29 fevereiro 2004

NO PARQUE, AO DOMINGO

Enchem o Parque, vêm dos arredores, do Almegue ribeirinho, da Bencanta musical, de muitos lugares ainda com o campo chapado, Casais, Corujeira, Espadaneira, Marmeleira, Parreiras, Pé de Cão, Casal do Rato, Coalhadas, de áreas abatidas, o Pinhal dos Macarrucos, Pinhal do Avial, Canto dos Surrécios, de antigos santos locais, Espírito Santo das Touregas, São Martinho do Bispo, Ribeira de Frades, de zonas com ecos bárbaros, Zouparria do Campo, Ardazubre e outros arredores mais. Que os faz movimentar, aos milhares, famílias inteiras? Ajuda o nome em inglês americano? Que atracção teria um simplesmente Parque de Retalhos?
(Retail Park, domingo em pobre, evitas dir, até os pregos custam o dobro da loja de ferragens mais perto de si).

André Bonirre

FIM DE SEMANA PARA GANHAR CORAGEM

Nada como um prego, ou, sem abreviar, não há nada como um prego para ginasticar o cérebro domingueiro de um trabalhador de secretária. No paiol das ferramentas encontrei o martelo em extinção, muita ferrugem, e uma ou outra alfaia agrícola de valor simbólico. Quanto a munições proletárias, nenhuma, tudo esgotado. Que fazer? Ir ao Mestre Maco, pois claro.

André Bonirre

Delírio paranóide

Às vezes parece-me que alguns bloggers falam de mim. Como me curei dos panick attacks, não sinto nada. Nada, percebem. Posso ler tudo, escrever sobre tudo, sem emoção. Tenho o sistema nervoso autónomo entre parênteses. Não temo, nem tremo. Mas a ausência de emoção pôe-me muito dependente do sistema de linkagem. Sem links fico perdido. É de mim que falam? Telefonei à minha psiquiatra. "- Se é para falar dessa merda dos blogs, não estou"- ela, empática. Mas depois de bem conversada lá me ouviu. "- Não, não me parece grave. Se achas que dizem bem de ti, não tem gravidade, do ponto de vista do risco psicológico" - prognosticou.

Notícias da Revolução

O Exército Canibal entrou em Porto Príncipe.

Adeus a Diane Keaton

Aqueles que ainda acreditam nas estrelinhas dos críticos de cinema para as escolhas cinematográficas, os saudosistas de Annie Hall, os crédulos do Y, não se iludam. Alguém tem de ceder é uma nulidade. Devia ter desconfiado quando vi a sala cheia. Nancy Meyers não é melhor que os realizadores das novelas da Tvi. Jack Nicholson faz dele mesmo. Diane Keaton é ridícula. Frances Mc Dermond devia pedir desculpa aos Cohen. E os que consideram esta vacuidade de mau gosto como um filme a ver**, ou a não perder ***deviam reembolsar-nos pelo tempo perdido. Este post é um serviço público: não vão ver esta comédia pornografica.

Dicionário

Um pobre está sempre a estorvar.

Salvo seja

No Take Away o homem, magro, cinzento, triste para a rapariga do balcão:
- Eram duas de cabrito.
- Cabrito ou borrego?
- Duas de cabrito. De cabrito não, de borrego. Duas de borrego.
- De borrego?
- Duas de borrego, salvo seja.

Dicionário

Em pobre, não basta ser espilro, tem de ser santinho.

Um voto

Já escrevi isto aqui há meses e um amigo comentou esta opinião com um espanto que hoje certamente não repetiria: a única candidatura que a República pode opor ao populismo sem programa e aos dois homens que personificam a desistência, é a candidatura de Freitas do Amaral.

A terceira virtude

Juro que ouvi o dr. João Soares explicar as virtudes da escolha do professor Sousa Franco para deputado europeu: primeiro foi ministro, segundo é um grande europeísta e terceiro, mas não por último, nem sequer é socialista.

Siga as marcas do pavimento

Na Torre de Almedina fala a Berta
No Sousa Bastos vivo é o Luís
Alguém se sente só
na Torre do Prior do Ameal
Na Torre D. Joana ela sorri
Na Porta de Belcouce
a Lena lembra uma festinha
Na Torre do Trabuquete o Bruno foge
e o Abel na Torre da Muralha
A Adília fala no Paço Episcopal
e sempre bem como é costume
No Bota Abaixo é a vez da Tânia
e a Lurdes fala por todos nós

Eu abro em esforço
a Porta da Traição


The Thackery T Lambshead Pocket Guide

Um guia pouco reverente para com a nobre profissão onde se pode aprender tudo sobre doenças raras como o Síndrome da bioluminescência peniana de Lear, a Sinestesia figurativa ( em que a vítima pode cheirar cores e ouvir sabores). Impressiona-me sobremaneira a Doença de Menard, ou Biblioartiflexismo em que" os doentes têm a triste ilusão de de ter escrito, palavra a palavra, linha a linha, a obra clássica de um autor conhecido."



The Thackery T Lambshead Pocket Guide to Eccentric and Discredited Diseases
Jeff VanderMeer, Mark Roberts, eds.
Portland: Night Shade Books, 2003.
Pp 298 24$
(assuntos correlativos aqui )

Crónicas no passado

Detesto ter de me divertir com dia certo, a marcação de calendário é capaz de acabar com qualquer excitação. Já era assim com o ano novo e agora trazem-nos para aqui o carnaval, importado, as exigências comerciais, mas esqueceram-se de trazer também o clima, o sol de verão e já agora o ritmo na bundinha que acompanha o samba. Este ano safei-me bem do carnaval graças ao meu amigo Direitinho Merceeiro. Vou lá todos os dias para ver as novidades e para dar dois dedos de prosa, pois claro. Ele tinha lá uma caixa a que chamam t.e.l.e.v.i.s.o.r onde passa dentro o carnaval, assim ficamos em casa sossegados a espreitar para tudo o que quisermos. Estes dias só passa o carnaval mas ele garantiu-me que depois também dá outras coisas que se escolhem apertando um de quatro botões de lado. Para mais ele, para mim, deixa pagar em três vezes e explicou-me que quando se estragar ainda dá um bonito aquário. Corta-se a parte de cima, com muito jeito, usando uma serra de tico-tico e tiram-se as miudezas todas de dentro, só fica uma peça que se chama t.e.l.e.j.o.r.n.a.l e serve de carvão activo para limpar a água dos peixes. Os filmes da noite também ficam porque têm as bolinhas vermelhas que dão ar para os escalares, os gupies, os tubarões e os limpa-fundos. Está tudo explicado num livro que ele me deu com desconto, é mesmo um tipo às direitas este Merceeiro.

PC

28 fevereiro 2004

Bem de meia idade

Bem de meia idade, com estatuto confortável, sofrendo de algum tédio e excesso de generosidade, procura Mal para relação séria.
Propõem-se projectos de alguma perversão e ignomínia. Não se exige eliminação de passados ou partes deles. Pede-se apenas envolvimento e capacidade para interagir duma forma humana. Dão-se algumas referências envergonhadas. Não se aceitam mal-amados, maldizentes, males por bens ou malmequeres.


Bontempo

DE TOPO

Cada vez com mais dinheiro e menos tempo: compra cada vez mais de cada vez mais coisas mais caras (é uma Gestora de Topo).

André Bonirre

O CAVALINHO DA CHUVA

O cavalinho da chuva e eu, com o tempo, coexistimos. Todos os dias repete-se. O cavalinho à chuva e outra injustiça no mundo. Dizem-me – tira o cavalinho da chuva. E eu vou, sob protesto.

André Bonirre

27 fevereiro 2004

Desmentido

Que o mostrengo não se iluda. A minha espinha está direita. E somos, quase sempre, maus.

Estava tudo no soutien das meninas

Os planos da fuga,
O sinal da conjura,
O desenho da mina.
A senha e o santo.
As nossas melhores esperanças.
O sândalo, a canela,
O gengibre,
O diamante.
A visão do Aleph.
A pétala da magnólia,
O mapa de Stevenson,
As cinzas, as cinzas.

As pupilas feridas pela luz,
As papilas
(num dos seus sítios favoritos).

O número da sorte.

A canção de Rolando.
O voto secreto.
O sétimo selo.

O bilhete para a Patagónia.

O panfleto apelando à revolta
gravado em papel bíblia.
A direcção da casa.
A direcção das serras.
A chave do enigma.
O provável nome de deus.
A erva
e a folha do quercus.
A asa da borboleta.

Estava tudo no soutien das meninas.

Na rusga da polícia,
Na fronteira vigiada,
Nas buscas,
E geralmente, por precaução,

Estava tudo no soutien das meninas.

(work in progress)

26 fevereiro 2004

Uma batalha na ciência e fora dela

1. Na revista THE LANCET de 14 deste mês, Chris Neyrer (e-mail: cbeyrer@jhsph.edu), um epidemiologista de Baltimore, USA, publica um artigo chamando a atenção para as implicações do Relatório Zimmermam ( Os riscos para a saúde e as consequências do tráfico de mulheres e adolescentes: dados de um estudo europeu. Londres, LSHTM, 2003, disponível desde 15 de Janeiro, aqui).
O tráfico de adolescentes e de mulheres é um ultraje à nossa consciência mas é um fenómeno global e, com o tráfico de droga, de lixo nuclear e de armas, o negócio mais rentável do mundo, submetendo políticos, governos, polícias, juízes, opinion-makers e médicos, para não ser exaustivo na enumeração.
Quando Chris Beyrer estudava este fenómeno nos USA – que doenças sexualmente transmissíveis atingem as raparigas do Leste europeu das redes de prostituição- um grupo ligado à Igreja chamado Traditional Values Coalition pediu ao Congresso para investigar “estudos de práticas sexuais bizarras” financiados pelo NIH. E, zelosos, os membros da Coalition forneceram uma lista de 157 investigadores que, nos USA, se dedicavam a estudos sobre sexo, controle da natalidade, DST e Sida, uso de substâncias ilícitas. Juristas Republicanos obrigaram o presidente do INH a justificar o financiamento destes estudos e os investigadores tiveram de detalhar a sua utilidade a uma comissão que não era constituída por pares mas por fiscais (burocratas ou ideólogos).
No New York Times de 6 de Fevereiro, citado no Lancet, Gilbert Herdt, que é director do National Sexuality Resource Center da Universidade do Estado de San Francisco, USA, escreveu : “Nos meus 25 anos de trabalho neste campo nunca vi tal clima de medo e intimidação na ciência”.

