30 abril 2004

10. Jardins, diz

O Jardim Botânico de Coimbra é um espaço lindíssimo; a paredes-meias com a alta universitária, está decisivamente encrostado no coração simbólico da cidade. O mais fascinante é a penumbra que o constitui, uma vasta área fechada ao público, muitas vezes esquecida, que corresponde a cerca de 80% do total do verde não ardido (quando era mais novo assaltei esse mistério através de um interceptor, uma espécie de rua subterrânea das canalizações da cidade que parte ali da Rua da Alegria). Na sua insuspeita amplitude, o Botânico vai desde os Arcos do Jardim até ao rio que quase beija (como aquelas pessoas que quando dão dois beijinhos tocam os nossos lábios com os cantos da boca). Com as transformações climáticas que o mundo atravessa, aquele é hoje um dos poucos lugares em que essa ideia das estações ainda faz sentido, por exemplo, o Outono oferece uma decoração de exteriores que não lembraria à primavera, sempre tão arreigada às suas certezas. Mas falemos de quem por ali anda. Para além dos esquilos que realmente fazem daquilo a sua casa, os únicos roedores que nutrem daquele espaço mais do que uma passagem, são aqueles casais sôfregos, que trocaram a cama de uma pensão da Sé Velha pela discrição dos arvoredos. Neste caso, os ramos afectos ao vento mais não são do que as cortinas que velam o desejo. Quando falo dos roedores não abraço a pluralidade dos casais enamorados, falo apenas da prática ritual de preliminares nos bancos do jardim. Na verdade, nada mais belo do que ver os pares em franco enamoramento, colhendo do chão as folhas de plátano, para mais tarde recordar, adivinhando, creio, esse insólito de uma memoração solitária. É esse o evento que mais me comove desde que tirei umas tardes para etnografar os usos afectivos de uma materialização do sublime natural. Para além dos roedores, das aves, dos casamentos em busca de fotos, das famílias domingueiras, há um espécie que se passeia há séculos pelas áleas do Jardim, aquela que assume a sua natividade em relação a uma identidade romântica, habitante daquele solo. Falo das solitárias (e dos solitários) que por ali erram, que longamente se sentam a ver o pôr do sol e a dar migalhas aos peixes, alojadas no ideário da saudade que Coimbra parece evocar. O que se torna interessante acolher é como esses itinerários cúmplices com os plátanos, se arvoram ao meu olhar como revisitações que falam de outras tardes. As solitárias que buscam a árvore das folhas, das folhas que há anos foram postas a secar no meio de um livro de poemas, essas são as nativas do jardim. A única espécie autóctone. Elas sabem-no: é ali que esconde o elo perdido de uma vida enterrada nos seus monumentos.

//sent by Bruno, Avatares de Um Desejo

Programa do Botânico

Ia PC no Botânico a ler o nome das árvores e a lembrar-se de Lineu. Antes da estufa manda um sms: Sinto-me próximo de JPP. Não concordo com a coligação mas estou disponível para a batalha eleitoral. Um pequeno senão. Não temos líder nem partido nem ideologia. Mas a partir de hoje temos um programa: Fazer tudo para que as mulheres e os homens não voltem sempre para André Barreto.

Programa

Cai a noite (3)

E a manhã também.

Não vou

EPC cita Abelaira que dizia que não voltava a ler os livros que o tinham encantado com medo de perder esse deslumbramento. E diz que ninguém regressa verdadeiramente aos lugares onde foi feliz. Eu pratico uma forma superior de profilaxia da desilusão. Não vou nunca aonde a felicidade é provável.

29 abril 2004

9. Jardins, diz

A minha contribuição para a identificação dos Jardins que valem a pena conhecer

Podia falar do Jardim que a Isadora falou, afinal eu pertencia ao grupo dos que eram um bocadinho marginais, contudo falar sobre ele não era redundante a minha visão é diferente, mas esse não é o Jardim especial, o jardim da minha vida , aquele que me acompanha desde pequeno não fica onde moro, fica onde nasci e também não é bem um Jardim é um Parque, com um lago enorme com patos e barcos no meio, povoado de estátuas clássicas de escultores famosos, árvores de grande porte devidamente identificadas, esplanda com aspecto de pavilhão de caça e cort de ténis,é um parque cheio de recantos românticos e bucólicos.



Nas Caldas da Rainha com a entrada principal frente ao Machado que tem as melhores trouxas de ovos do mundo, fica o Parque D. Carlos I , e nele cresci um mês cada ano na minha vida, repartia-me pelos baloiços e o lago na perseguição aos pombos na lógica interesseira do alimento-te mas hei-de conseguir apanhar-te , anos mais tarde foi local de namoro para todas as namoradas de verão, agora é local onde descanso, onde leio, onde recordo frente ao Museu Malhoa as horas que passei por lá a crescer um mês em cada ano.

//sent by Clan, ClanDestino

8. Jardins, diz

O jardim botânico ficava no meu percurso diário, era por assim dizer um atalho, o caminho mais curto mas que se fazia mais demorado. Era bom sentir o ar fresco, pisar as folhas contra o chão de areia, ouvir os pássaros, os namorados em afectos vestidos, o vento que não se sentia nem ouvia mas que deixava ficar um restolhar longínquo nas folhas altas nas copas. Lia sempre as tabuletas com os nomes das árvores eucalyptus àbarda, lourus portucae,pinea parlamentus europea,cravus marron, achava que me queriam dizer alguma coisa mas esquecia os nomes logo a seguir. Parava para escutar o som abafado e refrescante da cascata. No laguinho intermédio esperar pela correspondência entre um som e um par esbugalhado de olhos de rã escondida entre os nenúfares (*).

Vez por outra penetrar na estufa, o ar húmido e quente peganhento na pele, saturado de cheiros e de pólen, irrespirável. Invejar o jardineiro, desejar sugar-lhe a vida inteira como um vampiro e incorporá-la no meu peito. Para mim está ali toda a existência, estou pronto para morrer. Virar costas e vir embora, subir o último lanço de escadas, até logo no caminho de volta, depois das tarefas rotineiras.

(*) Também vi quando os muros foram limpos um dia, depois iluminaram os troncos nus das árvores através da escuridão da noite —ficou lindo—, os esquilos vieram anos mais tarde. Agora nos muros brancos e iluminados fecharam as três portas, só uma abre se deres a dizima —uma moeda cunhada pela europae— o jardim já não é atalho de passagem, é lugar de visitamento, e nada disto tinha de existir.

PC

7. Jardim do Cerco, diz

Para quem vive no meio do verdejante, da frescura da erva e do musgo, no estilhaçar ritmado dos regatos, com a Tapada por companhia diária, um jardim tem de ser algo muito especial. Foi assim o Jardim do Cerco da minha infância. Lugar onde saltitavam veados e coelhos. Ou as rodelas de nenúfares em torno dos pequenos lagos circulares. Ou os muros de vegetação, que começaram por ter a minha altura até que, por fim, foram minguando, minguando, minguando, enquanto eu, na exacta medida contrária, crescia, e podia enfim saltar por cima da sebe. O que de mais precioso o Jardim tinha era o tempo. Calhou que quase todas as minhas memórias dele sejam ao fim de tarde. E também, que a última, seja a de um passeio que demos a Mafra, por sinal o último passeio com o meu pai. A vida e a morte deviam ter sempre esta tranquilidade de um entardecer sereno. Se eu fosse Deus, era assim, com um estertor silencioso e com um raio de luz sorridente que todos, um e cada um de nós, se despediam do número dos vivos. E, provavelmente, sentados num banco de jardim, ao fim de tarde.

//sent by jpn, Respirar o Mesmo Ar

A mulher é o futuro do homem

Madame Bovary c'est moi (Flaubert). Anna Karenina sou eu (Tolstoi). Georgia O'Keefe sou eu (William Carlos Williams). Alexandra Alfa sou eu (José Cardoso Pires). Viena sou eu (Nicholas Ray). Moby Dick sou eu (Melville). A minha mãe sou eu ( o narrador de O Mal de Montano antes da conferência de Budapeste). Leonor de Acevedo sou eu (Borges). Maria Eduarda sou eu (Eça). Eu sou Margarida Clarck Dulmo (Nemésio). (continua)

28 abril 2004

Cai a noite

Como acaba o amor? Geralmente à tarde. O amor nunca acaba de manhã mesmo se as manhãs têm horas de uma dor insuportável. Não tem a ver com o amor nem dele consolo ou temperança. É geralmente à tarde e bem longe dos jardins e das livrarias. Os olhos viram para dentro, privatiza a pele, as piadas já não fazem rir, parece ter sono e frio mesmo se faz calor. Felizmente cai a noite. A noite que faz pardos os amores traz aos amantes insepultos o sono não merecido.

Margarida, quando a conheci

Margarida casou-se com André porque ele era filho do Barão da Urzelina. Não é exaltante dizê-lo, mas foi assim que se passou. Era filho do Barão, tinha dinheiro. Margarida gostava de Robert mas ele era demasiado velho e os laços de sangue próximos de mais. Sim, houve aquela história do Leviatã a arrastá-la para S. Jorge. Como pode uma frágil mulher contrariar o destino se este lhe atravessa, formidável como a escolha cega de uma baleia ? Eu conheci uma outra Margarida, bem menos trágica. Adormecera abandonada a um sentimento de desistência, façam de mim o que quiserem mas que me deixem, e acordado bem casada, a bordo do Funchal, rumo a Scheveningen. Tinha-se tornado excessivamente faladora. Era capaz de ter conversas demoradas no convés ou interpelar um desconhecido. André estava sempre ausente e os criados começavam a dizer graçolas. Eu era muito novo, tinha bilhete de segunda classe e como agora vergonha do que escrevia.

ELES GANHAM AO DIA

Quase não têm férias e só raramente vão de férias, não para pouparem o que não chegaram a receber, mas para não perderem o que deixariam de ganhar (eles não recebem mínimos ordenados mensais, eles ganham ao dia, dois ordenados mínimos, ou mais) nas suas consultas intercontinentais.

(manda mail pá, é barato)

André Bonirre

Educação sentimental: a questão da blusa.

É difícil explicar isto e não sou seguramente quem melhor o pode fazer. Vou tentar recorrendo a um exemplo.
Uma das poucas vezes que Margarida se encontrou a sós com João Garcia era um fim de tarde, já no Pasteleiro se acendiam luzes. Estavam no quintal da casa, junto a um muro, e um pouco inesperadamente ele segurou-lhe a mão e ela deixou. Esse acontecimento, sabemo-lo, estragou a vida de João. Ali estava a mulher que amava, a pele e debaixo da pele a fina circulação do sangue. Os milhões de corpúsculos da sensibilidade de súbito deslocados para aquela parte do corpo dele. No resto a imobilidade e o silêncio. Como se estivessem para inventar a voz e as palavras para aquele instante. Mas um ruído, uma janela que bateu nas torrinhas, fê-la afastar-se e procurar uma sombra. Depois de se virar para a casa foi ela quem falou: “Não é nada. Só o vento. Que vento havia agora de se levantar”. Ele procura-a. Tinha de novo a mão dela nas suas mas aquela pausa como que a cortara do braço de Margarida. Era outra vez o tempo separado do Faial, e ele o filho do escriturário, embuçado à porta dos Clarcks e dos Dulmos. Viu-a entrar numa corrida e tomou cabisbaixo a direcção do Pasteleiro.
Tempos depois, Margarida está numa casa do Pico e é como se a sua vida se tivesse tornado um veleiro que vira lentamente de bordo. Enquanto os dedos nervosos desabotoam a blusa lembra-se daquela tarde, do vento que não parou de abrir as portas da casa e apagar os candeeiros. E há-de desprezar em João a timidez.

A literatura, pá

Somos o envelope de um replicador. Vimos de muito longe. Ninguém pode saber para onde vamos. A literatura não é um lugar triste, . Enquanto der Stendhal a nossa mating mind , tás a ver?

