Isabel do Carmo responde a Esther Mucznik num texto que alguém, gentilmente, copiou para os comentários do post anterior sobre o Gerês.
A guerra é assim, como a paixão, totalitária. Nos teixos do Gerês o partidário árabe vê os cedros do Líbano. A guerra é a manhã e a noite dos combatentes. Os fanáticos islâmicos preparam-se para o martírio nos ginásios de Walthamstow, nas ruas de Birmingham. A doçura e a bonomia dos dias reais devem ser destruídos pelo passado, que não se pode esquecer.
“Os massacres de Chabra e Satila. O massacre da aldeia palestiniana de Deir Yassine.”
“O ser humano não esquece.”
“A população indignada das ruas jamais esquecerá.”
Se por acaso esquecesse, se por acaso “o povo das ruas” se desse às tarefas da paz, lá apareceria um desses que não esquece, clamando vingança. A memória não reclama vingança, mas justiça. A memória do Holocausto, que se inscreve indescritível na nossa consciência e lança uma sombra sem remédio na ilusão progressista, que fez Celan odiar a língua onde escreveu os mais perturbadores dos poemas, mesmo essa, causa vertigem, descrença em que as nossas capacidades intelectuais nos possam modificar moralmente, mas não a sede de vingança.
A língua em que fala Isabel do Carmo, como muitas das pessoas que entendem dar opinião sobre o conflito israelo-árabe, é, infelizmente, uma língua de ódio, recriminações, vinganças, ajuste de contas, conformidade a uma visão do mundo escrita em catecismos. Talvez seja difícil não ser assim. Mas a guerra das classes, a guerra fria, a política da classe contra classe, levaram à loucura homicida do século XX, o mais cruel dos séculos e poderia ser duro construir sobre elas qualquer coisa que corresponda aos nossos anseios mais nobres.
Isabel do Carmo explica a Esther Mucznik o que é ser judeu. Faz um abregé da história do povo judeu em dois parágrafos, para justificar a frase de que, em quinze dias, não se arrependeu: “Israel nunca esteve em sítio nenhum ou esteve vagamente há 2000 anos”.
Dedica outro parágrafo à fundação do Estado de Israel passando por cima das vagas de emigração (as Aliyahs) que desde 1881 levaram judeus para a Palestina. Ignora a declaração Balfoure o White Paper de Maio de 1939, restringindo a emigração judaica para o Mandato Britânico da Palestina quando aí já viviam 450.000 judeus , ignora a declaração 181 das Nações Unidas, a invasão do Estado de Israel pelos Estados Árabes da região, a primeira guerra israelo-árabe.
“O acto fundador de Israel pode dizer-se que foi o massacre da aldeia palestiniana de Deir Yassine por aquilo que hoje chamaria os terroristas do Irgun, a 9 e 10 de Abril de 1948.”- escreve ela.
Lamento que os historiadores não escrevam, nos dias de hoje, sobre a história. Que a história seja penosamente esgaravatada por gente que quer perceber, debaixo do silêncio dos estudiosos que dedicam a sua vida à investigação e ao ensino destes temas. Mas o massacre de Deir Yassin, tal como o massacre da coluna médica de Hassadah, pertencem à miserável história da guerra. “A compaixão como instrumento do ódio”, foi o título certeiro que Esther Mucznik deu à táctica dos falsos pacifistas que fizeram a guerra do Irão por procuração, através dos correspondentes das televisões. O ódio como instrumento do ódio, é a que usa Isabel do Carmo. Para quê? Ela explica. Depois de afirmar que “o Hezbollah, goste-se ou não, é um partido organizado, tem deputados eleitos e foi a forma daquela população se organizar. Tem escolas, hospitais, assistência social. Não é uma organização terrorista e como tal não é considerada pela União Europeia”, conclui: “E de tanto se querer confundir anti-sionista com anti-semita, pretende-se prender as consciências do horror do holocausto e tolhê-las no combate aos senhores da guerra de Israel?”
Dito da mesma maneira: “É preciso apagar o Holocausto, para o Hezbolah, organização possível dos oprimidos árabes, poder destruir Israel em nome da vingança histórica, com a nossa cumplicidade e aplauso”.
O meu combate é muito mais limitado. Eu só queria falar aqui, contra o partido da guerra, a linguagem da paz.