2. O El Pais dava recentemente conta do debate sobre clonagem humana para fins não reprodutivos na Espanha. Ao contrário do que se passa em Portugal os meios científicos e jornalísticos espanhóis têm discutido estes temas, importantes por abrirem uma janela de esperança a milhares de pessoas condenadas a doenças até agora incuráveis. Catedráticos de Filosofia e de Ética em universidades espanholas escrevem artigos de opinião nos media ou assinam documentos.
EL Pais assinalava a existência de outra estranha coligação, desta feita internacional, entre Espanha e USA, apostada em criar impedimentos legais e outros à investigação e utilização terapêutica das células estaminais.
Agora que o Parlamento português anuncia um debate sobre estes temas é urgente impedir alinhamentos procedentes dos poderes fácticos para, como diz The Lancet, keeping ideology and bureaucracy out of science.

Psicologia baseada na evidência

O debate em torno das declarações do major Villas-Boas não deu luta. As declarações e artigos de opinião dos homofílicos receberam dos apoiantes do Presidente da Comissão governamental de Acompanhamento sobre a Adopção a resposta merecida: um silêncio desdenhoso e sobranceiro. Deixa-os pousar, parecia ouvir-se. Quando os efeitos demolidores desta tática pareciam impôr-se e retirar o tema da agenda eis que surge uma evidência científica a favor dos estudos que demonstram que as lésbicas são mulheres incompletas e os casais homossexuais produzem crianças gay: a Associação Pela Vida, sediada no Porto, veio a público saudar a coragem do major.

Notícias da Revolução (2)

Na Colômbia, como num romance de Gabo, faz dois anos que as Forças Armadas Revolucionárias mantêm sequestrada, Irene Betancourt.

Notícias da Revolução (1)

No Haiti, como na canção de Caetano, o Exército Canibal controla já metade do país e avança para a capital.

Queda feliz de um cabo

Eiffel era um gastador. Construiu a ponte de Viana com cabos de segurança que não serviam absolutamente para nada. O mau tempo encarregou-se de corrigir os seus excessos. Não se percebe que agora, com gestores atentos ao desperdício, substituam essas excrescências.

25 fevereiro 2004

Dicionário de pobre

Justamente, em pobre, é prontos.

Programa da manha

Como tenho ido para o emprego de transporte público perdi durante um mês o contacto com a rádio. Hoje de manhã reencontrei o par espantoso Sónia:Sá. O tempo, esse grande escultor, transformou Sónia, a totignorante, numa mulher cheia de boas opiniões e comentários. Sabedor como poucos, Super-Psico-Sá percebeu a transformação. Agora é ele quem faz as perguntas.

Um espanto

Hoje à tarde, na antena um, João Lopes entrevistava Luís Osório. Osório foi membro da Comissão de Extinção da RTP2. Explicou o espanto que sentiu pelo espanto dos que o viram aceitar aquele convite. Orgulha-se do trabalho da Comissão e do esforço que teve para, ao longo dos meses, ter convencido a maioria dos comissários. Inicialmente decididos a extinguir e depois privatizar o canal, os comissários acabaram por fazer o que se sabe- criar a 2: com um figurino de serviço público e a sociedade civil (o melhor dela pelo menos) a decidir dos conteúdos (o melhor deles pelo menos). Quando lhe perguntaram o que achava da 2: ele disse que não gastava muito tempo a ver televisão, muito menos essa sua criatura informe e quase nula . Eu gastei algum do meu tempo a ver Portugalmente e depois Zapping. Foi tempo bem empregue. Mas foram outros tempos. No resto da entrevista Osório desfiou um rosário de apreciações negativas e deprimentes sobre o actual panorama televisivo. Espantosamente estava muito optimista e confiante. Vagabundos de Nós não é seguramente uma peça de teatro mas uma terapia de grupo. Haverá mais comissários a fazer psicodrama?

O balde sanitário

No debate parlamentar, a ministra da Saúde, iludindo algumas questões a propósito das propostas de Freitas do Amaral sobre reformas do sistema prisional, disse com a voz tremendo de emoção: Vamos acabar com o balde sanitário (não sei se eles dizem balde sanitário se balde higiénico, nunca fui bom na linguagem eufemística dos responsáveis). E depois acrescentou sem perda de seriedade: Em 2006 não haverá balde sanitário nas prisões portuguesas. Eu explico-vos o que é o balde sanitário, ou balde higiénico. É um balde. Geralmente de latão. Com tampa, trampa e urina do preso. Está a um canto da cela, a enfeitar. De manhã o preso despeja-o. Se lhe resta um pouco de humor pensa na ministra da Justiça. Nesse instante inaugural do dia a emoção do preso confunde-se com a da ministra no tumulto das àguas residuais.

"Carta de Solidariedade para com a Madalena"

Exmo Senhor Director do Blog 'A Natureza do Mal':

Tendo seguido atentamente os posts que Vossas Excelências publicaram relativamente à Madalena, quero prestar-lhe a minha solidariedade, pelo que muito agradecia lhe fizessem chegar as linhasque se seguem. Obrigada.


Madalena, querida:
Acredite, conheço a revolta que sente quando lê os posts aqui
publicados. Sei o que custou à menina ter chegado onde chegou.
Imagino os fretes que teve que aturar.
Sei, por exemplo, o que custa ter que lidar toda a manhã com todo o
tipo de pessoas, a maioria mal vestida e mal falante. Uma maçada,
querida. Da cabeça aos pés, nem um relógio ou uns sapatos de marca!
Que coisa horrorosa! Sei também o que custa chegar a casa ao fim do
dia de trabalho, cansadérrima, e ter o azar de chegar na hora em que
a empregada dá banho às crianças. A gritaria, querida. Que horror.
Temos logo que sair outra vez e fazer umas compritas para desanuviar,
não é querida? É por tudo isto que presto à menina a minha
solidariedade.

Beijo, querida
Margarida

Recebido a 21.02.04 no mail de a natureza do mal, enviado por Margarida A. de P. e C.

24 fevereiro 2004

Saí de casa a correr e perdi o título

Saio de casa todos os dia, pois é saio, tu não? Levo sempre a máscara certa conforme a luz, agora da cor certa, se te vou encontrar hoje, e esbatida ou metalizada se lembro o dia de ontem. Todos me reconhecem a máscara e eu também. Somos peritos no conhecimento de reconhecimento de máscaras. Dançamos no baile com estranhos como quem vê máscaras. Antes de chegar a casa tiro-a sempre, tento disfarçar o hálito a baile, escovo os sapatos da dança, escondo os calos doridos onde me pisaram, limpo o gel do cabelo. Hoje dancei com ele, é fácil esconder a aura, sei que era ele porque lhe conheço bem a máscara. Às vezes um bocado do latex fica colado à pele, nos pontos mais difíceis, não consigo já retirá-los nem para dormir e olha que uso um bom desmaquilhante. A imagem do espelho está cada dia mais sobreposta, as pessoas que eu tinha herméticamente isolado em caixas estão todas misturadas. Raiospelira descobri que eles se conhecem, estou em pânico, não sei mais que máscara intermédia de meio-número devo vestir. A borracha está tão colada, a pele untada de desmaquilhante, sobreposta de camadas, os calos nos pés pisados, o sapato no pó, o baile no hálito e o espelho que não responde a nada. Não sei qual é a máscara da minha pele, hei, mas então posso sair com a pele que é máscara, disfarçado, se eu não sei, tu também não?

K

MY LIFE IS A GAME #2

UMA CALIGRAFIA DE LETRAS VAGUEANDO
O UMA CALIGRAFIA DE LETRAS VAGUEAND
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NDO UMA CALIGRAFIA DE LETRAS VAGUEA
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AFIA DE LETRAS VAGUEANDO UMA CALIGR
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André Bonirre

MY LIFE IS A GAME #1

L E T R A S V A G U E A N D O
LE T R A S V A G U E A N D O
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LETR A S V A G U E A N D O
LET R A S V A G U E A N D O
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L E T R A S V A G U E A N D O

André Bonirre


23 fevereiro 2004

A Busca

Às horas transtornadas destes dias.
gravura de Laura Siqueiros

O brinco encontrado

Isadora faz um post muito bonito sobre os prazeres, os mais simples prazeres. Diz que encontrar um brinco perdido é um prazer. Sem dúvida. Um prazer simples e genuíno. Umas vezes a nostalgia, outras o embaraço, estragam os mais simples prazeres.

22 fevereiro 2004

Assim, é linguagem de baixo nível

Acabou-se o diálogo, a conversa é outra, ele, mudo, passa à escrita e eu, mudo também, opto pela linguagem infantil, estico o pai de todos, recolho em gancho o fura bolos e o seu vizinho.

André Bonirre

Assim, o diálogo azeda

Retorqui-lhe com a física newtoniana e a impossibilidade material do atravessamento de muros sem deixar marcas na carroçaria - uma questão de integridade, julguei sintetisar. De imediato adverte-me que este esforço pedagógico está previsto e punido noutro Art. do Código da Estrada, capítulo “Insinuações e Tentativas de Suborno da Autoridade”.

André Bonirre

Assim não há diálogo

Em vão lhe expliquei que, no espaço euclidiano, a distância mais curta entre dois pontos é a linha recta. Inapelável, ditou - um traço contínuo é um muro e citou de cor um Art. do Código da Estrada.

André Bonirre

O PC e a Máxima

(à Madalena)
PC, sossega-me, a máxima de Almourol é (que) só “não se beija no primeiro encontro”?

André Bonirre

Tenho andado a dormir

Ando a dormir e metade da cidade acordada. A noite até que não começou mal – aniversário da RUC no Gil e depois paragem no Tropical com a eterna mesa do canto dos sobreviventes pardos de primeira geração.. Consigo+, uma inauguração fotográfica com condições favoráveis para belos e um muito belo enquadramento.. Condições hostis na Secristia, mesas com gente invisível e no espaço do DJ duas tribos só de machos em confronto exibicional – os de negro com cabeça rapada de crista empinada e os de negro com cabelo comprido, apanhado ou à solta, consoante a lavagem. Condições propícias aos presentes no Mouse, a ala dos lugares cativos com cabeças calvas abrilhantinadas de crista murcha frente à ala arrebitada das loiras e morenas de todos os feitios e aspirações.. Faltam ainda vários, mas passo, é quase carnaval, são horas, vou para casa, estou a dormir e metade da cidade fica acordada.


André Bonirre

Que maçada, distraí-me

À falta de chapins tomei o pequeno alomoço com a TSF. Abrunhosa, exemplar de discrição, a deixar falar, a pontuar oportuno para reatar a meada, entrevista Margarida, que, serena neste lugar de entrevistada, dá a sua opinião sobre as qualidades tímbricas do cantor e explana os pensamentos que pensa sobre a violência doméstica e nocturna e outras opiniões e pensamentos que tem sobre a perda de valores e etc. Abrunhosa, assim posto a entrevistador, pelo silêncio que mantem deve estar a ouvi-la atento e eu atento a ela também, depois, não sei, distraí-me, apareceram os chapins e desliguei.