27 abril 2004

6. JARDINS, DIZ

O jardim é o jardim perfumado da casa dos avós que moravam no Porto. O jardim tem roseiras e tem um rapaz de 3 anos que tem bom coração, como já se verá. Das roseiras lembro mais os picos que as rosas e havia bichos-de-conta, corta-dedos, terra.
Numa certa manhã, veio uma abelha, caiu e pôs-se a besourar num rodopio aflito de asas no chão. O rapaz de 3 anos chorou um bocadinho com a ferroada no dedo e com a ingratidão da ajuda e chorou depois outra vez, quando soube que a perda do ferrão lhes é fatal.
Mais do que a colmeia antropológica ou a engenharia do mel, tocam-me estes comportamentos limite, mas já estou a derivar - “jardins, diz”, olha, digo-te que tenho uma relação picante-doce com as abelhas.

André Bonirre

Não há futuro para o homem

EPC, a propósito de evolução/revolução escreve uma crónica muito inspirada sobre o uso performativo e descritivo das palavras. Para ser didático exemplifica com a declaraçãoamo-te dita por uma mulher (a revolução permanente) e por um homem (rapido trânsito para uma (des)valorização descritiva). Para acabar em beleza cita o verso de Aragon: "la femme est l'avenir de l'homme". Ora a biologia evolucionista e a moderna genética têm vindo a mostrar que esta esperança revolucionária não é permitida ao homem. O homem é um acidente da mulher. O futuro do homem é a sua extinção.

Darwin, have I failed you?

Numa faculdade de Medicina do Reino Unido (1999, 2002) 11% dos alunos do primeiro ano rejeitava a proposição "alguma espécie de evolução biológica, teve lugar na Terra, ao longo de muitos milhões de anos ". Esta taxa era menor nos estudantes de biologia (7%), maior nos estudantes de medicina australianos (27%). 91% dos estudantes interrogados rejeitavam a evolução porque, "por motivos religiosos, acreditavam na criação". Downle, que escreve sobre o tema nas páginas do Lancet (Lancet 2004; 363:1168), comenta: "Uma proporção substancial das nossas mentes mais brilhantes, a receberem um ensino altamente baseado na evidência , está pronta para rejeitar a teoria de Darwin na base das suas crenças religiosas". Isto seria pouco relevante se para compreender a anatomia, a fisiologia, a dieta, a doença e as defesas naturais não fosse necessária uma visão evolucionista. Felizmente, a visão evolucionista também ajuda a compreender as crenças religiosas.

26 abril 2004

5. Jardins,diz

O jardim do Tovim, soalheiro no cimo, soturno quando se desce para a estrada de Penacova, está no Eternuridade

4. Jardins, diz

O meu jardim foi o nosso. É o jardim central da minha vila.
O jardim onde comecei a namorar. Onde ele me disse, "mas tu não me conheces" e eu disse "tenho toda a vida para te conhecer". Uma afirmação destas aos 13 anos justifica-se pelo interlocutor.... e pelo jardim. No banco cor-de-rosa, o nosso banco, virado para o rio, roubaste-me o nosso primeiro beijo e eu soube que, afinal, beijar era bom. Não me tentaste desabotoar a camisa e eu pensei que por causa disso valias a pena. E no jardim havia os amigos, em bando, com violas e uns charritos. Nós eramos os que íam ao jardim. Um bocadinho "marginais", um nadinha "inadaptados". Resultámos todos em adultos e semi-adultos responsáveis e, creio, felizes. E os que não íam ao jardim pensaram sempre que a malta do jardim se ia perder. Enganaram-se, coitados. Do jardim propriamente dito, tenho a escrever que é composto por duas avenidas de creme e verde que desembocam num redondel com uma estátua a um senhor que morreu em combate e que os meus pais sempre disseram ser um parvo. Agora colocaram a estátua mais para a frente, pintaram os bancos e cortaram muitas das árvores. Continua a ser poiso dos delinquentes de serviço. Mudaram também os baloiços do parque infantil. Mas quando levo a minha afilhada ao parque (ela já filha de uma menina das que íam ao jardim), o riso dela baralha-me a retina e volto a ver os mesmos cavalinhos, o mesmo balancé.

//sent by Isadora, Paragem de Autocarro

Cadernos, Anotações, Apuntes

Amanhã às 17:30H. "Então é aqui que se vive? Eu diria, é aqui que se vem morrer."
Este livro inspirou um blog evolucionista onde se escreveram posts bem humorados. Infelizmente está calado há dois meses. Mas há excelentes blogs de biólogos evolucionistas bem activos. Carl Zimmer, que escreveu livros de divulgação edita The Loom, com posts diários. evolutionblog.blogspot.com trava com os criacionistas uma polémica um pouco mais estimulante do que a que lemos aqui. millerandlevine.com/km/evol é outra referência. Benvind@s ao mundo da blogosfera da biologia evolucionista.

John Maynard Smith

No dia 19 de Abril, morreu em paz, como dizia o obituário que a Universidade de Sussex editou, o biólogo evolucionista John Maynard Smith, mais conhecido por JMS. Tinha 84 anos e estava jubilado desde 1985. Apesar disso continuava a investigar, a publicar e a animar inúmeras conferências e debates. JMS estudou em Eton e Cambridge nos anos antes da guerra e aí foi activista comunista antes de Popper se tornar no seu filósofo favorito. O seu contributo para a moderna teoria da evolução foi importante: aplicou a teoria do jogo ao comportamento das espécies, criou o conceito de Estratégia Evolutiva Estável (EEE) escreveu um livro de cabeceira dos biólogos dos anos 80, On Evolution, e em 1995, com Eörs Szathmáry The major transitions in evolution, cuja edição popular a Oxford University Press publicou em 1999: The Origins of Life, From the birth of life to the origin of language. A nossa idéia básica, escreveu no prefácio, é de que a evolução depende de alterações na informação que é passada entre gerações, e de que houve "transições major" na forma como esta informação é armazenada e transmitida, começando com a origem das primeiras moléculas capazes de se replicarem e acabando (so far) com a origem da linguagem.

Hong Kong, China, 24 de Abril

A plutocracia chinesa, que consegue reunir as características mais odiosas do comunismo e do capitalismo proibiu eleições livres em Hong Kong por considerar que os cidadãos da antiga colónia inglesa ainda não estavam preparados para a democracia. Foi sempre assim. No entender dos plutocratas a democracia devia sempre ser restrita aos círculos restritos dos seus membros. Mesmo para a democracia das urnas nós nunca estamos preparados.

My life is a game

O que é que fazemos quando não sabemos o que aconteceu às nossas vidas?

25 abril 2004

A manhã que mudou as nossas vidas


Associação livre (Freud e o cadáver exquisito)
Amor livre (Wilhelm Reich)
Livre arbítrio ( o padre Reis que dizia alvedrio)
Livre pensador (com a voz do meu pai)
Verso livre (Carlos de Oliveira)

Freelance

Free jazz (Ornette Coleman)
Pedreiro livre (até 1910, sei lá)
Variação livre,
Flutuação livre (sempre)

Livre do medo não livre de cuidados
Radical livre ( OH- e eu, fatal e breve assim me queria)

24 abril 2004

Para a Rita

O PC entende que deves saber: também a nós a tua ausência dói.

Contributo para a compreensão dos dilemas no amor

Enfaro é tédio, chatice, aborrecimento.

Abril em Moreira dos Cónegos (digamos)

Numa sala repleta de uma escola de Moreira dos Cónegos (digamos), alguém lê um texto lindíssimo, palavras de combate e de ternura. Os miúdos ouvem sem perceber. Mas em alguns nasce uma coisa que pode ser o respeito, a sensação de pertença a uma linhagem que vem dos pais e dos avós, uma idéia benigna do mundo. Um homem já velho comove-se. Os velhos comovem-se com tudo. Discreta, a um canto, uma professora de Abril vai escrever no seu caderno as palavras do poeta. É minha amiga, tenho orgulho nela. Chama-se Sandra.

2. Jardins, diz.

O jardim dos caminhos que se bifurcam, o jardim celeste, o jardim do Tovim, soalheiro no cimo e soturno à medida que desces para o rio. Se te perdes podes ver o hospício das aves de rapina, miserável como todos os hospícios, com águias de asa derreada a quem fingem tratar e depois abatem ao crepúsculo. O Penedo da Meditação, loteado pelos empreiteiros, com lápides como nas retretes os graffittis inocentes. O jardim dos frades crúzios (onde o FAP se cruzou com uma mulher que nem se lembra). Os jardins suspensos das traseiras da casa da vóvó Tina, na Avenida (desculpa lá Humberto, mas quando cheguei já eram só urtigas). Os jardins de Versailles, e a Jutta a querer que eu lhe chamasse Pompadour. Os jardins das casas abastadas de Terras de Bastos quando o Zé Manel era pequeno. O jardim onde escrevo isto com o meu burrinho Jammes (lê-se Jáme) inquieto por sair e o cão labrador a lamber-me o teeeeeclaado.

Fescenino

Sim, concordo, o sexo em grupo pode ser muito reconfortante uma vez resolvidas duas pequenas condicionantes: a constituição do grupo e a reconstituição do sexo.

23 abril 2004

1. Jardins, diz

Os meus jardins sempre foram em Lisboa, apesar de já me ter perdido em labirintos arbóreos de outras cidades. O jardim "Arte Nova" da Gulbenkian foi onde já passei mais tempo, sentado ou deitado na relva, nos bancos de pedra a ler livros ou em comedidos piqueniques. O jardim do Torel descobri-o mais tarde, abrindo-me uma vista nova sobre a cidade, que nunca pensei ser possível. Os outros dois que mais gosto não são bem jardins, mas para mim é como se fossem: o Castelo de São Jorge e o Miradouro de Nossa Senhora do Monte, à Graça, que tem a melhor vista sobre a cidade (vai desde o aeroporto até ao rio, ao Castelo e à Graça) e o melhor pôr-do-sol.

//sent by Nuno, O Cheiro a Torradas pela Manhã

documentário da vida animal

A melhor garantia de sucesso individual é precisamente o egoísmo, pode ser genético, reprodutor, por exemplo. Já o sucesso colectivo passa justamente por ajudar mais os que mais precisam, foça Potugal, mas esta capacidade altruísta está reservada aos seres inteligentes, dizem os biólogos. Por isso é que a manada de búfalos apenas assiste ao desempenho esfomeado do leão sem se lembrar o que poderiam trinta pares de cornos bem assestados no seu lombo. Parece que foi essa capacidade de entre-ajuda-colectiva que em bom tempo acendeu mais uma centelha no cérebro primitivo. Bom, ou causa-efeito ou efeito-causa.

PC

a lei da consciência

Vivemos no país das leis, buscamos a certeza e o conforto das acções legisladas, padronizadas. Queremos dar descanso à consciência. Não te esqueças de pôr o cinto, ah, vou para perto e mal calha que apareça algum polícia, — vê lá se ainda levas alguma multa. É o mesmo com as regras e os horários e as escalas, encontram-se por todo o lado, no trabalho, em casa, fora de casa, entre colegas. Acabam-se de uma vez as discussões acaloradas quando alguma coisa falha. Na segunda pões o lixo, terça a loiça na máquina, quarta lavar a retrete, quinta não podes chegar tarde e quando reparas o beijo de sexta também está na escala mas o pionés da emoção caíu. Para quê fazer favores que requerem imaginação se a solidariedade pode estar tabelada. Para que hei-de eu pedir um martelo emprestado, muito menos comprá-lo a meias, se posso comprar um novo só para mim. A única solidariedade que existe e resulta é a lavrada debaixo da secretária, se imoral melhor, quanto mais secreta mais inquebrável. Para quê maçar a consciência, melhor endeusar o legislador.

PC

Desobediência civil em Montalegre

Que se lixe o Tempo, ouves? O tempo está glorioso. Saiam das repartições. Desobedeçam às notas de serviço. Levem convosco as folhas de presença e os relógios de ponto. Ponham "Volto já" no guichet. Uma sugestão: um dos percursos pedestres de Montalegre. Sai-se de Fiães do Rio (900m). São 21 kms. Caminha-se em prados, lameiros e carvalhais. O nível de dificuldade é médio. Passa-se em Vilaça, S. Pedro, Frades, Travassos, Covelaes e Paredes. Em baixo o grande rio Cávado. Calcem as botas, bora.

