que os dias se me alegram ao me sentir tão querido.
Jammes, o meu burrinho acorda sempre bem disposto. Se eu não fosse noctívago ia julgar que Jammes nunca dormia. De manhã está sempre junto ao portão, pronto para sair às compras. Aprendi com ele a mostrar este desinteresse pelas tarefas exaltantes, a olhar para o lado contrário do que desejo, a esperar em silêncio.
O meu avô Joaquim foi expulso de casa por uma coligação entre a filha mais velha e a mulher, que contou com a neutralidade dos restantes elementos da família. Refugiou-se numa garagem que transformou em oficina. Nunca mais falou mas a partir do ano de 1996 o tic-tac dos relógios tornou-se ensurdecedor.
Debruçada à mesa, o que se vê primeiro em Paula é a cara. Uma cara espantosa, moldada pelo cabelo preto, liso, brilhante e apanhado atrás. Faces carmim intenso de couperose. Depois Paula ri-se. E mostra os dentinhos do mesmo tamanho e uns olhos rasgados a brilhar também. Paula tem a cabeça das mulheres pintadas por outra Paula, que não conhece. Mas o corpo é elegante, no irrepreensível uniforme. Serve há onze anos, os dois últimos neste restaurante.Nasceu em Vieira do Minho e tem um sotaque delicioso, o único em que é permitido dizer papas de sarrabulho, vinho verde ou pudim de abade de priscos. À despedida coloca-se um metro atrás de dona Rosa a desejar boa viagem.
Caminhada de sábado. Lagoas do Marinho a 1500 metros de altitude. Os homens, mas não todos, caminham com os olhos nos Cocões do Concelinho. Sabem que é nesse circo glaciar que têm de procurar a fenda que leva aos planaltos de Carris. Os homens, mas não todos, levantam a cabeça para o vento gelado, são eles quem assinala, nos ares, a àguia real fêmea descrevendo paradas de uma viuvez sem consolo.

Sempre que pode o nosso primeiro ministro dá um arzinho da sua graça. O alinhamento com Bush é mais táctico que de convicções. Vejam-se os outdoors que inundaram o país. Em alguns estados dos Estados Unidos os livros de Biologia que fazem menção à Teoria da Evolução têm obrigatoriamente de vir cintados com a advertência de que se trata de uma teoria não provada. O nosso governo foi o primeiro a saudar a Teoria da Evolução, um dos maiores monumentos da inteligência humana, com uma campanha publicitária. Só uma questão: porquê 30 anos. Estão a falar de quê? A Origem da Espécies ( On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life) é de 1859.
Não te vêm desde Dezembro. Depois do urso-pardo, da charrela , do grifo, do galo montês foste tu quem desapareceu dos céus do Gerês. Quanto tempo vai demorar até te declararem oficialmente extinta? Quem queimou os olhos para ver as tuas paradas nupciais que te chore. Eu caminho com raiva, os olhos nas pedras.
A Devil's Chaplain: Reflections on Hope, Lies, Science, and Love, de Richard Dawkins, Houghton Mifflin, 263 pp., $24.00, comentado aqui.
Por muito que tente recuar a momentos e lugares que me relacionaram com espaços dentro dos quais tocar ou comprar um livro se tornou um prazer, nenhum deles pode ser comparado ao mundo iniciático das carrinhas itinerantes da Gulbenkian. Para mim foram elas "a livraria" no sentido lato, alexandrino, da cápsula do tempo, dentro da qual aprendi a amar os livros. Na sua disposição geométrica, no sentido indicativo das capas, sobretudo naquilo, sempre infinito, que conseguiam transportar dentro de si. Dickens, Salgari, Twain, Tchekov, Balzac, Camilo, levei-os para casa partir dali e de mais lado algum, pois onde morava não existiam livrarias. E o senhor de cabelo e bigode brancos que me atendia, Avô Cantigas que não tocava bandolim mas também usava suspensórios, jamais foi substituído nos meus afectos por algum dos muitos livreiros que depois conheci. Incluindo o Sr. Manuel, que geria a Bertrand de Coimbra como um cavalheiro, antes desta se transformar num supemercado de livros e de os clientes passarem a ser olhados como índios apaches.
Eu se fosse livreiro era na Horta. A livraria havia de chamar-se Blós ou Blós! Blós!. Nas Angústias, com T-shirts da Bida Dulmo e do Robert Clarck. E gin a sério para o Peter aprender. Só vendia o Mau Tempo no Canal, a Ana Paula Inácio, o Emanuel Félix, o Mal de Montano, o Melville, o Raul Brandão e vá lá A Mulher de Porto Pim. A livraria tinha um ciberbar, free for bloggers, desde que a password fosse Margarida ou Bidinha. Se lá fosses dava-te um anel com uma serpente cega.
A minha livraria sempre foi a Bertrand do Chiado, foi lá que passei grande parte do tempo das aulas da faculdade. Mais tarde desci a rua do Carmo e entrei na Livraria Portugal, onde comprei muita poesia. Outros amores levaram-me a outras partes da cidade e a descobrir outras livrarias: a Barata da Avenida de Roma, a Assírio & Alvim do cinema King. Hoje, pela proximidade, frequento muito a Fnac do Colombo, não é perfeita mas serve. Tenho também uma "amiga" na Fnac-online, que me ajuda nos caprichos mais difíceis. Como sempre li muita Banda Desenhada, a minha livraria era também a Destarte à Praça da Alegria, foi lá que descobri os grandes mestres e que encomendei grande parte dos livros que hoje guardo por caixas na garagem. Hoje é na BDMania que fico a par das novidades. Tenho também boas recordações de uma Feltrinelli em Roma, onde pude ver pela primeira vez os livros de Tonino Guerra.
Aqueles que morrem, solitários,

A Blackwell's em Oxford, na Broad Street, era uma boa livraria. À entrada biografias, livros de história, novidades, poesia, muitos atlas, guias e livros de viagens. No andar de cima livros de bolso. Em baixo saldos e livros técnicos. Andava o Rushdie a monte e eu, tardes a fio, fascinado com o destino dos filhos da meia noite.