André Bonirre

Educação Sentimental

Quando a conheci ela usava um casaco azul de caxemira. Logo ali, nas escadas da faculdade, gostei muito dela e do casaco. Depois ela disse: antes de ti a minha vida era o deserto. Tamanha responsabilidade matou em mim o amor, e era muito. Fiquei ainda algum tempo com ela, por motivos meteorológicos.

Antologia de O Mal: Helder Moura Pereira

As coisas passaram-se assim: meu avô
teve um desgosto de amor, quis matar-se.
Atirou-se do Castelo de S. Filipe
mas não se matou, ficou ali, primeiro
a gemer e depois inconsciente, julgava
que tinha morrido. Um pastor de ovelhas
encontrou-o e levou-o para o hospital.
No hospital meu avô percebeu
que não tinha morrido, a irmã da regente
interessou-se por ele e casaram.
Do casamento nasceram três filhos,
meu pai foi um deles. Sou portanto neto
do acaso e o acaso é o meu pai.

in A TUA CARA NÃO ME É ESTRANHA, Assírio & Alvim, 2003, Lisboa

Orientalismo de Edward W. Said

Sucessivamente anunciado pelos Livros Cotovia está finalmente à venda o livro que Said escreveu em 1978. A tradução é de Pedro Serra e inclui um prefácio de Maio de 2003, um dos últimos textos do autor. Aqueles que aqui, em Setembro, a propósito da morte do palestiniano, escreveram que "infelizmente as suas idéias não morreram", podem agora, com mais serenidade, mais libertos de outra forma de terrorismo que foi a chantagem ideológica que acompanhou a aventura militar norte-americana no Iraque, conhecê-las.

Manuscrito Encontrado Em Saragoça

O Manuscrito encontrado em Saragoça por um oficial francês, de Jan Potocki, editado em português em 1971 pela editorial Estampa, numa colecção gótica chamada Livro B, parece ter sido reencontrado. A revista Os nossos Livros anuncia a edição completa, durante 2004, pela Cavalo de Ferro, que tem vindo a publicar preciosidades, provenientes sobretudo da América hispânica e do Leste europeu.

Bernhard Schlink, juiz em Berlim, escritor

Para os que se lembram de O Leitor (ASA, 1998). Ou do Nevoeiro em Mannheim, disfarçado de policial. Promete-se a tradução de Amores em Fuga (2000), também pela ASA. Um conjunto de sete contos onde se destaca A Mulher da Estação de Gasolina. Desaconselhável aos homens perseguidos por um sonho ameaçador.

21 fevereiro 2004

Breve nevão em Coimbra

Hoje, às cinco da tarde, nevou. Durante breves segundos caíram alguns flocos de neve. Chovia copiosamente. Antes e depois também houve granizo.

Mail da Madalena (fragmento)

Leio-vos por uma compulsão maso e porque o meu computador acende uma luzinha no canto quando alguém escreve o meu nome. Não me importo que falem de mim. Mas devem perceber que não voltarei. Vocês são o meu passado. Não me orgulho especialmente dele nem o renego. Foi uma fatalidade. Era o que tinha à mão e na época parecia-me interessante. Mas não tenho atração pela moda retro. Nem pela RDA sob o olhar indulgente de Adeus Lenin nem pelo Mini reciclado pela BMW. Diz ao André que não preciso de silicone. Os meus lábios são ainda os lábios que ele desejou. E o PC que não se iluda. Não será nesses lugares de consumo que me vai encontrar.

Madalena

RECEITAS DO MAL: Sopa de Tubarão e Cogumelos Emporcalhados

~~~~~ ~~~~~~~~~ ~~~~~~~
* barbatana
* belmiro
* barbatana
* melllo
* amorim
* barbatana
~~~~~ ~~~~~~~~~ ~~~~~~~
[ASSIM NÃO!! só barbatana é pouco, cuidado, não nos comam a nós]

~~~~~ ~~~~~~~~~ ~~~~~~~
* cogumelo rogeiro
* cogumelo helena matos
* cogumelo zé m. furnandes
* cogumelo delgado
* delgado cogumelo
~~~~~ ~~~~~~~~~ ~~~~~~~
[ASSIM NÃO!!, sem mais comentários]

{ Ementa de amanhã – descanso do pessoal }

André Bonirre

20 fevereiro 2004

RECEITAS DO MAL: Canja de Miúdos e Empadão Pobrezinho

~~~~~ ~~~~~~~~~ ~~~~~~~
* galo-louçã
* miúdos
* galo-portas
* miúdos
* galo-rosas
~~~~~ ~~~~~~~~~ ~~~~~~~
[ASSIM NÃO!! assim dá galo, canja é de galinha !(...deixós crescer)]

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* portas unto portas
* portas banha felix
* félix portas portas
* cebo portas banha
~~~~~ ~~~~~~~~~ ~~~~~~~
[ASSIM NÃO!!, com sobras e restos sai banha da cobra]

{ Ementa de amanhã - Canja de Barbatana e Cogumelos Emporcalhados, Venha Provar! }


André Bonirre

JPP e o Circo

Na sua crónica semanal d o público JPP insurge-se contra o circo do futebol e o circo da política. O segundo seria alimentado essencialmente pelas ambições pessoais de Santana Lopes, agora centradas obsessivamente na candidatura à  presidência da República. Circo e pão é a versão portuguesa do conselho estratégico que Zbignew Bredzinskky, antigo conselheiro de Carter, deu aos senhores do mundo numa reunião na Califórnia, vai fazer dez anos. Alguma comida e entretenimento para sustentar a sociedade dos 25% (25% de activos e 75% de excluí­dos: do verdadeiro emprego, da decisão) e evitar a revolução. A receita tem sido bem aplicada: algumas políticas sociais, algum pão e todo o entretenimento do mundo, o mais boçal, do reality show ao futebol, para manter a nova ordem mundial ( a velha não era muito melhor, mas isso é outra história).
Compreende-se que o JPP do Abrupto se sinta incomodado com as expressões práticas do novo mundo que ajuda a construir. Que veja em Santana Lopes um gladiador no circo romano. Que deteste a mafia do futebol e as televisões públicas (a sic é melhor? ou só ao domingo à  tarde?). Mas não será este o preço que temos de pagar, nós os dos 25%, para a turba não tomar consciência de si, e resolver sentar-se na nossa mesa?
JPP diz tudo sobre a candidatura de Santana Lopes e nada sobre a de Cavaco Silva. Talvez atrás de Santana esteja a coligação PSD-PP com muito PP e pouco dessa ilusão que é o PSD social-democrata, e esteja também o perigo do nacionalismo populista e depois o populismo tout-court. Mas o mundo de Cavaco esteve ontem no Porto, no Solar do Vinho do Porto, na corte que rodeou o come back do senhor professor e da senhora Mariani, a propósito do lançamento do livro do reformado Arlindo Cunha. Entupiram o trânsito com os carros de motorista, mostraram-se nos jardins, fizeram saber das suas presenças e das suas ausências. Entre estes dois mundos não haverá muito espaçoo para o homem do Abrupto. Mas o deputado europeu, o comentador da sic, seguramente encontrará o seu.

19 fevereiro 2004

RECEITAS DO MAL: Sopa operário)Camponesa e Caldeirada

~~~~~ ~~~~~~~~~ ~~~~~~~
* batata couve batata
* rui ana alberto
* maria carvalhas
* antónio susana zé
* batata feijão nabo
~~~~~ ~~~~~~~~~ ~~~~~~~
[ASSIM NÃO!! E o sal?, falta o sal, prove, ponha mais, mais, ainda mais,
prove, falta o sal, Que Fazer ?]