Coimbra, Feira do Livro

Na terrinha começa hoje a Feira do Livro. Sai da Praça da República- os estudantes nunca lhe deram estima que se visse. Não volta ao abandono do Parque da terrinha, aquela melancolia de plátanos e terra enlameada. Agora foi para os bairros novos, uma das zonas da terrinha com menos leitores por metro quadrado, dizem. Boa sorte, encontramo-nos por lá.

Antologia de O Mal: FAP

Chula das Fogueiras

Embora me escutasses nada saberás de mim
e fosses à janela

e embora olhasses não me vês que passo
e digas um adeus pequeno

e embora às vezes já sentisses náusea
e afinal te inclinas

e embora seca embora secamente
e finjo que não ligo

e embora as baças ténues luzes das
e eu por timidez sempre apagado

e embora as marés-vivas batendo
e amámos nisso o Verão

e embora lerda a caneta se apure
e tu não entendesses nada

não entendesses nada


Fernando Assis Pacheco in Variações em Sousa, Inimigo Rumor, 2004

Nada a ver com as guitarras estudantes

No Café Santa Cruz de Coimbra, quarta à noite, lançamento de Variações em Sousa de Fernando Assis Pacheco, na colecção de Poesia da Inimigo Rumor e, simultâneamente, do último número da Inimigo Rumor, dedicado a Ruy Belo (ver Alexandra Lucas Coelho no último MilFolhas).
Gustavo Rubim fez uma bem humorada evocação de FAP, actores da Escola da Noite e Diogo Dória leram poemas. O Café estava cheio. Mas nas mesas nem olhos nem mãos de bloggers. Quase tudo malta do Porto e quase todos cotas. Também não faz mal. Ele nunca teve nada a ver com as guitarras estudantes. De vez em quando, nos espelhos gastos do Santa Cruz, perpassava o ouriflâmio cu de Maruxa ou o som macio que fazia na mata a tua bicicleta. A Bonirre e a mim ( mesa do fundo, chá preto com limão), isso bastava.

Não tive nunca nada a ver com as
guitarras estudante: eu vivia
num lento bairro da periferia
onde a chuva apagava os passos das

pessoas de regresso a suas casas
fazia compras na mercearia
e algum livro mais forte que então lia
já era para mim como um par d'asas

amigos vinham ver-me que eu servia
de ponche ou de Madeira malvasia
para soltar as línguas livremente

um que bramava um outro que dormia
eu abria a janela e só dizia
ao menos estas ruas têm gente


Louvor do Bairro dos Olivais
in Variações em Sousa, Fernando Assis Pacheco, Inimigo Rumor, Coimbra, 2004

22 abril 2004

25 de Abril

A terrinha no regime anterior era um sítio complicado para se viver. Havia medo, muito medo. Medo de se ser despedido. Medo de não se conseguir emprego. Medo de ter opiniões. Medo de se denunciar a injustiça. Ensinavam as crianças a dizer: a minha política é o tabalho. Havia gente a pedir, era horrível ser paneleiro, as uniões de facto eram discriminadas. Homens e mulheres sem assistência dentária baixavam a cabeça para pôr bonés a dizer que os que mandam são bons, estamos convosco. Dizia-se muito a palavra Portugal. Ensinavam as crianças a dizer a palavra Portugal ligada aos nomes e símbolos de quem mandava :"Foça Potugal!"
A terrinha antes da evolução era um sítio complicado para se viver. Mas não para todos.

21 abril 2004

Até que ele por fim é um jovem que sangra

Gastão Cruz foi este ano grande prémio da APE. Não sei se isso importa se é daquelas honras que um poeta agradece envergonhado, como a Ordem da Liberdade nas comemorações da Evolução de Abril. Mas Gastão Cruz é um grande poeta português.
Vou repetir, agora em Blake, outro maldito, para ver se assim, vocês, hipócritas leitores, enfim percebem:

For as he eats and drinks he grows
Younger and youger every day
Till he becames a bleeding Youth
And she becames a Virgin bright
And she grows young and he grows old.

Antologia de O Mal: Gastão Cruz (2)

O Fim do Dia

cf. Blake, The Mental Traveller e The Sick Rose

Ouço morrer o dia uma voz reduzida
à penumbra do som outrora estrídulo
olhai-lhe o pénis hirto a mandíbula fria
Conta-lhe os nervos de ouro uma fêmea de fogo

que os enumera e os ouve na escuridão tangível
e vive do seu frio do seu choro
e vai ficando jovem enquanto ele se extingue
Até que ele por fim é um jovem que sangra

e ela se transforma numa virgem magnífica
o som do dia morto agora não o ouço
fundiu-lhe a noite já da voz as cordas de ouro
como o verme que rói a rosa e dela vive

Gastão Cruz, O Fim do Dia in Campânula, & etc, 1978

Jammes, um burrinho na manhã

Todas as manhãs abro a porta do pátio ao meu burrinho Jammes (ler Jám) e ele sabe o caminho da venda. Na volta, já contei, traz o jornal e o pão fresco. Eu tenho o leite e o café aquecidos, a mesa posta no varandim e ele fica a ouvir as notícias com atenção. Às vezes encontro, com o pão, um frasquinho de compota, papoulas, malmequeres e sei que nesse dia está a Gina na venda e que são dela os mimos que fazem balouçar a cabeça de Jammes. Últimamente aparecem pequenos bilhetes. Como Gina é pouco letrada basta-me ver a letra para perceber que não foi na venda que juntaram o bilhete às compras da manhã. Ela assina com as várias graças que as mulheres têm nas suas cabeças de meninas. Um dia está trágica e é Isolda. No outro cheia de esperança e é Larissa. Enigmática e é W. E já foi Chantelle, Aninhas, um nome que não digo e é como uma brisa. Acontece que a aldeia é pequena e no caminho da venda só uma mulher podia, sem ser vista, pôr bilhetes daqueles na albardilha do burrinho. Não sei se ela se muda assim por se achar vária se por pensar que os dias se me alegram ao me sentir tão querido.

20 abril 2004

ADVERSIDADES

Chove, está frio, sinto falta de um casaco.

(aviso à malta da Urzelina, isto está escrito em sms inteligente, entendam)

André Bonirre

FRAQUEZAS

Por causa dela, trocou o gin pela cerveja. Ela disse-lhe que tem um fraquinho por homens com alguma barriga.

André Bonirre

Sophia em Abril

Cresci com as tuas palavras.
O vento, a pedra, o mar.
Escolhi os teus olhos cegos pela luz para ver as coisas essenciais.
Passei a infância à espera da manhã limpa e primordial que celebraste.
Voltei a ti em cada desnível da vida atribulada que me coube: não cumpri as ordens que levava. E nunca na tua voz achei consolo.
Revejo o teu retrato: a cabeça erguida com uma tão simples claridade sobre a testa, o pescoço de uma deusa grega, os olhos e os lábios fixados no instante que está para lá do prazer ou da dor, quando se olha de frente o deus invisível.
Um dia, em outro anfiteatro da Grécia, alguns anos antes das Belles Etrangères, um homem obscuro, tonto à luz do meio-dia, balbuciou as palavras que não previra, que lhe pareciam as únicas palavras justas.
E eram as tuas palavras, ou o silêncio.
Porque na minha vida foram eternos a glória, a luz e o brilho do teu ser.
Tu escreveste o poema imanente que estava (também) no teu jardim de infância.

19 abril 2004

Atopia


A construção das utopias e a discussão das utopias tem vários problemas. De momento o que me preocupa é que enquanto alguns discutem as utopias os que não acreditam nelas continuam, naturalmente, a construir esta distopia que nos coube para viver.

Jammes

Jammes, o meu burrinho acorda sempre bem disposto. Se eu não fosse noctívago ia julgar que Jammes nunca dormia. De manhã está sempre junto ao portão, pronto para sair às compras. Aprendi com ele a mostrar este desinteresse pelas tarefas exaltantes, a olhar para o lado contrário do que desejo, a esperar em silêncio.

18 abril 2004

Paragem de Autocarro

Seis meses. Não interessa o destino. Tiro passe para outros seis.

Mais canções

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL II

A vida que me ensinaram
Como uma vida normal
Tinha trabalho, dinheiro,
Família, filhos e tal
Era tudo tão perfeito
Se tudo fosse só isso
Mas isso é menos do que tudo
É menos do que eu preciso
Agora você vai embora
E eu não sei o que fazer
Ninguém me explicou na escola
Ninguém vai me responder
Eu sei a hora do mundo inteiro
Mas não sei quando parar
É tanto medo de sofrimento
Que eu sofro só de pensar
A quem eu devo perguntar
Aonde eu vou procurar
Um livro onde aprender
A você não me deixar

Leoni / Paula Toller / Herbert Vianna

(por gentileza de sarinha, desarices)

Casa no campo

Há três anos fui viver para uma casa no campo, num terreno onde havia robles e carvalhos cerquinhos. Arranjei um burrinho e um cão. O burrinho é hoje o meu melhor amigo. Chama-se Jammes em honra a um poeta francês que fez poemas a um burro e foi para o paraíso. Na primeira semana, Jammes aprendeu o caminho da venda e passou a encarregar-se do pão e dos jornais. O cão é um labrador de pelo dourado e passeia comigo nos montes. Uma vez, que estive em apuros, nos Picos de Europa, ele fez-me massagens cardíacas e lambidelas reanimantes. Devo-lhe a vida e nunca me cobrou nada pela dívida. O burrinho Jammes não gosta de passeios longos e tem aquelas distracções dos herbívoros que quebram o bom ritmo das marchas. Por isso, infelizmente, a nossa felicidade a três é no quintal, debaixo dos robles. Nos primeiros tempos éramos quatro. Mas ela não gostava de animais e tivémos que tomar uma decisão.

Recordações de famíla

O meu avô Joaquim foi expulso de casa por uma coligação entre a filha mais velha e a mulher, que contou com a neutralidade dos restantes elementos da família. Refugiou-se numa garagem que transformou em oficina. Nunca mais falou mas a partir do ano de 1996 o tic-tac dos relógios tornou-se ensurdecedor.

Paula do Sameiro

Debruçada à mesa, o que se vê primeiro em Paula é a cara. Uma cara espantosa, moldada pelo cabelo preto, liso, brilhante e apanhado atrás. Faces carmim intenso de couperose. Depois Paula ri-se. E mostra os dentinhos do mesmo tamanho e uns olhos rasgados a brilhar também. Paula tem a cabeça das mulheres pintadas por outra Paula, que não conhece. Mas o corpo é elegante, no irrepreensível uniforme. Serve há onze anos, os dois últimos neste restaurante.Nasceu em Vieira do Minho e tem um sotaque delicioso, o único em que é permitido dizer papas de sarrabulho, vinho verde ou pudim de abade de priscos. À despedida coloca-se um metro atrás de dona Rosa a desejar boa viagem.

Nem todos

Caminhada de sábado. Lagoas do Marinho a 1500 metros de altitude. Os homens, mas não todos, caminham com os olhos nos Cocões do Concelinho. Sabem que é nesse circo glaciar que têm de procurar a fenda que leva aos planaltos de Carris. Os homens, mas não todos, levantam a cabeça para o vento gelado, são eles quem assinala, nos ares, a àguia real fêmea descrevendo paradas de uma viuvez sem consolo.
As mulheres, mas nem todas, sentem o cheiro das violetas do monte e das urzes em flor. Passam as mãos pelo granito martirizado dos muretes. Debruçam-se para o azedo. Enterram com prazer as botas na tundra enlameada. As mulheres, mas não todas, distinguem o piar aflitivo de uma ave e o brado de alerta de uma outra.
Os homens, mas nem todos, procuram os lugares da frente do grupo, lêem os sinais das mariolas, decidem das paragens e da velocidade da marcha. Alguns homens caminham atrás, atentos à dificuldade dos menos hábeis. Os homens, mas nem todos, poisam pesadamente as botas sobre as àguas dos riachos, ou saltam as valas para estender um braço às mulheres, mas não a todas.
As mulheres, mas nem todas, recolhem nas mochilas amostras de flores e de caules e raízes. E conhecem-lhes os nomes e os sabores.

16 abril 2004

Educação Sentimental: Sarinha

Às vezes as canções da rádio dizem a verdade. Sarinha, de sarices tão gentil e atenta, me mandou várias, todos tendo em comum serem fragmentos da ilusão amorosa . Aqui vai a primeira. É a estreia do Mal nas canções da rádio eh eh.

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL

Leoni

Eu ando tão nervoso pra te escrever
Os versos mais profundos
Eu roço no seu braço e passo sem mexer
Feliz por um segundo
É sempre a mesma cena
Só te ver no corredor
Esqueço do meu texto
Eu fracasso como ator
Só dou vexame
Fico olhando pros seus peitos
Escorrego na escada,
Acho que assim não vai dar jeito
Educação Sentimental
Eu li um anúncio no jornal
Ninguém vai resistir
Se eu usar os meus poderes para o mal
Eu treino a tarde inteira
O que é que eu vou falar
Quando eu estiver no telefone
Naquela hora em que o
assunto acabar
Não posso entrar em pane
Te levar pra cama e te dizer
coisas bonitas
Vai ser tão simples quanto eu vejo
nas revistas
Que falam de amor como uma coisa
tão normal
Como se não passasse de um
encontro casual

15 abril 2004

Recordação

Ela não ia triste nem alegre. Ia com a Trench-coat entreaberta adejando ao vento.

Antologia de O Mal: Gastão Cruz

O Corvo de Hyde Park


Com o bico levanta as folhas de setembro

Nos intervalos ouve a música dos pássaros

E volta a caminhar sobre a relva manchada

Pára de novo escuta e voa baixo

Sobre o tapete verde e castanho do tempo

Gastão Cruz

As Leis do Caos (1989)

26. Livrarias, diz.

Que livrarias boas as que o masson conhece.

A Natureza do Mal despromovida

Hoje estamos inconsoláveis aqui no Mal. Tu, um dos nossos poetas preferidos. Temos a tua obra completa. Sabemos alguns poemas de cor ( até aquele da Fluoxetina que teimas em chamar à tua meneira). Elegemos-te (ex-aecquo) o nosso blogger do ano. Fomos a uma conferência chatérrima só porque tu falavas e ao São Luís, estúpido, em excursão da província. Levámos com o pó do Apeadeiro e do dono da Quasi, e foi por ti. E agora apagas-nos dos teus links, porra. E não só dos links, mas da memória, dos arquivos, de tudo. Não saímos do nicho sonâmbulo. Como é que vamos ter estímulo para continuar?

14 abril 2004

problemas de memória

Ocorrem-me estes problemas de memória. A espaços não me lembro com exactidão de todos os traços da tua cara, da localização dos poros e sinais. Recordo sim, precisamente, todos os sentimentos que me desperta a tua visão e trago-os cá sempre que quero. No meu delírio julgo ver-te na televisão mas não reconheço o discurso específico, competente, impossível como as visões que tenho do meu avô, que vejo caminhar ligeiro e ligeiramente curvado, reproduzido ao detalhe do cabelo, dos óculos e do sobretudo. Falei destes delírios de memória com a tua psicóloga que dissertou: a memória é boa mas traiçoeira, essencial à inteligência e ao raciocínio lógico. Fiquei mais descansado com o nome para a doença mas não recordo mais nada da dissertação dela.

//sent by PC

Petição

Nós do Mal não queremos privar o sôr zé manel furnandes do seu momento de glória. Só falta assinar o PC. De que é que estás à espera pá?

As Asas do Desejo


Não percam, no quiosque, a história desse anjo chamado Cassiel que "queria entusiasmar-se com o mal". E Berlim visto dos céus, ainda com o muro. Onde é a Potsdam Platz? Está com atenção Frederico.

Evolução. 145 anos

Sempre que pode o nosso primeiro ministro dá um arzinho da sua graça. O alinhamento com Bush é mais táctico que de convicções. Vejam-se os outdoors que inundaram o país. Em alguns estados dos Estados Unidos os livros de Biologia que fazem menção à Teoria da Evolução têm obrigatoriamente de vir cintados com a advertência de que se trata de uma teoria não provada. O nosso governo foi o primeiro a saudar a Teoria da Evolução, um dos maiores monumentos da inteligência humana, com uma campanha publicitária. Só uma questão: porquê 30 anos. Estão a falar de quê? A Origem da Espécies ( On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life) é de 1859.

Adições

Um sonho de Margarida

Margarida então sonhou que ia a bordo de um grande paquete, como os que a agência Glória espalhava em cartazes por todas as aldeias do Faial e do Pico. Mas não ia para a América, nem para Londres, nem para nada...nem o vapor era mais que um grande porão cavernoso e cheio de breu. Não havia primeira classe, nem camarotes nem mesa alguma, parecendo um milagre ou uma toca aquele piano invisível em que atropelavam Gorecki. O primo Luís Moreira, que a acompanhara a bordo, prometera apresentá-la ao comandante; ela agarrara-se-lhe às abas do casaco, e assim percorriam os decks empilhados de caixas e de sacos, como nas brincadeiras em que uma roda estúrdia cerca o Senhor Ladrão e se põe a dar voltas até chegar à cozinha. O tio Bonirre devia embarcar também; mas que era dele? Um preto vestido de ganga sacudia uma grande campainha. Depois um rolo de fumo empestava o paquete; um brutamontes holandês de barba por fazer puxava na ponte o arame da válvula da caldeira: três tombos tristes, como o veleiro Acédia saindo a Doca.
Margarida perdera-se atrás de uma pilha de fardos. Queria gritar e não podia. Uma gaivota veio e levou-lhe um bocado de cabelo. Tropeçou noutros fardos: D&G. Foi então que uma mulher, soltando-se de um molho de cabos, se pôs a olhar para ela com olhos de compaixão e um Trench-coat que adejava entreaberto, como uma andorinha ao vento: “Fuja! Fuja! Olhe esses ratos!” ”Quem é você? Para onde vai isto?” ” O meu nome é Vanessa! Vimos da Berlenga...”
Então, agarrando-se ao cinto do T-coat de Vanessa e seguindo-a por um corredor sem fim, que cheirava a corda e a azedo, Margarida pôde esconder-se numa espécie de cela a bombordo, com um i POD, uma lamparina de cápsula e um pronto-socorro no chão. Vanessa obrigara-a a sentar-se e contava-lhe uma história misteriosa que tão depressa falava de Luís no meio dos pestosos de Tunes, como num rapaz sem pai nem mãe que estava para casar quando ela desapareceu.

adaptado de Mau Tempo no Canal (Vitorino Nemésio)

Educação Sentimental.

Ele disse-me que estavam juntos há quase um ano mas a coisa tinha estado tremida em Setembro, que foi o mês em que ela o deixou. Nesse mês o pai dele teve uma doença súbita e toda a gente pensou que a sua tristeza, o seu silêncio, o pior desempenho (estou a usar as palavras certas, não?) se devia ao internamento do pai. Mas não. Talvez ele tenha sentido culpa de só conseguir pensar nela, de ver a mãe em corridas e não conseguir dirigir a atenção para outra zona que não a dos terrenos sombrios desde a sua ausência.
- Agora as coisas melhoraram. Estamos juntos de novo. Digamos que temos uma relação estável de baixa intensidade.
Repeti as palavras dele tentando forçar o enfase: - Estável. De baixa intensidade. O contrário do que se espera que seja o amor, não te parece?
Ele sorriu-me. No teste de Simon a sua cara queria dizer resignação. Eu sei ler as caras dos rapazes de dezasseis anos.

Não Perca

Hoje ainda, aqui, um sonho de Margarida, no Mau Tempo no Canal.

Livrarias, o masson não diz

O masson ( que hoje edita no seu blog enciclopédico a queixa das jovens almas censuradas) não nos quis dar trela e da sua livraria favorita. Mas o masson é uma passagem obrigatória e nesta semana lá falou de uma livraria, a D. Pedro V, em Lisboa. Também ficámos a saber que o José Agostinho Batista, o poeta que traduz para a Assírio o Villa-Matas, foi fundador do Comércio do Funchal. As coisas que o masson sabe...

Sonho

Nessa noite ela tocou-lhe antes de adormecer e foi de novo cherne como no poema. Sonhou com Condoleeza Rice naquela fotografia terrível em que na sombra se torce de um Bush terminal. Então viu-se num telégrafo como aqueles que havia lá em Terras de Bastos, clic clic para o amigo: Zé podes vir mamã enfim morta.

25 de Abril

A culpa foi do MFA.

ALC na 2, até daqui a quinze dias

Cheguei atrasado, perseguido pela senhora que brandia o talão 32 e pelo cavalheiro que queria à força a encomenda de roupinha de La Redoute. Abri a porta do carro a tempo de ouvir a Laurie Andersen e um texto que parecia da Susan Sontag. Os outros utentes da estação chegaram-se desconfiados e ficaram a ouvir, a senhora sentada na borda do assento, o cavalheiro encostado ao capot, os outros em semicírculo. A essa hora, a Senhora do Al de certeza, talvez tu rapaz da Tasca, outros que não nomeio por não ter licença, o nicho sonâmbulo da blogosfera, os atordoados das palavras, talvez tu Isadora sob os céus de Berlim, tu leitor hipócrita meu semelhante, talvez vocês sintonizassem também a onda dela, que nós somos fiéis e ela nunca nos desilude.

Falluja

Um campo de futebol lavrado em sepulturas. Mais um grande avanço civilizacional.

13 abril 2004

Última hora

Lamego chamado a Lisboa: aqui.

Adeus águia real

Não te vêm desde Dezembro. Depois do urso-pardo, da charrela , do grifo, do galo montês foste tu quem desapareceu dos céus do Gerês. Quanto tempo vai demorar até te declararem oficialmente extinta? Quem queimou os olhos para ver as tuas paradas nupciais que te chore. Eu caminho com raiva, os olhos nas pedras.

24. Livrarias, diz: No Aeroporto

Aquela livraria improvável sempre me fascinou. A cidade tem muitas outras, embora em São Paulo proliferem as livrarias assépticas e modernistas. Não são melhores, nem piores. Mas como nunca achei o livro um objecto moderno, desconcentra-me o snob minimalismo de algumas delas.
Mas naquela livraria o tempo tem uma conotação especial, o espaço geográfico não existe, as fronteiras e as distâncias são apenas imaginárias. É como se fosse um ponto de confluência de toda a humanidade, de toda a civilização. Lá fora, soam as hélices agitadas dos aviões, embalando a leitura dos jornais estrangeiros. A improbabilidade de se gostar de uma livraria assim... As pessoas que se deixam vaguear indolentemente, esperando a hora de embarque. As diferentes línguas que correm entre as estantes. O soar pálido de uma bossa nova. Apesar de improvável, aquela livraria no aeroporto passou a pertencer a uma geografia das memórias muito especial.
Passadas algumas viagens, chegou a traição já esperada: mesmo que eu nunca tivesse reparado, havia um clone dessa livraria no andar debaixo, perto do check-in internacional. As mesmas pessoas, a mesma fraca selecção de livros, os empregados vestidos com os mesmos uniformes, pretos e modernos... A mesma bossa nova, que tocava ociosa.

//sent by B, Os Outros de Nós

23. Livrarias, diz: Segunda Mão

Não tenho livraria favorita. Sempre comprei livros em segunda mão (em excelente estado) e frequentei bibliotecas. Livros em primeira mão só por necessidade extrema. Além do mais, onde colocar os livros? Ao menos os livros das bibliotecas não ocupam espaço em nossas casas.
Daí talvez ter começado a fazer “Leituras” a computador que deram anos mais tarde origem ao meu blog. Como os livros saiam de casa, o importante deles ficava no computador.
A mais bonita que já visitei foi a Livraria Lello, no Porto. Um verdadeiro monumento da cidade. Com um café e cadeiras para sentar e ler! Contudo, nada como uma boa Biblioteca.

//sent by Alex, O Blog do Alex

Briefing do Mal (9 da manhã, algures na cidade)

Sofia: - Eu às voltas com o veneno de Nicot e vocês é que têm essa cara.
Luís: - Melhoro devagar com a manhã. E (súbitamente iluminado) hoje é terça feira sim. Às 17:30h estaremos em grande forma, na antena2.
Bonirre: -Tremendo.

MÁRMORE COM INCRUSTAÇÕES PRECIOSAS

Na sua faina ribeirinha, um castor garimpeiro descobre uma ametista – é um quadro, uma aguarela, que às vezes posso admirar no meu gabinete, mesmo à minha frente.