~~~~~ ~~~~~~~~~ ~~~~~~~
* batata cebola tomate
* durão marcelo santana
* cebola pimento pimenta
* jardim cavaco
* batata cebola tomate
~~~~~ ~~~~~~~~~ ~~~~~~~
[ASSIM NÃO!!, é obrigatório: variedade e mínimos de qualidade]

PS - joão, ferro, carrilho, vitorino, coelho
[ASSIM também NÃO!! É preciso repetir? variedade e qualidade!]

{ Ementa de amanhã - Canja de Miúdos e Empadão, NÃO PERCA! }

André Bonirre

para ler Domingo

À procura de fiambre para uma pizza acabei no lugar do consumo. Ao domingo isto está sempre cheio, as melhores roupas por vezes mal combinadas ou que não se ajustam ao corpo desabituado. Um rapaz chia uns desproporcionados pneus ante o espanto, o segurar apressado de mãos pequenas, e só o seu próprio esgar de gozo, não nota que são os seus neurónios que gritam queimados no cimento. Cada um tem boas razões para aqui estar e eu na verdade só cá vim para ter texto e falhei. Quem eu vi foi a Madalena, ela não me viu, fingiu não ver, ocupada com uma etiqueta, lavar à mão, menos de 30 graus, 100% de marca, não branquear. Saberás tu porque ela não me fala. Hoje eles não vendem fiambre a retalho, só fatia por fatia, eu não preciso de 30 pães.

PC

RECEITAS DO MAL: APERITIVO

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Cheira-me a esturro !

Que andam a COZINHAR?

(esteja atento)

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André Bonirre

A Espuma dos Nossos dias II

Eu diria mesmo mais - tu és o banho de espuma dos nossos dias.

A Natureza do Mal (André Bonirre)

A Espuma dos Nossos dias

Sem ti nós seríamos só peso só excesso só silêncio. Só medos sem razão só castigos injustos. Tu és a espuma dos nossos dias.

A Natureza do Mal (todos)

A Enciclopédia das Emoções

Isto é um anúncio. E é urgente. O nome de Simon Baron-Cohen, professor em Cambridge, diz-vos alguma coisa? E os de Jacqueline Hill, Sally Wheelwright, Offer Golan? Pois passem a vir aqui, (http://www.human-emotions.com) com frequência. Mais de 400 ( 412 para ser exacto) emoções humanas distintas, "mútuamente exclusivas, semanticamente autónomas". Uma enciclopédia das emoções, este nosso castigo e esta nossa glória.

18 fevereiro 2004

Comissão de Quê?

Villas-Boas é presidente da Comissão de Acompanhamento da Lei de Adopção. É tempo de, se inda houver quem, escrutinar o que faz esta gente entricheirada em comissões, que interroga os candidatos a adoptantes como se fossem criminosos (se são solteiros são homosexuais), faz arrastar processos durante meses ou anos e assim é cumplice da violência moral e material exercida sobre as crianças institucionalizadas deste país.

Psicologia baseada na evidência

A comunidade científica mundial sabe hoje que não existe homossexualidade genética"; assim, uma criança que seja educada em ambiente homossexual tenderá "a interiorizar atitudes, aprendizagens, reacções do ambiente onde está". (Villas-Boas)
Eu sou um pária da comunidade científica mundial. Mas onde foi este psicólogo clínico buscar a evidência deste sabe-se hoje?

Mais vale

Mais vale uma criança passar toda a vida numa instituição ou em famílias de acolhimento à "infelicidade de ser educado por homossexuais, sejam dois ou um". (Villas-Boas)
Mais vale uma criança andar na rua, debaixo das pontes, sem teto; mais vale ter uma família disfuncional, que grita e se arrepela e bebe e desemprega; mais vale passar fome e sede e frio, mais vale tudo que estar numa dessas instituições protegidas e subsidiadas (e não estou a falar da Casa Pia).

Infelicidade é ele ser presidente

Para ler este post é melhor começar por ler a notícia.
Talvez a jornalista Catarina Gomes seja uma pessoa malévola, que tenha passado a vida em instituições ou famílias de apoio, ou crescido em ambiente homosexual fora da sexualidade natural, desviada do normal percurso da sua sexualidade genética, uma lésbica em suma, que não é uma mulher na sua plenitude.
Talvez o senhor Luís Villas-Boas tenha sido citado fora do contexto. Ele é psicólogo clínico, não é? E alguém o nomeou presidente da Comissão de Acompanhamento da Lei de Adopção portuguesa. Não pode ter sido só, só, só por ser director do Refúgio Aboim Ascensão em Faro.

Instruam melhor os próximos processos

O julgamento do caso de aborto de Aveiro termina com a absolvição de todos os arguidos, disseram os jornais. Durante meses ou anos a Polícia Judiciária e o Ministério Público espiaram, seguiram, perseguiram, escutaram, interrogaram, amedrontaram, talvez tenham detido e retido e prendido gente como tu ou como eu. Quem decidiu que esta investigação era prioritária relativamente às de homicídios, roubos, violações, tráfico de mulheres, crianças, órgãos, drogas; de branqueamento de capitais, de corrupção activa e passiva, de negligência profissional, de abuso de menores? Quem deu as ordens? Quem coordenou as investigações? Quem passou os mandatos?
Foram absolvidos. Por falta de provas. Talvez sejam criminosas e criminosos. Mas não ficou provada a realização dos crimes. O processo foi mal instruído. Da próxima vez a Judiciária e o M.P. farão melhor, com meios mais adequados.

Em Aveiro, no largo do Tribunal, algumas pessoas festejaram. Senhoras em idade não reprodutiva e homens reformados; um ou outro político que o partido destacou para o evento. Nenhum de vocês foi. Tal como aconteceu no referendo. Ou não tinham idade, ou preferiam não sujar as mãos com o debate. Deixaram os militantes do coito interrompido a debater com as senhoras que recusam as terapêuticas substitutivas. Nem sequer votaram. Aquilo era uma quetão de...consciência privada. Enquanto a Inteligência Artificial, as Neurociências e a Psicologia evolutiva não se entendem sobre o que é isso da consciência privada cantou quem sabe de cor o cantochão: a hierarquia pura e dura da Igreja Católica Romana. No fim o professor Sá festejou com o Bagão Félix e vocês disseram: não faz mal, é uma lei que o PSD não vai deixar aplicar, não é nada comigo, se precisar faço IVG numa clínica conveniente, isto até foi bom que vai fazer avançar a educação sexual e o planeamento familiar.
A história não foi bem essa, como se viu. Mas no largo do Tribunal tudo como dantes. Um país envelhecido e sem saúde oral, um guetto de fantasmas incómodos.
Quando o Professor Cavaco for presidente e o Jardim presidente da Assembleia, vou-me embora. Preciso de pouca coisa para viver e até em Cabul há bibliotecas.

HISTÓRIA COM FINAL EM BELEZA

O Senhor seu marido, solteiro ainda, foi à Senhora Dona Madalena apresentado, segundo as estritas regras de apresentação vigentes no meio e ao tempo.

De acordo com um testemunho presencial, o diálogo decorreu mais ou menos assim:

Fala do Apresentador – Permita-me que lhe apresente o senhor Fulano de Tal e Tal.

Senhor Fulano – Muito prazer.

Senhora, muito jovem – O prazer é (todo) meu.

- Fim -

[mal sabia Madalena, depois Sra. D. de Tal e Tal, que não mais iriam de seus lábios soltar-se estas palavras com igual sinceridade; mas, também por isso, muito e bem educou sua filha, que lhe herdou o nome e beleza (o Luis que o diga, viu-a bem, sentada na quinta fila)]

Andrá Bonirre

Segui-los

A nossa Terra assim perdida no espaço e na imensidão temporal, de que modo poderá perdurar? E quem a lembrará passadas as primeiras curvas deste errante trajecto? Tudo e todos de que somos o resultado, e tudo o que construímos para contrariar o etéreo fluir, irão por fim para o oval frio onde as poeiras os cobrirão. Poderemos talvez como última esperança subir a uma colina do plasma intemporal e à volta, até a vista alcançar, tentar encontrar um grupo de nómadas e, docemente segui-los.

Bontempo

(E)P. Roth

Ontem, a crónica de Philip Roth foi excelente.

Tremendo

Nas tardes de terça escalam-me para as pós-vendas. Eram cinco e meia quando disse ao chefe que ia à sanita. Esgueirei-me pela porta das traseiras, para o parque de estacionamento. Tinha o rádio já sintonizado para a antena 2. Demorei-me meia hora. Sempre com o coração apertado entre a culpa de uma ausência cada vez mais injustificada e as palavras do António e da Andreia e da Alexandra. Voltei a correr, aguentei o fusilamento silencioso do chefe, a raiva dos utentes de senha ameaçadora em riste. Atendi-os sem lhes olhar os olhos. Tremendo.

Evitas dir

Desaconselhável, aquela irritante bolinha preta dos críticos de cinema, diz-se, em pobre, evitas dir. O pão na pastelaria Flor não é nada de especial. Evitas dir. Aquele perfume novo da Boticário? Evitas dir. A telenovela das cinco, evitas dir. O bar de Monte Formoso, evitas dir. Compras no retail park da Carregadeira, evitas dir. Os saldos da Zara, evitas dir. Ler os blogs, evitas dir.

Consciência


Daniel C. Dennet (Consciousness Explained, Penguin 1993): "Human consciousness...can be understood as the operation of a...virtual machine implemented in the parallel archictecture of a brain that was not designed for any such activities. The powers of this virtual machine vastly enhance the underlying powers of the organic hardware on wich it runs."
David Lodge (Thinks...,Secker & Warburg, 2001 e Consciousness and the novel, Penguin, 2003)
Steven Pinker (The Blank State, The modern denial of human nature, Vicking, 2003).
Tenho que ler e reler. Até lá acho que não vou poder escrever. Peço desculpa pela interrupção. É uma questão de consciência.

Antologia de O Mal: Carlos Bessa

O desemprego à janela numa ilha

Um silêncio d'alma nós à janela
Uma janela sobre Angra
Com o seu casario maioritariamente branco.
À janela o território, pão e vigilância
Advém moldura onde se fecha a memória
Com a luz coada de uma folhagem que
Até ao mar cai em íngremes socalcos.
Uma espuma negra e industrial
De restos e contentores
Cheio de gatos vagarosos e cães que rangem
Ao sol, ao tanto sol do pátio da alfândega
Onde, com o salário por um fio
Andam homens e mulheres à deriva
Enquanto nós, sopa pão sumo de laranja
Sorrimos, sorrimos.

Carlos Bessa, Em Trânsito, & etc, Lisboa 2003
antologiado para a Sandra

A água em pânico no mar

O agitador e a corrente. António Poppe e Andreia Marta. Andreia Marta e António Poppe. O poema contínuo. O fluxo orgânico que começou no dia de santo António e prossegue. Tremendo. É tremendo o que se atravessa. É tremendo que se ouvem estas vozes. Guiadas pela voz de Alexandra Lucas Coelho. Ontem na antena 2. Às terças na antena 2.

17 fevereiro 2004

Escalas Sociais

Por nascimento Madalenas, quase iguais. Cresceram, depois casaram e foram muito felizes algumas, cada qual em seu lugar:

. Madalena, traga um copo de água ! / sim minha senhora
. senhora Madalena, como está o seu homem?
. dona Madalena, esposa do esposo
. setora Madalena, ao abrigo da lei dos cônjuges
. Senhora Dona Madalena e seu marido (variante: e o Senhor seu marido)