André Bonirre

MADALENA PEDALA CONTRA O VENTO

Na Sala de Reciclagem, ainda vazia, Dulce N., recém regressada de um cruzeiro óptimo, virá apoiar óptimos Decisores SA a tomar boas decisões com a ajuda de um Sistema de Suporte à Decisão, que anunciam inteligente.

Chega, cumprimenta e procura o seu lugar o primeiro decisor, pasta de couro e auricular ligado ao transístor sintonizado numa estação remota – um Decisor SA, pontualmente antiquado, bem informado. Vem a seguir a primeira decisora, veterana, com procuração e preocupações, vem agarrada ao telemóvel – uma Decisora SA, atenta, atenciosa. Cinco cadeiras à frente, senta-se uma nova decisora, tecnologia wireless multitarefa, tecla mail’s a consultar pequenos dicionários de bolso – uma Decisora SA, multilingue, simpaticamente comunicante.

É nesta altura que chega Madalena a chorar, olhos de ametista, marejados; veio a pedalar e o vento era forte – a eterna Decisora SA que dá nas vistas.

André Bonirre

Mercados

A Bolsa de Lisboa abriu em alta e eu em contraciclo. Nunca se conhecem as razões objectivas destes movimentos.

Previsão

Hoje Bush discursa aos americanos. O discurso não tem muito interesse. Lá mais para o fim da campanha, o momento exacto depende do juízo que os estrategas fizerem dos eleitores, Bin Laden será abatido. Então Bush sairá do rancho do Texas e fará o discurso da reeleição.

As estações do ano

Ainda não mudei a pele. Há algo de estranho nesta primavera.

12 abril 2004

Dawkins

A Devil's Chaplain: Reflections on Hope, Lies, Science, and Love, de Richard Dawkins, Houghton Mifflin, 263 pp., $24.00, comentado aqui.

Educação Sentimental: Salvo por um insecto

- Quanto tempo demoras a esquecer-me? - Não sei, não tenho experiência de rupturas.
- Detesto quando foges às perguntas. - Detesto quando foges às pessoas.
- Mas isto são jogos de palavras? - Tem cuidado com o himenóptero.
- É um díptero, estúpido.

J.M.Coetzee encontra Robert Walser

O que Coetzee escreveu sobre Walser: aqui.

Zazie de volta

Para uma semiologia dos olhares. Ver Zazie dans le Metro na Janela. (A Suivre)

21. Livrarias, diz: Vandoma

Claro que há muitas livrarias interessantes no Porto. Há livrarias com café e torradas, e guardanapos limpos sobre as mesas. Há livrarias com assentos ergonómicos e “óptimo ambiente”. Há livrarias especiais e especializadas. Há livrarias dedicadas à arte e outras ao artifício. Sim, há muitas livrarias interessantes no Porto, mas nenhuma como esta. A Feira da Vandoma é a maior e mais famosa livraria da cidade. Abre aos sábados de manhã e fica no Passeio das Fontainhas. Livros novos e usados, best-sellers e pequenas edições, colecções prováveis e improváveis, portugueses e estrangeiros, ninharias e extravagâncias. Não há estantes nem expositores, os livros são atirados para o chão, sobre folhas de jornal ou plásticos, aguardando um comprador, enterrados entre gravadores e transístores, lingerie e calças de ganga, bicicletas e brinquedos made in china, jogos de vídeo e cd’s, dvd’s e filmes pornográficos, secadores de cabelo e espelhos retrovisores. É uma espécie de mercado abastecedor para leitores nas lonas e alfarrabistas endinheirados. Tudo por 100, 200, 300 paus. E nunca se deve comprar sem regatear. “É pegar ou largar, ó freguês. Isto é a Bandoma.”

//sent by Rui Manuel Amaral, Quartzo, Feldspato & Mica

Uma livraria em Quito


Librimundi, ficámos a saber. Foi lá que Rosita apresentou A Louca da Casa. deve ser mesmo esse sítio bom de que a outra Rosinha (ou será Rosita, também?) nos falou. Agora já temos a direcção. Em Cumbayá, no Centro Comercial Esquina. Já agora: em Quito apanha-se o avião para as Ilhas Galápagos onde, há uns anitos, a mente do homem deu um salto de gigante. Estou a lembrar-me de Charles Darwin.

20. Livrarias, diz:GULBENKIAN/BERTRAND

Por muito que tente recuar a momentos e lugares que me relacionaram com espaços dentro dos quais tocar ou comprar um livro se tornou um prazer, nenhum deles pode ser comparado ao mundo iniciático das carrinhas itinerantes da Gulbenkian. Para mim foram elas "a livraria" no sentido lato, alexandrino, da cápsula do tempo, dentro da qual aprendi a amar os livros. Na sua disposição geométrica, no sentido indicativo das capas, sobretudo naquilo, sempre infinito, que conseguiam transportar dentro de si. Dickens, Salgari, Twain, Tchekov, Balzac, Camilo, levei-os para casa partir dali e de mais lado algum, pois onde morava não existiam livrarias. E o senhor de cabelo e bigode brancos que me atendia, Avô Cantigas que não tocava bandolim mas também usava suspensórios, jamais foi substituído nos meus afectos por algum dos muitos livreiros que depois conheci. Incluindo o Sr. Manuel, que geria a Bertrand de Coimbra como um cavalheiro, antes desta se transformar num supemercado de livros e de os clientes passarem a ser olhados como índios apaches.

// sent by RuiB, Sous les pavés, la Plage!

19. Livraria, diz: Livraria Fontenova

Livraria Fontenova, Vila Nova de Famalicão: livraria da minha adolescência, lá passei horas a cheirar os livros sob o olhar benevolente da D. Natércia e do Sr. Melo e descobri Sophia numa antologia da Moraes...Com o andar dos anos o espaço dos livros começou a ser ocupado pelos artigos de papelaria e eu parti para outros lugares, mas quando voltava recebia, como sempre, um caloroso “Olá, R.!” (usando o diminutivo do meu nome) da D. Natércia, que algumas vezes me refez o dia. D. Natércia morreu, raras vezes voltei a entrar na Fontenova, mas gostava de ir a uma livraria em que alguém me dissesse “Olá, R.!” usando o diminutivo do meu nome, e assim me refizesse o dia.

//sent by Rosa

18. Livraria, diz: LibriMundi

LibriMundi, calle Juan León Mera, 23-82, Quito, Equador: encontrei-a por acaso num fim de tarde de Outubro, quando deambulava nas redondezas do hotel, após um voo de 12 horas e um duche; mal se entra, alguém sorrindo atira com “Hola! Buenas Tardes!” e mergulha-se num espaço amplo, bem iluminado, bem cheiroso, organizado por secções, com escaparates apelativos; no primeiro andar um espaço lúdico para crianças. Na secção de Poesia tive a deliciosa surpresa de encontrar “Imprecisa Melancolia” de Luís Quintais na tradução publicada pela Editorial Lúmen de Barcelona e, a seguir, folheando “país secreto, revista de ensayo y poesía” deparei-me com um poema de Jaime Rocha e respectiva versão em castelhano! E Alejandra Pizarnik, Poesía Completa! que estremecimento (tú me desatas los ojos/y por favor/que me hables/siempre), não resisti e comprei 2 exemplares (um para A. e outro para mim), que me acompanharam e pesaram na mochila nas 3 semanas de deambulações pelo Equador. À LibriMundi voltei todos os dias que estive ou passei por Quito e muito gostaria que estivesse à minha porta.
//sent by Rosa

11 abril 2004

Livraria, diz: Blós, na Horta

Eu se fosse livreiro era na Horta. A livraria havia de chamar-se Blós ou Blós! Blós!. Nas Angústias, com T-shirts da Bida Dulmo e do Robert Clarck. E gin a sério para o Peter aprender. Só vendia o Mau Tempo no Canal, a Ana Paula Inácio, o Emanuel Félix, o Mal de Montano, o Melville, o Raul Brandão e vá lá A Mulher de Porto Pim. A livraria tinha um ciberbar, free for bloggers, desde que a password fosse Margarida ou Bidinha. Se lá fosses dava-te um anel com uma serpente cega.

Livrarias, diz.

E a livraria de Angra, oh Fagundes? E a livraria de Ponta Delgada, que parece um milagre, no primeiro andar de um shopping sombrio? E a livraria do Pinto dos Santos em Guimarães? E a livraria de Abrantes, Contracorrente, é? E as livrarias de Évora? E aquela livraria de Montemor o Novo, do casal simpático?

Uma Hárpia na Páscoa

Depois de teorizar sobre o Mal e se entregar sacrificialmente aos senhores da Al Qaeda a Hárpia acalmou e dedica a sua crónica semanal à Queda. A crónica é muito inferior às que nos tem habituado e desta vez tenho muitas dificuldades em concordar, discordar, ou mesmo perceber. Pareceu-me que a caracterização deste Ocidente destruído pelo marxismo, o racionalismo, o cepticismo está forçada e sem convicção. Francamente não consegui visualisar as línguas do Espírito Santo a descer sobre os manifestantes europeus, sempre sempre a purificarem-se através do seu Não mecânico, radical, destrutivo.

123-44

António Barreto tem dificuldade em posicionar-se neste país. Diz-se de esquerda. Depois alinha os motivos que o levam a não ter muito respeito pela direita portuguesa, e os que o afastam da esquerda. Com os primeiros gasta 44 palavras. Para os segundos precisa de 123.

Agradecimento

Aos padeiros que tinham, hoje de manhã, quente nos cestos o bolo de páscoa a que chamam folar, às raparigas que abriram os quiosques com os filhos agarrados às saias para vender os jornais, aos empregados de mesa dos restaurantes, aos bloggers que não deixaram de postar, à dona Alexandrina que abriu o café, aos rapazes e raparigas do macdonald e da pizzahut, suportando estoicamente a ressaca da noite e o cheiro do ketchup, ao senhor padre Inácio que levava o compasso, ao Horácio que está a escrever as três páginas de tese a que se obrigou, à Chantelle que foi ao laboratório ver se a reacção sempre estava a dar, à Madie que está de baby sitter, aos caminheiros de Vila Chã que foram comer o cordeiro às escarpas do Barroso, a todos os que sem ter sido escalados, sem estar de serviço, sem horas extraordinárias.

baile

Lindíssima a praia ao nascer do sol mesmo com frio também.

André Bonirre

17. Livrarias, diz: Livraria Popular

Não havia livraria nos Olivais. As minhas primeiras livrarias não eram propriamente livrarias. Eram bazares, onde eu, entre os onze e os quinze anos, prolongava a relação com os autores das estantes lá de casa. Era o tempo das Belazés, das D. Isauras, que estranhavam aquele consumidor frequente de Livros do Brazil e da Colecção Dois Mundos que lhes entrava pela porta adentro. Até que, com alguma relação com a Caminho, parece-me, surge nos Olivais uma livraria, que julgo ter-se chamado Livraria Popular. Creio que estava ligada a uma Cooperativa. Onde a par daquele fundo teórico que vinha na vaga de fundo de uma Revolução ainda próxima, encontrávamos desde os grandes autores até autores muito próprios de um certo fetichismo cultural de uma incerta geração de soixant huitards. Discos. No ar respirava-se os cantautores, os cantores de abril. Havia ali uma amizade entre os livros e aqueles que os vendiam, que passava para quem entrava. A mim passou-me. Ficou-me. Dois andares de estantes corridas, saborosas, o meu porto de abrigo. Ali mesmo ao pé do Vale do Silêncio. Um dia fechou, abriu falência. Ou, foi engolida pela silenciosa maldição do bairro em relação à cultura.
sent by jpn, Respirar o Mesmo Ar

16. Livrarias, diz: Assírio do King e Ler Devagar

minha livraria preferida é a do King Triplex. encontrava-a de olhos fechados só pelo cheiro, uma mistura de papel, tinta e - o que a distingue de todas as outras - celulóide das bobines e com um pouco de sorte o cheiro de café acabado de moer, proveniente do café contiguo. talvez falte umas poltronas onde nos possamos sentar e desfolhar os livros mais calmamente, mas quem disse que a perfeição existe? quase perfeita é também a Ler Devagar, por todas as actividades culturais a que está associada, pelo espaço amplo e pela arrumação um pouco anarquista. isso e os gins tónicos para ajudar a escorregar alguma obra mais dificil de digerir como os panfletos incendiários de Heiner Muller.
// sent by Frederico Hartley, O ceu sobre berlim