. Sra. Dra., os meus cumprimentos ao Senhor Professor

Em lugar incerto, movediço, podemos ainda considerar:

. Léllé, deslumbrante, fazia-se acompanhar por..
. Médy-Lélé, artista bailarina massagista
. Leninha meu amor minha querida e o namorado amoroso (peganhento)
. Lena de esquerda e o seu companheiro
. Lena ex-militante e o namorado ex-companheiro
. a rica Madalena e os muitos pretendentes
. a boa da Madalena, menina por conta

[a continuar]

André Bonirre

Amanhã, Litologias

Coimbra, Capital nacional da Cultura e o Museu de História Natural da Universidade de Coimbra convidam V.Exa. para o lançamento do livro LITOLOGIAS, de Rui Pena, Maria Helena Henriques e João Cosme de Matos, no dia 18 de fevereiro, às 10.00h, no Hotel Astória, em Coimbra.
Por mail, o Rui Pena tinha-nos convidado, ao André Bonirre e a mim, para a Litoapresentação. Como é cientista, distraíu-se. Disse-nos que era hoje, e às onze horas. Lá estávamos, com imenso sacrifício das nossas obrigações profissionais. A simpática recepcionista desfez o engano. O Hotel Astória está habituado a enganos destes. Para o Astória, parado no tempo, um engano de 23 horas é coisa sem importância. Para o Rui Pena, erros de dez milhões de anos são imprecisões.

Confissões

"Também para mim a homilética é mais importante que seja testemunho vivido de fé, ou sabedoria de experiência espiritual, do que discurso bíblico-exegético, moralista ou de ciência humana. (...) Confesso que sempre que posso procuro as missas segundo as homilias. E não gosto das homilias bem-pensantes ou bem-falantes, que há muitas...- quero é homilias de guia e caminhada espiritual, de cura de almas."

Mário Pinto, aconselhando paciência às mulheres na dissidência. Confissão preparatória da mensagem: "É preciso ler Santa Teresa e santa Teresinha (...) Mas foi na mesma Igreja que elas atingiram os cumes da fé e da santidade."
Em pobre face diz-se ventas, focinho. Em pobre quase tudo é foder.

Post-mortem

Todas as semanas, às dez e meia da manhã de segunda feira, a vida não faz sentido e é preciso arranjar um sítio discreto para desamortalhar a cara. Ainda bem que a morte dura tão pouco tempo e tem hora marcada.

16 fevereiro 2004

As palavras dos ricos e as palavras dos pobres

Jean-Louis Fournier, autor de uma Grammaire française et impertinente escreveu agora um dicionário: Les mots des riches, les mots des pauvres (ver Lire, février). Seichelles, em pobre, diz-se Caparica ou Torreira. Cahiers du Cinema em rico, diz-se TV Guia em pobre. Vamos escrever um dicionário destes? Eu digo uma palavra em pobre e tu respondes em rico, Madalena.

Menos que uma aula

Então era tudo mentira. Até aquilo, o grande silêncio da sua infância, a elipse dos filmes para que não tinha idade. O fantástico mundo dos adultos, era, afinal a todos os níveis, um grande embuste. No dia em que a irmã mais velha se atrasou para o jantar e chegou com a cara pintada de vermelho rutilante, estrábica e silenciosa, ela soube que aquilo tinha acontecido. Era tão evidente que passou o jantar a chamar sobre si as atenções dos pais, espantada pela inocência que eles pareciam revelar. E no interior do seu espetáculo tocava baixinho a música da desilusão. Tinha que perguntar à irmã. Quanto tempo durava afinal? Pois não fora uma noite. A primeira noite podia afinal ser de tarde. E durar quanto tempo, numa tarde? Vou passar a noite contigo. Mentira. Tiveram uma noite inesquecível. Mentira. A noite em que ele a teve. Mentira.
A irmã disse-lhe que tinham sido 45 minutos. Menos que uma aula. Nunca mais se recompôs.

India Song ainda

“(…) lo que intentaba Marguerite contar (…) no era más que una historia de amor inmovilizada en el punto culminante de la pasión. En torno a esa historia de amor, estaba el mundo exterior, la India. Y con ella el horror, el hambre, la lepra y la humedad del monzón. También el horror aparecía inmovilizado en su paroxismo cotidiano. Unas voces- sin rostro- eran las que se encargaban de hablar y tratar de reconstruir esa historia de amor que las voces recordaban vagamente, aunque no habían olvidado el grito de amor del enamorado en plena recepción de la embajada de Francia, el grito del vicecónsul pronunciando el nombre de la amada, el nombre de Anna Maria Stretter. Se oían sirenas de barcos a los lejos y trinos de pájaros cercanos. Toda la película era el eco de un gran grito de amor.”

Enrique Vila-Matas em “París no se acaba nunca

Enviado por Ana

15 fevereiro 2004

Direito de Resposta

Não ao abrigo da lei, solicito à Chefia da Redacção a publicação desta missiva que me foi dirigida, alertando, para os fins tidos por convenientes e para os devidos efeitos, que a referida contém referências explícitas aos titulares legítimos deste blog.

“Caro André, espanta-te, sou eu sim, a Madalena, a que tens invocado nos posts sem eu saaber, mas já sei, falaram-me, já li, diz-me já quem é a Sofia (estive a contar-vos e já são 4 ou 5, odeio-a, diz-lhe). Não, não me fales do PC, deixei a política, fala-me do Bontempo, é radical de ar livre?, e o Luis?, afinal sempre tens um amigo (em comboio) ascendente... Bem, está bem, não ligues, as minhas pequeninas provocações de estimação, não mudei, nisto não mudei, mas mudei, “mudam-se os tempos” lembras-te?, mudei, assumo-o, sou coerente, deixei-me das superioridades morais, e tu, conservador imobilista passadista, estou-ta ver, ignorante, continuas a confundir Soberano com monarca, eterno regicida sempre contra os gestores e órgãos com cheiros Soberanos, completamente démodé, insistes em querer iguais o pianista e o carregador de pianos, diletante, tens biblioteca e não sabes das finanças, actualiza-te André!, números com algarismos nunca mais / só gráficos a cores e se possível sem legendas!, lírico neo-irrealista, acreditas ainda que é possível o amor a camisolas sem etiqueta de marca, passeias-te nas praias ordovíceas e recusas os relvados; actualiza-te!, pensas que os que praticam golfe têm de vestir avental e vice-versa?; tu, tu paraste no Dylan, ouve o Dylan, os tempos estão a mudar, inteligência adaptativa é fundamental, adaptativa-te André, moldabilidade é fundamental, sim moldabilidade, nunca ouviste falar?, não, olha, e silicone já?, nem mais, pois, tens de me ver, nem me vais reconhecer... [segue-se o número do telemóvel, algumas frases da esfera privada e despedidas pessoais],”

André Bonirre

Miguel, um blogger de Coimbra

Meio escondido numa plataforma pouco conhecida, atento à vida cultural da cidade, escrevendo poemas sobre a avenida. Quando o descobrimos já o melhor blog de 2004 o tinha nomeado correspondente. Quem quiser notícias de Coimbra passe a espreitar aqui.

Da infâmia

Todas as semanas, nas revistas de coração, escreve-se a História da Infâmia. Carrilho como pai a comentar o parto, envergonhando os socialistas, os filósofos e os pais. Margarida Marante a desfiar a história clínica do marido e Nabais, casapiano, em pose de estado, com uma mulher aos pés.

Não há

Não há pólvora que chegue para perguntas retóricas como estas.

Imaginem que alguém lê aquilo.

E logo a seguir: "Dar-se-ão garantias ao reforço das garantias em Saúde Sexual e Reprodutiva."
E depois:"Facilitar-se-á o acesso aos cuidados de planeamento familiar, inclusive nas situações de infertilidade".
E quase no fim: "Um excesso de partos por cesariana resultará, inicialmente, em auditorias internas com discussão inter-pares. (pg 15)
Mexe-se incomodada na cadeira. Ela não sabe bem o significado daqueles parágrafos. Não é propriamente a sua área. Acredita que, como aconteceu com outros documentos semelhantes, este destina-se à reciclagem. Mas sente-se um bocadinho incomodada com aquela falta de qualidade. Imaginem que alguém vai mesmo ler aquilo.

A cobertura das puérperas como objectivo nacional

Madalena desfolha o documento Plano Nacional de Saúde: prioridades para 2004-2010 que naquele momento, com a solene presença do Primeiro Ministro, está a ser apresentado ao país. E lê (pg.15)

"Intervenções necessárias e objectivos estratégicos

Dar prioridade ao aumento da cobertura no período pré concepcional e no puerpério

(...)

Envidar-se-ão todos os esforços para aumentar ainda mais a taxa de cobertura das puérperas, a um ritmo de 5 % ao ano, de modo a atingirem-se valores próximos dos 100% ao fim de 8 a 10 anos."

Plano Nacional de Saúde: prioridades para 2004-2010

Madalena ficou na quinta fila. Um lugar muito promissor, tendo em conta a sua juventude. Na primeira, se esticasse o pescoço, podia ver a dra. Maria de Belém e a dra. Maria José Nogueira Pinto, totalistas nestas cerimónias, vá-se lá saber porquê. Há bastantes mulheres. Madalena lembrou-se do seu primeiro emprego no Instituto, e do Professor Bento Neves que, na véspera de cada conferência ou acto social, se virava para os colaboradores : Quero as senhoras todas presentes, amanhã. Enfeitam muito bem a sala.
Madalena sabe que enfeita muito melhor que aquelas múmias do regime, e espera, impaciente, a sua hora. Nos últimos meses ela detectou esta impaciência em vários dos lugares que frequenta. É como se um mundo estivesse a acabar e os mais capazes, os que,antes e melhor percebem estes sinais da História, estivessem a ocupar os lugares dos novos tempos. Ela não quer ficar de fora. Mas neste jogo mortal, onde o mais importante não é explícito, ela precisa de fazer apelo a todas as suas qualidades. Como reconhecer os eleitos? Que alianças deve fazer? Que provas lhe estarão, neste momento, a ser pedidas? Ela sabe que pode cometer erros por excesso de zelo ou por passividade. Que o mais importante pode ser decidido sem que dê conta. Não pode cometer erros. Erros graves, pelo menos. Estes e outros pensamentos passam-lhe pela cabeça enquanto ela mantém aquele brilho fútil que é o seu maior trunfo. Levanta os ombros para ver o que fazem aquelas pirosíssimas Marias da primeira fila e o gesto descobre-lhe o umbigo irrepreensível e faz virar várias cabeças da segunda, terceira e quarta filas. Madalena sabe que poucas pessoas naquela Sala conseguem ,ao mesmo tempo, ter umas pernas como as suas e declamar, como ela o faz, os settings para intervenção do Plano 2004-2010.

Maria Gabriela Llansol 2

Pela mão da Relógio D'Água um acontecimento editorial. Uma nova tradução de Les Fleurs du Mal, de Baudelaire. De Maria Gabriela Llansol.

Convento da Arrábida

Num fim de semana de Verão, um grupo de gente reuniu-se nesse lugar sinistro da serra da Arrábida para um "colóquio, conversa, discussão, interlocução, sobre o texto nómada de Maria Gabriela Llansol". Espero que "entre auditório e capela, cozinhas e refeitórios velhos, sala do bispo e recantos exteriores" se tenham divertido um bocadinho, nessa reclusão voluntária que demorou três dias. Os relatos desse acontecimento são, até agora, escassos e pouco esclarecedores. Ainda não passou o tempo suficiente para os mortais serem informados do celestial conclave. João Barrento, numa crónica na LER (nº de Inverno de 2003) pergunta "se o negro pode tornar-se branco e o cinzento fulgurizar-se". Para responder que sim. "Pode".
Espantoso é que tenham sido precisos três dias e uma tão grande concentração de sábios para o descobrir. E o que é que Maria Gabriela Llansol tem a ver com isto?

Momentos de Verdade

Num “Agá.ponto.éSSe.ponto.Anónimo”, o mais perto de si, inscreva-se !, organização Unidade de Missão - Mistério da Saúde, uma fabulosa Acção De.formação “Momentos de Verdade”!!! O nome não foi muito feliz, reconheço, e pode impressionar mal, mas oh cépticos precisamos de formação como de pão, ora ouçam o O’Neill:

“E TINH’ RRAZÃO
Andaa, meu Silva, estuda-m’aleção,
vêsse-te instruz, rapaj, qu’ainstrução
é dosprito upão!
Ou querch ficar pra sempre inguenorantão? (...)”

E já agora, emprestado do mesmo, uma dedicatória aos Mestres:

NO MESTRE ESCAMA: SR. ENGENHEIRO
- O senhor engenheiro hoje não engraxa?
- Engraxo na Baixa.

André Bonirre

costureira Oráculo

Usavas um saia casaco azul, ou verde de algodão, já várias vezes pensei em mandar fazer um igual, ou talvez a tua amiga que usa o mesmo número ainda o tenha. Falaram-me da costureira Oráculo que é capaz de repetir um fato, um momento, a palavra como da primeira vez. A mim, que não sei datas, que falho sempre a hora certa, vai me dar uma grande ajuda, dir-me-à também qual a roupa do ano que vem e terei assim seguro todo o passado e todo o futuro. Enquanto não sei a morada viverei nesta incerteza, vou reparar na cor da tua roupa de hoje e tocar o teu tecido. Da outra vez era de algodão cardado, ou seria lã angorá, mas, ah, lembro tudo o mais. Desta vez vou pedir ajuda à especialista em tecidos para não errar a memória.

PC
Para A Tasca

14 fevereiro 2004

Dia dos Namorados?

Sou contra. Sou contra por muitas razões. Enumero apenas poucas: sou contra dias monogâmicos, castrantes, hipócritas, opressivos, judaico-cristãos, despesistas, alienantes, instantâneos, consumistas e, muitas vezes, injustos, embaraçantes, quiçá promíscuos. Um exemplo - amanhã comemoras o Dia com @ namorad@ de fevereiro, ok!, e @s namorad@s de janeiro, março, quando jantam? Outro exemplo – d@s actuais namorad@s de hoje, qual eleges para jantar, @ mais recente, @ mais apaixonad@, tod@s ? Etc., estou com pressa. Dia dos Namorados ná!, perdão, dah! Um desabafo, se me permitem, cuidai-vos mas é vós, nados pós 74, não vedes "um espectro a rondar"? Quereis mais clareza? Não ouvistes o cérebro sábio sem rosto humano a profetizar? Pois é, assobiem-lhe, aí vem ela, pura e dura, é a Luta de Classes, estúpido!
... nos entretantos,
VIVAM os dias de namoro, lembrem-se, há mais um, 2004 é bissexto

André Bonirre

13 fevereiro 2004

N. Lugar/Carruagem: 075-001

No comboio ascendente, por ironia da C.P. ou vingança divina, fico encaixotado entre gestores. Gente do terceiro círculo de gestores, sem motorista, nem gravata inefável, nem cadeira no Beato. Gente de combate, vestidos pelas mulheres, sapatos de solas de borracha, sólida perspectiva orçamental, ladinos nos contratos. Se ao menos tivesses vindo, Madalena.

Mais pares interessantes

A reunião da manhã decorre numa instalação semi-penitenciária recuperada com dinheiros comunitários para fins mais interessantes que os originais. O WC é grande e unisexo, como nas séries americanas de advogados. Os gabinetes são aparentemente iguais. De facto, a criatividade nacional separou os sexos por louça sanitária.Têm em comum a sanita (latrina, retrete, trono, privada, vaso sanitário). Mas nos dos Cavalheiros, gentilmente colocado à altura da cintura pélvica do adulto médio autóctone, aflora essa peça bojuda a que chamam urinol. E no das Senhoras, no lugar do urinol está o bidé.
Lavamos as mãos em frente ao grande espelho e quando levantamos os olhos vemos as portas abertas dos gabinetes e o quadro é enternecedor. O poder da simetria sobreleva a presumível diferença de função: o par interessante do bidé é o urinol.

m.a.s.h. 1

Sou um bit, estava plastificado na superfície metálica do disco e fui acordado quando o laser compacto me empurrou. Vibrei com a orquestra sinfónica e fui escovado no tambor the drum is the most important instrument... primitive. O engenheiro de som é que ensinou, salvando-me, que basta um bit, clic-clac-clac-clic-clic, traço-ponto-espaço-ponto-ponto, sim-não-sim-sim-não, um bit só, um de cada vez mas muitas vezes e então és livre, disse ele, e fazes toda a altura do som, com o trovão do tambor, as cores harmónicas na guitarra, o brilho do cristal no clarinete, ou a luz da manhã na flauta de pau. É isso que eu sou, um bit, sim-não-sim-não-sim-não-sim-não, e muitos bits a seguir. Just a little bit.

PC

12 fevereiro 2004

Educação Sentimental

Terríveis são as simples palavras que alimentam o amor das mulheres. A evitar completamente, se me entendem, e já que perguntam. Viram 21 gramas? Como ela ficava quando o transplantado lhe vem declarar aquele afecto agradecido. Ela explica, quase enlouquecida, que não se pode dizer aquilo a uma mulher. Sim, tinha havido as mortes e a mulher estava de luto. O problema é que muito cedo, na vidas das raparigas, há uma morte. Nos olhos das mulheres habita um homem que não há. Mas não se iludam: elas não se conhecem pelos olhos.

Para A Tasca

Antologia de O Mal: Carlos Bessa

julho, rua do mar

Mãos dadas atravessávamos o farol em ruínas
E era noite. Em bicos de pés a pergunta
Que se guarda sempre, medos, intuições
Esse ligeiro e constante ruído de papel vegetal
Iluminou os grafittis e eu soube.
Depois, na varanda ou em cima da banca
Cada pedaço da pequena casa foi bastante
Com morangos, vinho verde, gelados de manga.
No dia seguinte o lento sussurro do mar
A ilha do Pico defronte, o telefone pousado
Acordámos e chamavam por nós as crianças
A casa virada ao mar, isso que está na nossa voz
E que de algum modo salva a vida e a perdoa
A rara nostalgia de irmos, de canada em canada
Até à rosa-dos-ventos desenhada no chão da fajã grande.

Carlos Bessa, Em Trânsito, & etc, 2003
Ao Nuno Miguel (Torradas, post de 09/01/04).

O tempo

O tempo como entidade atraente e intrigante capaz de nos mover no sentido do poente; o tempo como brilho inimitável a pairar sobre os objectos, capaz de gerar inveja pela presença em sítios e momentos definitivamente perdidos; o tempo como apurador da forma e da textura, do tom e da linha, do complexo e do infinitamente simples; o tempo enfim como penhor dos silêncios ilimitados, dos enigmas obscuros, dos encanto mágicos para lá dos sinais perecíveis da mudança.

Bontempo

11 fevereiro 2004

Litologias

A pele da terra, a memória do tempo, a ordem natural, as camuflagens. Capítulos de um livro muito lindo escrito pelo Rui Pena dos Reis e por Maria Helena Henriques, geólogos da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sobre fotografias de João Cosme, fotógrafo da vida selvagem. Litologias, a editar brevemente, com o patrocínio da Coimbra 2003- Capital da Cultura.

Créditos para Jota

Roubado ao senhor BB

Quando retiraram os direitos e garantias laborais aos nascidos após 74 eu disse não é nada comigo, e calei-me.

Observador

Vi um dia uma perdiz (e já vi uma andorinha do mar também) a fingir-se ferida para nos afastar da ninhada escondida. Vi uma vez um casal de tentilhões perseguir, em vão, a rapina com o filho nas garras. Vi o pintassilgo roubado ao ninho morto, de manhã, na gaiola, envenenado pelos pais, disseram. Vi tudo isto como um observador de pássaros, emocionado, sem agir - assim nos dão a ver as imagens do mundo.

André Bonirre

Sinais no ar

Vós, gente grave e atormentada, descomplicai, uma andorinha não faz a primavera. Mas se à primeira andorinha desta manhã juntarmos os melros alvoraçados, duas moscas varejeiras e um mosquito noctívago que irritação, então podemos acreditar que, se não é a primavera, é, pelo menos, o lento, calmo, manso e sereno acordar de algo que se aproxima – a quente superficialidade da vida, talvez.

André Bonirre

Virtuosismo

Num mar de tormentas, juro que vi uma gaivota a voar de marcha atrás. Cobardia ou inteligência adaptativa?

André Bonirre

Especialização

Madalena, fascinada, dedica-se em exclusividade a um radical livre.

André Bonirre

Projecto (5)

Os que do interior já prisioneiros estão, perdem-se em labirintos, maravilhados, recusam libertar-se.

André Bonirre

marcas de pó

A estrada é de terra, é verão, tem as marcas dos rodados dos carros de bois, pedras deslocadas por mãos fortes colocadas tapando os buracos mais difíceis, a terra macerada por muitos calores de verão após a lama de inverno. Uma camada de pó muito fino e branco com centímetros de espessura é tudo o que vemos, tudo esconde e alisa. É tão fino e tão pesado que se comporta como água e a cada pegada que desce rápido à procura de terra firme, um jacto de pó se eleva escapando por onde pode por entre a sola e o tecto de espuma. Na estrada para o chão Salgueiro três carreiros, dois de pés pequenos, e o do meu avô que traça o destino. Hoje vamos a Chão Salgueiro, é onde pomos as batatas e os nabos e temos lá dois castanheiros raquíticos e uma fiada de videiras a vizir. Ali ficaram os pés profundamente marcados, não é preciso o índio batedor para adivinhar quando parámos para apanhar amoras, onde ele decidiu sair da estrada pelo muro do lado, quando nos apontou a pilha de lenha que o Ti Zé rachou e que o filho há-de vir buscar com o semi-atrelado-sem-tractor. Não. O pó fino e pesado não retém nenhuma memória, os três carreiros não farão um pisoteio. Assim são os passos que dou, profundamente, silenciosamente marcados na areia fofa. Segues-me apenas a uma curva atrás e vês. Sem ilusões, és o vento ou a chuva, o primeiro que vier repõe a lisura sem memória do caminho.

PC

Acordar em Dogville

Pela segunda vez acordo em Dogville. Não sei se apanho maçãs se as transporto na caixa de uma van. Se sou um médico reformado. Um puto vicioso. Ben Gazzara cego, um homem que envelhece copos e faz filhos como os crentes enérgicos. Sou um homem repugnante que quer ser escritor. E não te quero encontrar, Grace, dia após dia destruída pela ilusão de amor que atormenta algumas raras mulheres fugidas a Georgetown.

Arquivo de O Mal: José Marmelo e Silva

José Marmelo e Silva, 1913-1991
Em 1937 a Portugália, Coimbra, edita o livro de um jovem de 24 anos, com temas pouco usuais na época, como a descoberta da sexualidade.

Higiene do Assassino