15: Livrarias, diz: A livraria que não há em Paredes de Coura

Ainda sobre as livrarias:
Há uns tempos - havia um homem de quem eu dizia que era o meu amor, e era mesmo - fui passar uns dias ali para os lados de Paredes de Coura. Procurámos em vão uma livraria onde pudessemos comprar um par de exemplares do livro "O vento assobiando..." da Lídia Jorge. Queriamos ler esse livro ao mesmo tempo, iniciar a sua leitura no mesmo momento e viver juntos a aventura dessa leitura partilhada.
Mas não havia livrarias em lado nenhum. Fizemos muitos quilómetros, tentámos várias cidades, e nada. Apenas papelarias com uns livros esquecidos, títulos com muitos anos, e nada do livro que queriamos.
E não conseguimos. E como queriamos absolutamente ler o mesmo livro - sendo para tal necessário encontrar dois exemplares de um mesmo título - desistimos da L.Jorge e acabámos a ler "A Ignorância" do Milan Kundera porque foi o único que encontrámos 'repetido'.
// sent by sa, A Espuma dos Dias

14. Livrarias, diz: Não digo, não tenho

Não digo. Não tenho. Quase a imaginei porque vos queria dizer que sim, que tenho uma livraria onde me posso encontrar ao final da tarde e deixar os barulhos que trago nos braços do lado de fora da porta que não sei porque razão tem sempre uma sineta a tocar quando alguém entra ou alguém sai e já liberta dou os passos necessários até ao único canto que me espera ali onde as lombadas são o rumor táctil do meu silêncio e onde escolho o livro que ontem trouxe de uma das livrarias que não tenho Louvada Seja (Áxion Estí) de Odysséas Elytis e sem querer me sento no chão a dizer "as sílabas ocultas com que lutei para soletrar a minha identidade". Não digo. Não tenho.

//sent by Sandra, Tempo Dual

10 abril 2004

Se é na boca que trazemos o silêncio, das bocas juntas nasce um clamor.

Canta Madonna

Um padre irlandês diz que é blasfémia Madonna cantar ao domingo na Irlanda. A clínica dos Arcos, Badajoz, anuncia tratamento voluntário da gravidez, e para as raparigas irlandesas as clínicas de Londres também. Um homem cruxificou-se pela terceira vez nas Filipinas. Um sheik diz às mulheres encapotadas que não sabe bem qual será o lugar delas no paraíso. Parece que o profeta só se lembrou dos homens, "servidos por crianças e jovens em tudo aquilo que tiverem necessidade". O Manuel que me desculpe. De Mel Gibson ao árabe em cólera, do baptista do Texas ao pároco de Slane homens demais trazem na cabeça um deus que me assusta.

Encurralados

O exército libertador dos Estados Unidos da América matou mais de 400 iraquianos ontem e pôs xiitas e sunitas juntos e irados. Três pacifistas japoneses foram capturados por um grupo fanático islamista que os torturou e ameaça queimá-los vivos se ao Japão não retirar. Um analista diz que faça o que fizer o primeiro ministro japonês está encurralado. E nós com ele também.

Sábado

Era sábado e os judeus fechavam-se em casa. Talvez tenha sido por uma hora destas que alguns homens mais corajosos foram levantar o corpo de um amigo torturado até à morte.

09 abril 2004

Yerushalayim

Calcorreei o bairro judeu de Me'A She 'Arim e sem perceber entrei na cidade velha. Cruzei a Via Dolorosa e caminhei entre as mulheres judias com o cabelo tapado, como as árabes mas mais discretamente, os soldados israelitas de metralhadora a tiracolo e os rapazes de jaqueta, kippa e um ar saudável de camponeses instruídos. Os miúdos árabes pediam às escondidas. Uma mulher muito linda- que me pareceu a mulher mais linda que vira até então, magra e morena como as mulheres de Hugo Pratt, vi-a e logo a perdi numa transversal da rua Agripas, antes do mercado, quando os vendedores, fascinados pela sua beleza, aumentaram a intensidade dos pregões, já de costume ensurdecedores. Passei pelo pão, as sementes, as especiarias, os morangos, os bolos e os legumes. Um grupo de arménios colava cartazes de evocação do primeiro genocídio do século vinte, o dos arménios, em 1915, perpretado pelo governo turco. Depois caminhei atrás de uns padres da igreja ortodoxa grega, de aspecto miserável, que guardam o Santo Sepulcro e, na missa crepuscular, juntei-me aos fiéis das quatro confissões, entre a estação XII e XIII. Num botequim cujo nome não consigo transcrever fumei com outros como eu. E fui com eles até à Estação central vê-los partir para sítios incompreensíveis.

Sonho da noite de 8 de Abril

É uma sala de espera de uma estação ferroviária, grande, cheia de gente, com uma mesa comprida. Do lado de lá da mesa estão várias pessoas que reconheço. Entre elas o meu escritor preferido nestes dias, a pessoas que quero e não quero conhecer. Alguém lhe deve ter falado de mim porque ele me dedica um olhar de benévola expectativa. Como não tomo qualquer iniciativa ele começa a falar. Todos se riem e comentam. Que vozearia. Mas por mais que me esforce não o consigo ouvir. Nem fazer leitura labial. Contorno a mesa e aproximo-me. Continuo surdo. Selectivamente surdo à voz do meu escritor favorito, pois posso entender facilmente os comentários dos meus amigos. Quando estou mais próximo do meu escritor ele volta a cabeça sem virar os ombros. O meu escritor preferido é uma mulher e eu vejo a pérola na sua orelha direita.

Pequeno déficit específico

Quando Simon preparava a validação de um dos seu testes sobre a theory of mind, a capacidade que temos de perceber as intenções do outro pelo seu jogo facial, pediu-nos para o executar. São 36 fragmentos de faces humanas, cada uma acompanhada de quatro palavras que qualificam o seu estado de espírito (ex: decepcionado; ansioso; pensativo; melancólico). O examinando escolhe a mais adequada.
Acertei 28 em 36. Um resultado típico, quase bom. Quando fui ver as opções erradas percebi que eram todas relativas a rostos femininos. Eu não tinha sido capaz de perceber se um determinado olhar era de sedução ou sarcasmo. Ou se uma mulher fantasiava ou estava simplesmente confusa. Nem se tentava flirtar ou era hostil.
Este pequeno déficit específico deve ter sido fonte de muito sofrimento.

Dias sem deus

Estes sempre foram dias de confusão. Com o fiho de deus na estação XIV, a terra que habitamos é um palco de desordem. São os dias que Dawkins descreve, cheios de silêncio e fúria ou como diria a Hárpia, dias do Mal à solta. Há alguém por aí à escrita?

CINÉFILO CAMUFLADO

O meu amigo M., não o vejo há muitos anos e fico contente, podia ter chegado a comentador televisivo. Vi-o no cinema, ar de cinéfilo ainda na clandestinidade, ombro descaído e tudo.

André Bonirre

CAMUFLADOS E CONSEQUENTES POSTURAS

Jovens trabalhadores estudantes combatentes. Por unanimidade e aclamação, todos contra a capa-e-batina (e demais trajes académicos). Pluralistas, cada um com o seu camuflado (para despistar a Pide). Camuflados para todos os gostos e oportunidades metereológicas: o camuflado mais clássico, com direito a casaco de cabedal e o ombro direito para baixo, por causa da pasta de couro com papeis de bíblia; o camuflado guerrilheiro, tipo Vává, também clássico, mas com ombro direito empinado, para poder levar as citações a tiracolo. E havia mais camuflados, muitos mais, todos nada ergonómicos.. só anos mais tarde tiveram as mochilas (os molotovs e as fisgas em fibra de carbono) acesso à educação.

André Bonirre

08 abril 2004

TOLERÂNCIA

A páginas tantas, ainda no início do Dossier “Projecto de Suporte à Tomada de Decisão”, uma linha banal, sublinhada a toda a largura da folha A4, num traço a negro abobadado (ou seria uma hipérbole, uma parábola?). Acabaram-se as tolerâncias, vou já cortar a trunfa.

André Bonirre

13. Livrarias, diz: Varia

A minha livraria sempre foi a Bertrand do Chiado, foi lá que passei grande parte do tempo das aulas da faculdade. Mais tarde desci a rua do Carmo e entrei na Livraria Portugal, onde comprei muita poesia. Outros amores levaram-me a outras partes da cidade e a descobrir outras livrarias: a Barata da Avenida de Roma, a Assírio & Alvim do cinema King. Hoje, pela proximidade, frequento muito a Fnac do Colombo, não é perfeita mas serve. Tenho também uma "amiga" na Fnac-online, que me ajuda nos caprichos mais difíceis. Como sempre li muita Banda Desenhada, a minha livraria era também a Destarte à Praça da Alegria, foi lá que descobri os grandes mestres e que encomendei grande parte dos livros que hoje guardo por caixas na garagem. Hoje é na BDMania que fico a par das novidades. Tenho também boas recordações de uma Feltrinelli em Roma, onde pude ver pela primeira vez os livros de Tonino Guerra.

//sent by Nuno, O Cheiro a Torradas pela Manhã

O leitor encontra o poeta

O João A. estava num lugar do Bairro Alto chamado Tertúlia. Uma amiga quis apresentar-lhe uma pessoa. A conversa durou toda a noite. O João A. ficou encantado. Quando se despediram o João A. perguntou-lhe o que fazia. Era poeta. Quando lhe quis dar um livro, o último, o João recusou. "Conheci-te e gostei muito de ti. Não vou estragar esta amizade com literatura". No dia seguinte descobriu que ele tinha oito livros publicados. Comprou-os todos. Com aquelas palavras não sabe se adoeceu se voltou a nascer . Com medo de o voltar encontrar nunca mais voltou ao Tertúlia.

12. Livrarias, diz: as bibliotecas

A mais bonita é a Lello, no Porto. Mas não é minha, porque o Porto não é meu.
Mais do que as livrarias, marcaram-me as bibliotecas. Primeiro a itinerante: uma carrinha forrada de livros, parada a cada duas semanas junto à Igreja do Espírito Santo. Depois, os livros deixaram de ter rodas, ficaram parados naquela sala na calçadinha. E para lá ir, eu e a minha melhor amiga, tínhamos que enfrentar perigos incríveis, nomeadamente um rufia com a apelativa alcunha de "Ferrari". Ele vivia naquela zona da vila, ele era o nosso terror, um menino moreno, com uma pequenina cicatriz na cara, sempre com ganas de partir e bater. Apesar do medo que tínhamos dele, subiamos a calçada para irmos à Biblioteca, na vinda comiamos uma pirâmide de chocolate numa pastelaria que já não existe. Depois a câmara municipal transformou um velho matadouro numa biblioteca linda. E íamos para lá estudar e procurar palavras para o Amor.
E nunca me senti tão bem numa livraria como numa biblioteca

//sent by Isadora, Paragem de Autocarro

07 abril 2004

O leitor encontra o poeta

O João A. estava num lugar do Bairro Alto chamado Tertúlia . Uma amiga quis-lhe apresentar um poeta. Ele perguntou o nome. Disseram-lho. "Não quero conhecer. Gosto demasiado dos livros dele para o querer conhecer." Ela insistiu. Chegaram à fala. A conversa durou toda a noite. O João A. gostou muito de conhecer o poeta. Quando se despediram ele quis-lhe oferecer um livro, o último. "Não", agradeceu o João. "Agora conheci-te e gostei muito de ti, não vou ler mais nada do que escreves".

11. Livraria, diz: A livraria da Paula

Por razões geográficas esta livraria é a minha. Fecha às onze da noite, está aberta ao almoço e ao fim de semana, o livreiro, ele próprio editor, é razoavelmente atento e informado. À direita, quando se entra, tem livros de ciências sociais. Ao fundo, à esquerda, livros infantis. Numa pequena mezzanine livros de arquitectura. Na sala principal as novidades. No balcão, algumas preciosidades, estilo Cavalo de Ferro, Relógio D'Água. Alguns livros em língua estrangeira e edições da casa, geralmente de académicos locais. Há alguns anos a poesia estava em lugar de destaque. Depois passou por um ocaso relativo e agora voltou a ocupar um lugar que não tem paralelo com nenhuma das concorrentes locais.
O melhor da livraria é a livreira Paula, embora esteja quase sempre no sector discreto (encomendas, facturação, edição). A livreira Paula lê Ana Paula Inácio, Walser, Stevenson, Dawkins, Edward Said, Maria do Rosário, Manuel de Freitas. Há em minha casa uma estante chamada Paula com os livros que a Paula me guarda e eu já tenho e levo na mesma, porque os livros são muito bons, ela tão rara, e eu não tenho coragem de lhe revelar a minha infidelidade.
Nesta livraria também não me fazem desconto.

Quarteto
Rua Calouste Gulbenkian, Centro Comercial Primavera, cave
Coimbra

10. Livraria, diz: Ler Devagar

Gosto de encontrar os livros da & etc, logo ao lado da porta, e os da Antígona também. Gosto da idéia (não sei se gosto da Idéia). Das cadeiras, dos sofás e das mesas. Do horário de funcionamento. Os livros parecem-me desarrumados e o bar só funciona quando há amigos ou sessões especiais. Nesta livraria encontro pessoas que não via há algum tempo. Quase sempre fingimos não nos reconhecer. É assim que se aproveita bem o tempo numa livraria. Há lá umas senhoras que me lembram a minha tia Mercedes. Têm o ar severo de quem nos castiga se pecarmos. É possível que em situações que não consigo imaginar a severidade se atenue e um sorriso adoce aquela compostura. É possível. A minha tia Mercedes sorria em ocasiões memoráveis. Mas nunca vi sorrir as senhoras. Também há lá um rapazola, cheio de ombros, que um dia destes se virou para mim e me disse: "Estamos fechados". A porta estava aberta, eu folheava um livro do Carlos Bessa, algumas pessoas ainda se demoravam junto aos escaparates. Olhei-o tentando perceber se se tratava de um manifesto, uma declaração de intenções, um sintoma. Os outros presuntos leitores não se mexiam mas deviam ser da família, porque era para mim que o rapaz falava, embora não me fitasse. "Estamos fechados", repetiu, como os polícias de trânsito antes do auto. Pus o livro na estante e saí. Nesta livraria não me fazem desconto.

Ler Devagar
Rua da Rosa, Bairro Alto
Lisboa

06 abril 2004

9. Livraria, diz: Barata de Campo de Ourique

É a Barata de Campo de Ourique, em Lisboa. Posso ler o que quiser, posso não comprar, posso ficar em silêncio a pensar, ou a esvaziar-me das imagens da babilónia, ou em silêncio a desfolhar os livros da mesa da poesia, ou em silêncio a escutar o meu coração disparar movido por alguma palavra perfeita.

p.s.- em tempos escrevi umas linhas sobre a Barata:

//sent by sa, A Espuma dos Dias

Eu, se escrevesse

Para quem se escreve? Giordano Bruno, numa época da sua vida escreveu com entusiasmo para a rainha Elisabeth. Ela não o percebeu, teve medo dele e dos seus excessos. Achou-o ”rude”, com convicções demasiado fortes, perigoso. Aquilo a que hoje se chamaria “um radical”. Salvatore Gandio escreveu para os seus carcereiros. O infeliz acusado da Coluna Infame escreveu para um futuro que não conhecia com o objectivo preciso de ver reparada a injustiça que sobre ele se abatia. O meu avô escrevia para um leitor que havia de vir, e que talvez o lesse em esperanto, e vivesse num mundo sem governos nem mestres. Embora não se perceba, Rilke escreveu sempre para a Princesa Maria von Thurner und Taxis e ela só percebia a ferida lírica que lhe rasgava a testa. Thomas Mann escreveu por vezes para os rapazitos viris que lhe atormentaram a existência e seguramente nunca o leram. Dickens escrevia para as filhas e aquele homem esquisito para as sobrinhas. Milhões de mulheres escreveram as cartas de Soror Mariana , às escondidas de maridos sórdidos e de crianças curiosas, e todas escreveram para cavaleiros improváveis. A jovem princesa de Navarra entretinha os delicados admiradores com as suas histórias esperando que isso lhes trouxesse algum consolo. Maria do Rosário escreve incompreensivelmente para José A. Furtado.
Um dia, na modernidade, inventou-se essa farsa do leitor que reescreve o texto. E agora, na blogosfera, com a escrita assim tão democratizada e janelas de comments à disposição (onde as há), pode ser que essa ilusão se fortifique.
Mas os que escrevem fazem-no sempre para um leitor que não há. Essa é a definitiva limitação do leitor real. Isto, que sei há tanto tempo, não me entristece. Embora deixe o Bonirre desolado.

*sobre o mesmo tema ver my life is not my life e eternuridade

8. Livraria, diz: Fnac e bisavô Manuel

Não tenho uma livraria preferida, onde moro não há livrarias somente papelarias que vendem livros o que não é bem a mesma coisa, fora do local onde moro gosto de estar na Fnac do Colombo, gosto de estar rodeado de livros, pilhas de livros, livros que podemos quase mergulhar neles por estarem em todo o lado ,como fazia o Patinhas no seu dinheiro ... um stage diving literário na Fnac era sem dúvida uma ideia interessante.
Mas gosto de estar rodeado de livros porque me fazem lembrar o escritório do meu bisavô Manuel, que tinha em casa uma pequena divisão de paredes forradas a livros de todos os géneros e com um Mapa enorme de Portugal daqueles que se viam nas escolas primárias antigamente. Não é uma livraria no verdadeiro sentido da palavra mas se fosse, lá era o sítio que eu escolhia como a minha livraria preferida até porque cheguei a ler alguns dos seus livros.

//sent by Clan, ClanDestino

7. Livraria, diz: Som das Letras (Évora)

A minha livraria é a "Som das Letras", em évora. a som das letras, da anabela e do luís (não lhes sei os últimos nomes), fica metida numa travessa por trás da casa cordovil (departamentos de línguas e literaturas da U.E.). da primeira vez que lá entrei, tinha aberto há pouco tempo, deixei-me ficar lá por mais de uma hora, faltei a uma aula, claro, mas a música era tão boa, os livros no sítio certo. se por acaso o livro não está no sítio certo, eles tratam do assunto, faz-se por estar. depois mandam-nos chamar, para mais uma visita. comprei lá, na semana passada, este último da patrícia melo... sem
contabilizar a hora inteira que por lá me deixei ficar. se por vezes não entro, é por isso mesmo, porque sei que não tenho termos e aquilo ali tem esse efeito em mim de ficar e de me perder.

//sent by clAud, Tempo Dual

6. Livraria, diz: Rebuçado

Nunca tive livrarias preferidas, sempre olhei para elas como quem olha para o papel de um rebuçado. Há uns coloridos, há uns brilhantes, nos quais os meus olhos se demoram uns momentos a mais do que outros, mas no fim, nunca me esqueci do que eu queria realmente pôr na boca, e era sempre o que estava dentro deles...

// sent by RG, Ozono

5. Livraria, diz: Assírio & Alvim (Lisboa) e pequenas

A Assírio & Alvim na Passos Manuel em Lisboa desde o tempo em que o Hermínio aí estava ao balcão e com quem era um privilégio conversar. Depois e sempre as pequenas livrarias tipo alfarrabistas na Baixa e junto ao Largo da Misericórdia
e Bairro Alto.

//sent by Sara Xavier, Linha de Cabotagem

O quanto antes

Agora que nasceste pede-se autorização para registar o teu nome, será o teu primeiro número. Depois, bom, convém fazer já o seguro de saúde, ainda és muito novo mas eles oferecem um preço especial de subscrição, válido apenas no primeiro ano de vida e com bonificações importantes de saúde durante a idade adulta. Também para o plano de precaver a educação é agora a hora, com descontos suaves e válido até finalizar a licenciatura, sai muito em conta e prevê uma forma de redireccionar os fundos sem perda de rendimento caso optes pelo estudo técnico.
Pode ficar para mais tarde o seguro automóvel, com desconto por seres mulher mas com agravantes se tiveres um acidente. Ah, esqueci de dizer do seguro de vida, pagas o mesmo, mas se fores doente crónico esses riscos não serão considerados. Nos telefones se escolheres bem, e falares disciplinado 2 horas por dia há um excelente pacote, apenas um pouco mais caro à noite, dias feriado, e às terça-feiras, desde que não seja a última do mês. Até os selos do correio, como se escreve pouco, compra-os na ats, são pouco mais caros mas sem prazo de validade. Mas ai de ti se cais nas entrelinhas dos contratos, o que é em conta resulta caro e o vantajoso desastroso. Mas para cobrir esses riscos de entrelinha também se pode fazer um seguro!

PC

05 abril 2004

Hoje sei o nome dele

A blogosfera é magnífica. Há pouco tempo julgava-me perdida nesta terra: eu sei, tem o Mosteiro. Mas experimentem vir para cá um ano inteiro e vão ver que consolação vos dá o Mosteiro. Agora sei o poder de um comentário. Há uns dias perguntei por uma livraria em Alcobaça. Falaram-me da Mil Folhas. Fui castigada. Não devia ter fingido tanta inocência. Eu tenho uma livraria em Alcobaça, mais secreta mas muito mais saborosa. Chama-se Claraval. Foi lá que comprei a Maria do Rosário Pedreira. E o José Régio e o Carlos de Oliveira que eram os escritores do meu pai. E como já percebi que aqui acontecem coisas fantásticas e podem ser ditas, aqui vai a revelação. Um rapaz esperava silencioso que eu percorresse os livros expostos nos escaparates, depois as estantes. Às vezes virava-se para mim com timidez. Apenas o suficiente para, se eu quisesse, perceber que podia ser ajudada. Nunca soube quem era. Mas ele conhecia sempre os livros que eu pedia. Hoje sei o nome dele. Alias as iniciais e o heterónimo.

Maria João (recebido por mail)

Campo di fiori


Em Roma, em Campo di Fiori
Cabazes de limões e azeitonas,
O pavimento salpicado de vinho
E de restos de flores.
Os feirantes despejam nas bancas róseos mariscos,
Braçadas de uva preta
Caem sobre a penugem dos pêssegos.

Justamente aqui, nesta praça,
Foi queimado Giordano Bruno.
O carrasco acendeu a fogueira
No meio da gentalha curiosa.
E mal o lume se apagou,
Tornaram a encher-se as tabernas,
Os cabazes de limões e azeitonas
De novo à cabeça dos feirantes.

Recordei Campo di Fiori
Junto de um carrossel em Varsóvia,
Numa serena tarde primaveril,
Ao som da música saltitante.
A melodia saltitante abafava
As salvas por trás do muro do ghetto.
E os casais voavam alto
No céu limpo.

O vento das casas em chamas
Trazia negros papagaios de papel,
Apanhava pétalas no ar
Quem ia no carrossel.
Levantava as saias às raparigas
Este vento das casas em chamas
E riam-se as multidões alegres
Num lindo domingo de Varsóvia.

Talvez se tira por moral da história
Que o povo romano ou varsoviano
Negoceia, diverte-se e ama
Enquanto ardem piras martirizantes.
Talvez haja outra moral
Que são fugazes as coisas humanas
Que o esquecimento surge,
Mesmo antes do fogo se apagar.

Mas eu pensava então
Na solidão dos que pereciam
E em Giordano
Que ao subir para o estrado
Não encontrou na língua humana
Nem uma palavra que fosse
Com que se despedir da humanidade
,
Desta mesma que perdura.

Já corriam a beber o vinho,
A vender as estrelas do mar,
A carregar na balbúrdia alegre
Os cabazes de limões e azeitonas.
Ele já estava muito distante deles,
Como se tivessem passado séculos,
Porém, apenas demorou um instante
Vê-lo voar entre as chamas.

Aqueles que morrem, solitários,
Já esquecidos pelo mundo,
Estranham a nossa língua,
Como se fosse de um planeta antigo.
Mas um dia tudo será lenda,
E então, muitos anos volvidos,
Num novo Campo di Fiori
A palavra do poeta ateará a revolta
.