Amélie Nothomb nasceu em 1967 em Kobé no Japão. Na companhia Yumimoto não estavam à espera das propostas dos gestores de Georgetown. Sempre puderam despedir livremente. A nossa economia, para ser competitiva, há-de ser como a que levou Amélie à janela do quadragésimo andar. O senhor Haneda que é superior do senhor Omochi que é superior do senhor Saito que é superior da senhora Mori estão a caminho. Madalena saab que a nossa cultura mediterrânea será capaz de fundir a disciplina asiática (para os trabalhadores) com a flexibilidade de regras e honorários (para os gestores).

Temor e tremores

O ano de 2001 foi um ano mau para mim. Literáriamente falando, é o que quero dizer. Sei porque escrevo as datas na página 3 dos livros, não por qualquer prodígio da memória, como o professor Marcelo, sempre capaz de citar com rigor o ano em que o Bloco Central governou horrívelmente, ou Kaulza rumou a Moçambique, ou escolheu o candidato presidencial da direita. Eu, que não consigo lembrar com exactidão nenhuma data, sei que em 2001 elegi como o melhor livro de poesia do ano, O Canto do Vento nos Ciprestes, de Maria do Rosário Pedreira, naturalmente publicado pela Gótica. Sei-o pela data que escrevi no interior. Nesse ano ainda, fascinei-me pelo stupeur et tremblements de Amélie Nothomb, ou pelas botas dela, vá-se lá saber.

10 fevereiro 2004

Dogville 5: born after 74.

Visto na sic notícias: 300 gestores de Georgetown, todos impecávelmente barbeados, de after shave adocicado e fato às riscas, a pedir a liberalização dos despedimentos para os nascidos depois de 1974. Depois, o comentador, um gestor impecávelmente barbeado etc, a explicar que esta medida não poderia ser tomada agora, em ano de eleições, porque os feios- porcos e maus de Dogville vão às urnas e podem-nos arrear do poder e das reformas necessárias.
Despedimento livre dos nascidos após 1974. Em Dogville. Nós, de Georgetown, sofremos muito, enquanto não podemos dar a essa ralé o tratamento que merece.

Dogville 4

Sim, concordo com os que disseram que Lars von Trier conta de uma maneira nova a história da pulhice humana. Uma maneira nova e igualmente abjecta. A pior maldade é tornar-nos cúmplices da matança dos habitantes de Dogville, conduzir-nos à vingança de Grace, juntar- nos à orgia de destruição pelo fogo e pelas armas com que é punida a insuportável mesquinhez dos habitantes de Dogville. O tiro de misericórdia na nuca de Tom, somos nós que o desferimos e o sofremos.

Sabedoria

Madalena já saab andar no novo transporte público.

André Bonirre

Alheada, não da pança

Alheada da problemática espessa da cortiça e pouco letrada em botânica, explora o sobreiro, ramo a ramo, folha a folha, ela, a íntegra carriça portuguesa (ou será uma das de La Fontaine*), banqueteia-se com os pequenos insectos, chama-lhes um figo, até o papo cheio.

* “O Suíno, a Carriça e os Figos”

André Bonirre

Projecto (4)

Da caixa luminosa, que paira no espaço amplo, soltam-se cantos, os sons do tempo, da luz e sombras, chamamentos de encantar, navegantes ou mariposas, simples humanos, caminharão inexoráveis, a descobrir as entranhas.

André Bonirre

Dogville3

Miss Kidman tão mal tratada por esse bruto dinamarquês. Raramente a vemos num plano de conjunto. A face é apanhada sempre no ângulo menos favorável (o que só a torna mais humana, mais frágil, mais comovedora). Não bastou o bruto de As Horas a tapar-lhe o nariz com uma prótese. Este põe-se de cócoras para, sem sucesso, lho arrebitar. Não conseguem: nós odiamos aquela gente miserável que desconfia, utiliza, explora, violenta e finalmente escraviza a Graça que sem esperarem lhes chegou. E uma das razões é porque a Graça é miss Kidman.

Dogville2

O TAGV estava cheio, como raramente aconteceu na CCC. Os estudantes, a maioria dos quais acabou a época de frequências, enchiam a sala. Como o serviço de bilheteira é lentíssimo a sessão começou com 20 minutos de atraso sobre a hora prevista. Justamente o tempo necessário para o último da fila comprar o bilhete, entrar e sentar-se. Correctíssimo. Os fanáticos da pontualidade do teatro lisboeta têm muito a aprender com esta doce filosofia da província, herdeira do tempo em que os comboios do Vouga ou do Tua paravam para os passageiros apanharem umas uvas ou beberem da água de uma fonte.

Dogville, de Lars von Trier

Trata-se de uma fábula, narrada em voz off (a voz de John Hurt como em Europa era a voz de Max von Sidow) num espaço cénico de palco teatral, dividida em capítulos com longos títulos irónicos. Apesar dos gangsters, da polícia, dos cartazes de “Procura-se”, da igreja como local de assembleia, da sequência de fotos final, Dogville não é uma fábula sobre a América. É, claramente, como diria Tom, uma belíssima ilustração de um ponto de vista sobre a condição humana. O ponto de vista de Lars von Trier. São todos repugnantes em Dogville: o médico na reforma que guarda o dinheiro no armário dos medicamentos, o cego que descreve as gradações da luz, o agricultor, o homem dos transportes de mercadorias, as crianças S&M, as mulheres tolas, perversas, feias, crédulas, com asma histérica e outra sintomatologia. Juntos vão conduzir Grace por um cortejo de humilhações até à escravatura. E é o engenheiro estúpido quem inventa o cabresto de tortura que a aprisiona, enquanto o médico lhe dirige palavras bondosas- não fosse ele o especialista nas más notícias. Mas o mais repugnante de todos os habitantes de Dogville é Tom, ora chamado de filósofo, ora de escritor.
No final Grace é libertada pelos gangsters e os habitantes de Dogville chacinados debaixo do aplauso do público, aliviado da tensão dos capítulos anteriores.
Não sem que antes, hesitando sobre o partido a tomar, Grace tivesse dito a frase fundamental do pensamento progressista: “ Esta gente faz o seu melhor em condições tremendamente difíceis. Quem sabe se eu não teria feito o mesmo que eles, se vivesse em Dogville.”
É este desencanto absoluto com a espécie humana que Lars von Trier nos conta, da maneira abjecta a que nos habituou.

09 fevereiro 2004

Pontos de vista

Teia de ramos nus, um plátano solitário, engalanado de chapins ao sol, prenúncio da nova estação. Visto de outro lado. Os chapins em bando empoleirados são as folhas novas do plátano emboscado, à espera da primavera.

André Bonirre

Antologia de O Mal: Pasolini

(...)
Eu envelhecendo vi as vossas cabeças cheias de dor
onde rodopiava uma ideia confusa, uma absoluta certeza,
uma presunção de heróis destinados a não morrer-
ó rapazes sem fortuna que vistes à mão de semear
uma maravilhosa vitória que não existia!

final de A Poesia da Tradição in Transumanar e organizzar, 1971 , Pasolini, poeta, apresentação de Manuel Simões, Plátano Editora

Projecto (3)

Haverá a flutuar no espaço amplo uma caixa luminosa muito grande, balão japonês gigante, suspenso, armação feérica de ripas e velaturas, para bem guardar preciosidades, o tempo, a luz, as sombras, ofertas de amigos.

André Bonirre

Príncipe Alberto

Em Dezembro de 2003, The Lancet, uma das revistas médicas mais prestigiadas, escolheu o artigo científico do ano. Pediu aos 24 membros do seu International Advisory Board para "seleccionarem o melhor artigo, mais original e importante para a medicina- do seu ponto de vista." A lista de artigos seleccionados foi longa. Não foi posta qualquer limitação relativa à proveniência dos artigos.
Um deles chamava-se Body piercing: medical consequences and psychological motivations e o autor era Aglaja Stirn, de Frankfurt.
O artigo é muito interessante, mesmo sob o ponto de vista gráfico, embora a existência de direitos de autor limite o acesso às ilustrações, discretas mas terrívelmente didácticas.
Deixo só uma pérola, ou um pequeno anel como queiram. Na secção dos genitais, subsecção masculinos, divisão dos contemporâneos, chama a atenção pela elegante discrição o piercing chamado Príncipe Alberto. O nome vem-lhe do marido da Rainha Vitória que, diz-se, possuía um que utilizava para segurar o pénis às calças do uniforme. À direita ou à esquerda segundo o protocolo. O piercing dirige-se da abertura da uretra para o frenulum. Exige-se que a dimensão do anel seja correctamente escolhida, para evitar fissuras da glande.

08 fevereiro 2004

Projecto (2)

Captar o tempo, a luz, as sombras no instante fotográfico, em campos magnéticos de um vídeo digital, no traço a carvão, na pincelada sobre tela; captar os sons do tempo e da luz, sombras e sonhos, cantos de sereia; pôr em palavras, dizer as palavras, dar a lê-las; abraçar o Amigo.

André Bonirre

Cristina

É curto o dia entre dois posts. Ela trazia as cores da revolução francesa. Fizemos o percurso dos condenados do santo ofício: do pátio da inquisição à praça velha por sansão e pela rua do corvo. Depois comemos na tasca do costume, a mesma açorda. A alta estava como sempre: uma ruína de musgos e silêncios. Os quartos dos rapazes estão fechados. Das casas das meninas vem o ruído dos refogados, do duche e de canções antigas do joão gilberto. Ideias, gritos, silêncios, poemas, lamentos e paixões, vamos ficar.

Projecto, a um amigo

Uma jangada de ferro encalhada à beira rio. Destroços, um rombo de casco, relíquias de couraçados antigos, memórias do tempo. À beira rio, o mastro inclinado, feito ponteiro solar, refúgio de musas efémeras, em tenda de circo ambulante, para brincadeiras de meninos.

André Bonirre

06 fevereiro 2004

Mail da Sofia

O meme, a existir e a não ser um artifício dos genes, é um patogene. A descoberta dos priões, replicadores que são meras unidades proteicas, fortaleceu a ideia da sua existência. São replicadores, que usam os nossos cérebros e se propagam quando comunicamos.São as nossas ideias. Não, não acredito.

IMAGEM COM BRILHO (2)

--- PUB. ---

O homem abrilhantado da televisão usa TATIBRILHA e PERFAX, marcas registadas, à venda na loja de ferragens mais perto de si. Seja como ele!

(“Tatibrilha, brilha e limpeza sem gorduras”, “Perfax, agente fixador, perfeitamente fáxil (sic)!”)


--- PUB. ---

Nove em cada dez políticos usa Tatibrilha e Perfax. Um dos minoritários, Dâbliu-Bush, é o que se vê, até as secretas o enganam!

André Bonirre

Parabéns

Sinto-me tão culpado. Fevereiro é o pior dos meses. Nasceu gente de mais neste mês estranho e não consigo organizar-me para os felicitar como merecem. Sim, a nove são vocês e a 21 és tu, é fácil. Mas como saber exactamente que este dia é o dia nove? O despertador toca sempre da mesma maneira, deixei de ler os jornais, de ouvir o programa da rádio, a gente que encontro é quase sempre a mesma gente anónima que pode aparecer em qualquer dia. Mando mails aos amigos: Envia por favor a tua data de nascimento ( há programas já formatados para isso). Ponho lembranças sonoras na agenda electrónica. Mas chego sempre tarde aos avisos que semeei.