Varsóvia, Páscoa de 1943

Czeslaw Milosz

4. Livraria, diz: varia

Porque nunca fui fiel a nada nem ninguém, a minha livraria são muitas livrarias. Pelo menos 107, o número que é livraria aqui em Caldas da Rainha. É a livraria Assírio & Alvim quando vou ao cinema King, ou a livraria FNAC quando vou para centros comerciais pôr o burguesismo em dia, ou a livraria para Ler Devagar, ou a livraria Arquivo quando Leiria me chama, ou a livraria Byblos que me faz chegar os livros com portes de envio (os livros que viajam são mais ricos que os outros). Em tempos fui coleccionador de livrarias que não são apenas livrarias. Por exemplo, a Centésima Página (Braga), Tribuna e Café (Braga), O Navio de Espelhos (Aveiro) (http://www.onaviodeespelhos.com/), Fonte de Letras (Montemor-o-Novo), Vemos, Ouvimos e Lemos (Serpa), Livraria Lello (Porto) (http://lelloprologolivreiro.com.sapo.pt/)... Mas foi este ano que eu pude conhecer a livraria da minha vida. Chama-se Poetria e fica no Porto, Rua das Oliveiras, 72 Galeria Comercial. É uma livraria de poesia e teatro, ousada, corajosa. Também já trabalhei numa livraria, mas dessa não digo o nome.

//sent by hmbf, alias Juraan Vink, Universos Desfeitos

3. Livraria, diz: Fnac do Chiado e como é mesmo o nome dela

I. Nesta livraria que se pela por nos fazer sentir "cozy" compro regularmente livros... Vendo bem as coisas é uma cave, ligeiramente bafienta e muito frequentemente atulhada de tipos como eu. Livros, Cd's, DVD's... Há qualquer coisa errada por lá. Onde há alcatifa há ácaros. É essa a Natureza do Mal na Fnac do Chiado ou em qualquer outra.
II. Como é mesmo o nome dela? Fica numa rua estreita, de prédios antigos, bem cuidados, para turista ver e Castelhano viver. Entre o aqueduto romano e a Praça Mayor. Entrei lá uma única vez de olhos cheios de ocre e com uma vontade de centenas de quilómetros em comprar um livro de Miguel Saavedra... Como venderão Cervantes ao povo em Espanha? Tratando-se de Don Quijote de La Mancha vendem-no em dois tomos, livros de bolso, na Coleccion Z da Editorial Juventud. Hei-de regressar a Segóvia, de férias, com ela e procurarei novamente esta livraria. Lembrar-me-ei então da Natureza do Mal. Como é mesmo o nome dela?...Beijo e abraços e boa Páscoa se forem dessas coisas.

//sent by Rui Branco, Adufe pt

2. Livraria, diz: Poetria e Assírio & Alvim (Porto)

Vou fazer mais ou menos uma transcrição do comentário que deixei no Mal, ok? :)
Tenho duas livrarias de eleição neste momento que são a Poetria (Rua das Oliveiras, 70 - Porto - junto à Praça Carlos Alberto) e a Assírio & Alvim (Rua Miguel Bombarda, 531 - Porto).


A Poetria é um lugar pequenino que é como estar em casa de alguém e e poder passar as mãos nas suas estantes de livros, só que essas estantes são muito ricas e tentadoras, fazem-nos esquecer as listas de livros desejados que trazemos na carteira.Um lugar onde facilmente começam a tratar-nos pelo nome, com grandes sorrisos de honesta simpatia, aqui e ali a partilha de uma história engraçada a propósito dos livros e autores ou então uma sugestão que acaba por transformar o dia. É um lugar onde nos atendem bem e onde facilmente nos sentimos bem. Além de geralmente encontrarmos aquilo que procuramos.

Da Assírio & Alvim gosto porque está mesmo ali no meio das galerias todas, e para chegar à livraria não resisto a demorar o dobro do tempo até ao fim da rua, se porta sim porta não ouço o chamamento das exposições. Depois a livraria também é um espaço relativamente pequeno, portanto acolhedor, onde nos recebem igualmente com sorrisos e simpatias, e onde - como diz a Cristina - realmente não cheira a Mofo. Gosto da Assírio porque está ali numa zona que gosto muito e que quase serve de pretexto para um passeio pelo Porto. Dali aos jardins do Palácio de Cristal são uns passinhos.

A Cristina também já falou da Leitura, mas eu só queria acrescentar (ou reforçar) uma coisa. Quando se quer encontrar um livro que não se encontra em mais lado nenhum, a Leitura é o lugar para o procurar. Nunca lá me disseram uma vez que fosse 'não temos'. É talvez o melhor exemplo no Porto de profissionalismo e competência em livraria, não que o espaço seja tão convidativo como os anteriores, mas mesmo assim. O que não há de momento, é sempre possível arranjar, encomenda-se. Ali arranjaram-me os livros do Michaux e do Artaud que não vi em mais lado nenhum.

E acho que já chega.


//sent by Insensatez, Littleblackspot

O ROMEU E A HONDA OU ALFABETIZAÇÕES CÍVICAS

É pró menino e prá menina!, são incentivos-incentivos!.. dois sabores quase iguais: saabor incentivo - tamanho familiar; saabor incentivo - mais desportivo. É prós meninos e prás meninas!, ondas cívicas de incentivos, romeus alfabetizados, incentivados. Incentivem-se, incentivem-se! (e incentivem-me o gajo, aí cadastrado também).

André Bonirre

04 abril 2004

1. Livraria, diz: O Navio de Espelhos

recebi o convite para subir a bordo embrulhado em mil folhas. encontrei o navio uns dias depois atracado ao lado do teatro aveirense. para subir a amurada, como nova, e saída poucos meses antes do estaleiro, não foram necessárias as escadas de corda na calçada. entrei içado por uma tripulação que gosta de livros. nas mesas do convés a poesia e outras grandes escolhas. nas estantes há teatro e a luz de outros faróis. a animação a bordo é grande. apetecem as viagens neste navio.

livraria o navio de espelhos
rua 31 de janeiro nº 10
aveiro

(ao lado do teatro aveirense)

de terça a domingo das 10h às 24h

www.onaviodeespelhos.com

// sent by Paulo, mundo imaginado)

T-coat

Gosto mesmo de T.

AUTODAFE: resistir pela linguagem

AUTODAFE [1743, Portuguese auto da fe, lit. act of faith]:
The ceremony accompanying the pronouncement of judgement by the Inquisition and followed by the execution of sentence by the secular authorities; esp.: the burning of a person condemned as a heretic or of writing condemned as a heretical.
AUTODAFE é uma publicação dirigida por Christian Salmon, do Parlamento Internacional de Escritores. ( contact@autodafe.org) Este número (3/4) tem como subtítulo Manual Para a Sobrevivência Intelectual em alusão e honra ao livro de Viktor Klemperer, LTI, Lingua Tertii Imperii [A Linguagem do III Reich], já aqui referido. Klemperer, um filologista alemão que escreveu um diario que cobre todo o nazismo, analisou finamente a operação linguística através da qual a ideologia nacional-socialista "reestruturou o espírito e a cultura alemães". "LTI tornou-se uma reflexão clássica sobre a linguagem dos totalitarismos, um exemplo de resistência e um manual de sobrevivência intelectual. " Resistir através da linguagem é a única maneira de manter e encarnar a continuidade da razão e o pensamento crítico face à tirania". Textos, entre outros de Russel Banks, Carlos Fuentes, Naguib Mahfouz, Alvaro Mutis, Wole Soyinka e Enrique Vila-Matas: "Eu devia ter podido prevenir a guerra".

Hannah Arendt: Eichmann em Jerusalém

Quarenta anos depois da sua publicação no New Yorker surge a tradução portuguesa das reportagens que Hanna Arendt fez sobre o julgamento de Eichmann (Eichmann em Jerusalém, Uma reportagem sobre a banalidade do mal, ed Tenacitas, tradução e prefácio de António Araújo e Miguel Nogueira de Brito).
O prefácio alude à biografia de Eichmann, à sua prisão na Argentina e à circunstância em que Hanna Arendt escreveu os textos que viriam a ser reunidos neste livro bem como à intensa polémica nos meios judaicos a que deu origem.
Eichmann foi o principal executor da Solução Final para o problema judeu, o eufemismo que escondeu o Holocausto. A mando de Göring e Heydrich organizou a conferência de Wannsee na qual se organizou o extermínio do povo judeu. Assistiu a execuções experimentais em massa. Distribuiu o gás letal pelos campos. Gabou-se de ter na consciência cinco milhões de mortos. No fim da guerra, disfarçado de soldado, rendeu-se aos americanos. Fugiu duas vezes de campos de detenção sempre sob falsas identidades e apoios. Apoiado pela organização Odessa acabou na Argentina com o passaporte de um tal Ricardo Klement. Uma antiga vítima, um cego por sequelas de tortura, que no início da guerra fugira para a Argentina, localizou-o acidentalmente. A Mossad acabou por prendê-lo numa paragem de autocarro e, secretamente, levá-lo para Israel onde foi julgado.
Quando a sua captura foi conhecida a polícia argentina prendeu o cego, torturou, violou e marcou com uma suástica em ferro a filha do dono da casa onde suspeitava que Eichmann estivera detido. Matou outra jovem que tinha dado apoio à Mossad. O governo argentino exigiu desculpas a Israel. O Conselho de Segurança da ONU condenou por unanimidade a operação israelita. O cardeal argentino Antonio Caggiano declarou, para sua vergonha eterna: "Ele veio para a nossa pátria em busca de perdão e esquecimento. Não interessa se se chama Klement ou Eichmann, pois a nossa obrigação enquanto cristãos é perdoar-lhe pelo que fez.".

Livrarias: City Lights



Uma noite de enganos
em tempos sombrios
e ele não passou os Pirinéus.

Gostava de lhe dizer
que foi encontrado
em San Francisco.

A Blackwell's de Oxford

A Blackwell's em Oxford, na Broad Street, era uma boa livraria. À entrada biografias, livros de história, novidades, poesia, muitos atlas, guias e livros de viagens. No andar de cima livros de bolso. Em baixo saldos e livros técnicos. Andava o Rushdie a monte e eu, tardes a fio, fascinado com o destino dos filhos da meia noite.

Bucólica

As ovelhas paravam a ruminação
e viravam o perfil
na direcção da casa

quando gritavas.

(algures na Serra da Estrela)

Saramago

Parece que Saramago acha que a democracia se está a auto-destruir. Concordo. A auto destruir e a não se defender dos ataques. Quando, por exemplo, um Prémio Nobel da Literatura, para condenar a ditadura cubana tem de medir as palavras, a democracia está a autodestruir-se.

Livrarias (work in progress)

A Bertrand do Chiado (por Alcides o Bode), Ler Devagar (Rosa), a Border's de uma pequena cidade do Midwest (Miguel Innersmile), El Ateneu em Buenos Aires (Catarina Eternuridade), a Lello (Isadora, Paragem de Autocarro), A Asírio de Miguel Bombarda, a Leitura e a Latina (Cristina, Janela), A Poetria (Insensatez), City Lights em San Francisco (Luís, Eternuridade).

02 abril 2004

Livraria Finisterra

Até parece fácil fazer a história de uma livraria. Esta faz 25 anos a 9 de Abril. Não sabemos a quem dar os parabéns. Os fundadores chamavam-se Alferes e Ventoínha e o nome deve ser uma homenagem ao Carlos de Oliveira. A primeira edição de Finisterra, na Sá da Costa, faz 26 anos, bate certo. O Alferes tinha cara de ser um secreto admirador do Carlos de Oliveira. Será que o Alferes conheceu o gandarês, o poeta de Gelnaa, nome secreto de Ângela? O Alferes era um homem reservado, escondido atrás dos livros, mas sou capaz de o imaginar atrás de Finisterra, o livro, como nós hoje atrás de alguns blogs, na dura tarefa de descodificação. Há sete anos o Alferes foi-se embora. O novo dono é a Almedina, que não tem rosto, e pôe lá uns livros e uns discos. A Finisterra livraria é como o Finisterra livro. Vai na terceira edição e perdeu a alma. Compram-se alguns livros com 10% de desconto. Já não é mau.

Livraria Finisterra
à Praça da República
Coimbra (fecha às 20h)