As mulheres e as crianças são muito sensíveis a este tipo de esquecimento. Cruzo mulheres com aquele ar distante ou magoado, crianças que eram tão efusivas e agora me ignoram. E já sei, nem preciso de confirmar. É Fevereiro, o mês da conspiração dos nascimentos, e eu deixei passar o teu aniversário. Sinto-me tão culpado. Gostava tanto de acertar no teu dia de anos. Dar-te a alegria de ser felicitado e recuperares esse tempo em que festejavam e tu eras feliz. Parabéns, desculpa o esquecimento, parabéns, parabéns, feliz aniversário, um beijo para ti, para ti também.

Sal

Em teoria, um risco é o produto dum perigo por uma vulnerabilidade.
Há um elevado perigo de sermos colectivamente envolvidos em desastres.
Somos terrivelmente vulneráveis à arrogância e prepotência dos decisores, sobretudo pela falta de convívio, de todos nós, com o sistema democrático.
Corremos um grande risco da sistemática desvalorização da unidade de valor utilizada nos custos políticos, que é como quem diz que há o risco da responsabilidade política não existir entre nós....

enviado por bontempo

05 fevereiro 2004

Imagem com brilho

Sempre ao espelho, vê sempre um homem brilhante. Na televisão aparece-nos sempre um homem abrilhantado.

André Bonirre

A classe dos veteranos (2)

Na sala grande do ginásio, a classe dos veteranos roda, como um carrossel de feira às horas mortas da tarde.

Um cunhado é uma grande ajuda

Dantes era impossível, mas um cunhado veio ajudar. Sei que sou a 10 e a 4 a minha irmã. 10 + 4 é o meu irmão a 14. O cunhado a 1 é uma grande ajuda, dá logo três: 1 e 1, 11 a cunhada, 1 e 1, 2 a filha mais velha, 14 – 1, 13 a mais nova. Depois 13 e 13, 26 o meu pai, 26 menos 2, 24 a minha mãe, e já estão todos os deste lado. É fácil, nunca mais me esqueci dos dias, o que é mau é trocar os meses, mas mais mau seria se fosse tudo num só mês - para pior já basta assim, 4 aniversários em Fevereiro, que rombo!

André Bonirre

A classe dos veteranos (1)

A classe dos veteranos ocupa a sala grande no ginásio. Há tempos imemoriais que eles estão lá, a fazer aquela ginástica de quartel. Impecávelmente equipados, muito sérios, uma palidez preocupante nas faces esforçadas, exercícios masculinos sem imaginação. As salas adjacentes encheram-se com o spinning. E esvaziaram-se. Quando os fatos justinhos e os calções amigos dos períneos passaram de moda, a revoada de gente desapareceu, tão depressa como tinha chegado. Depois foi o body combat e o body pump. Que vigor, que ritmo, que adrenalina. Quando tudo parecia destinado a um sucesso duradouro, os treinadores perderam a franchising. E foi o gap (glúteos, abdominais, pernas), um programa de vida, com praticantes tão perfeitos que quando se aproximavam temia sempre que viessem vender um aparelho, um jersey, um depilador. E o yoga-zen com mulheres em trânsito. Hoje dei conta que essas salas de glória estão quase vazias, a música perdeu a graça, o círculo das bicicletas não se fecha, os praticantes de step sem adrenalina. Só eles, na sala grande, os veteranos, são constantes.

04 fevereiro 2004

Linguista procura-se.

Eu nunca encontrei nenhum e adorava. Gente com "ódio à literatura". Ontem estava no hipermercado e vi. Um menino com um livro na mão, perdido na história. O pai estava ao meu lado e ameaçou: "Sá daí. Porcaria. Já t'disse pra nuires pró pé dessa porcaria". Pelo ênfase que deu à palavra porcaria, pela forma operacional como utilizou as suas competências linguísticas, pelo uso criterioso da epanalépse, julguei tratar-se de um linguista. Aproximei-me dele entusiasmado e mal acabou a repreensão da criança perguntei: Desculpe-me, eu não conheço pessoalmente nenhum. Mas responda-me com a verdade: é o senhor um linguista?" O homem olhou-me com desdém e disse: "Tou-ta topar. Jástás direitinho na Comissão do Graça Moura e do dr. Justino".

03 fevereiro 2004

Helena Matos

E vão sete. Consecutivas.

OÁSIS DA MADEIRA

Alberto João Jardim afirmou em entrevista a
M. J. Avillez na SIC Notícias que se orgulha
“de ter conseguido por a Madeira fora da actual crise do País”.
Como diria o Prof. Cavaco Silva, estamos perante um Oásis.
Corrijam dicionários, enciclopédias e manuais escolares.

Oásis: Porção de terra rodeada de crise por todos os lados

Jota

COFFEE BREAK

TERAPIAS BARATAS

[AVISO

este Post, destinado a pacientes hipocondríacos, pode causar pânico a leitores sensíveis]

Aqui nas Urgências do hospital, numa maca um doente convencional. Aos gritos de dor, a enfermeira, paciente, repete o procedimento de há pouco. Desinfecta, espeta, fricciona. O efeito é imediato, o homem sossega, a dor desaparece. Gastou uma agulha, nem precisou de seringa.

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TERAPIAS MAIS CARAS

[AVISO

este Post teve o patrocínio da Associação de Farmácias]

Depois de se enforcar em carrosséis de medicamentos, sobreviveu e converteu-se às medicinas alternativas. Faz lavagens shamânicas periódicas, leituras de aura, dança com shakras e magnetizações cósmicas. Sente-se melhor, sente-se bem, sente-se, agora, finalmente, muito bem. Prevejo uma recaída, deu conta de que gasta agora bem mais do que dantes na farmácia.

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SOBRE O RESPEITO DEVIDO AOS ALTOS DIRIGENTES

[AVISO

este Post, em louvor ao Respeito, contém cenas de violência explícita e pode incutir reacções anti-futebolísticas primárias]

Escrevo cheio de dúvidas. Não sei se saúde a corajosa denúncia imbuída de alto Sentido de Estado, se despreze mais uma declaração demagoga ignóbil. Ontem de manhã ouvi apressado: “altos dirigentes foram agredidos nas zonas nobres, uhmm, nas zonas sociais, uhmm, do estádio” e à noite não vim a tempo de perceber pelas imagens.

Aguardo sereno as conclusões do inquérito, talvez assim: “a nobreza da zona esteve à altura dos dirigentes”. Entretanto, no meio das dúvidas, tenho uma certeza – há zonas onde dói muito.

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A CLASSE NO PODER

[AVISO

este Post é assumidamente elitista e saudosista do Poder com classe]

Dormitei. Sou um aristocrata horrorizado com a Revolução, e depois com a Comuna, ainda em Paris, e mais tarde em Outubro, mais a leste. Afinal sou humilde povo a aguentar com um senhor Lopes que se esforça, mais apresentável que o outro senhor que mastigava bolo-rei.

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UM HINO AO PODER

[AVISO (com instruções de leitura)

este Post passou das marcas, foi auto-censurado e substituído; deve ler-se de pé em sentido]


heróis do mar, nobre povo, ..

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BREAK

[AVISO

este é o último Post, o meu colega diz-me para parar de tomar notas, vamos ao café]

Ainda dizem que nos Congressos só se faz turismo.

André Bonirre

Antologia de O Mal: Wallace Stevens

Teoria

Sou o que me rodeia.
As mulheres compreendem isto.
Não se é duquesa
a cem metros de uma carruagem.
Estes então são retratos:
uma antecâmara preta;
uma cama alta protegida por cortinas.

Isto são meros exemplos.

Wallace Stevens in Ficção Suprema, Assírio Alvim, trad. de Luísa M Queirós de Campos

Antologia de O Mal: Luiza Neto Jorge

A magnólia


A exaltação do mínimo,
E o magnífico relâmpago
Do acontecimento mestre
Restituem-me a forma
E o meu esplendor.

Um diminuto berço me recolhe
Onde a palavra se elide
Na matéria - na metáfora -
Necessária, e leve, a cada um
Onde se ecoa e resvala.

A magnólia,
O som que se desenvolve nela
Quando pronunciada,
É um exaltado aroma
Perdido na tempestade,

Um mínimo ente magnífico
Desfolhando relâmpagos
Sobre mim.

Luiza Neto Jorge

Poesia 1960-1989

02 fevereiro 2004

Oh Barnabé

O Barnabé está a ficar dah. Parece que ultrapassou o Abrupto em visitas e publica manifestos políticos chatíssimos e cenários post-eleitorais em que o Bloco de Esquerda aparece aliado ao PS. Para, responsávelmente, possibilitar a governabilidade do país. Afinal, o que tinha o Barnabé que os outros não tinham era um projecto de governo. Oh, dias benditos em que o Daniel fazia uns posts espontâneos, e tão apreciados, sobre a Odete Santos. Oh Barnabé, esquece-te das audiências e que o mais pobre daqui te possa curtir.

Meaningless

O José Mário escreveu sobre In the Cut: "É um thriller pseudo-erótico a armar ao pingarelho, cheio de efeitos visuais, saturado de cores fortes, tecnicamente exemplar (como exemplares são os melhores anúncios publicitários), mas completamente oco, vazio, meaningless."
Eu não terçaria armas por Jane Campion. Nem por Meg Ryan depois das coisas abomináveis que já fez. Nem por In the Cut com certeza, muito menos com o José Mário. Mas achei que havia no filme algum erotismo. Embora um fundo de perigo nunca se desvaneça, naquilo que penso ser a maior virtude do filme. A tensão permanente entre o desejo e uma ameaça, que se insinua desde o início e que a partir de certa altura sabemos o nome. Gostei daquela mulher, frágil, parecendo procurar a confusão, aceitando confiante o convite para lugares de terror, abrindo portas com coragem, algemando um braço do homem, ao colo do qual, ensanguentada, há-de regressar.
Claro que um desejo assim, uma vida como esta, é oca, vazia, meaningless. Exactamente como a minha, agora que penso nela.

A blogosfera é uma festa

Ponto e Vírgula; Tomara que caia. E uma rua onde nos podíamos juntar a conversar, no fim de uma tarde como esta, ouvindo as memórias que o Nuno Guerreiro traz.

Ilusão

Se, entre flores vascos e pedros, as mulheres estão inteiras nos seus cadernos de meninas, grande poder deveria ter o que em segredo os leu.

Pela verdura

Os banhos fizeram bem ao stress de Madalena, mas o stress voltou. Receitaram-lhe agora mergulhos na doce mãe natureza, campo e ar puro. Comprou já feito um trilho, lá para as beiras, com seguro incluído e certificado de desminagem. Sábado caminhou, em grupo com guia, por pedras e rochas, por entre a verdura, segura. Mas ninguém disse que pisavam praias ordovícias, ninguém soube contar histórias de nevoeiro e lobos maus. Não se perdeu, perdeu o melhor.

André Bonirre

Segura e guardada

Madalena foi a banhos, atravessou o oceano e passou cinco dias e seis noites na piscina de um hotel de máxima segurança. Água de coral, animadores, sumos e frutas, tudo pronto a consumir e incluído no preço. Voltou bem, não sabe é bem de que país e não tem a certeza se seria habitado (seria talvez, ainda se lembra dos guarda-costas).

André Bonirre

A FALHA HUMANA

A mesma Arena
A mesma Multidão
Os mesmos Gladiadores
Outro Imperador vestido do mesmo preto
Outros Gladiadores
A Guarda Imperial não é perceptível

algo falha - 7 dias e +/-90 minutos mais tarde algo volta a falhar

o Imperador transforma-se em Escravo, mas mantêm-se vestido de preto
a Multidão é agora um Grande Imperador
os Gladiadores são Gladiadores
o Grande Imperador exige o sacrifício do Escravo vestido de preto
os Gladiadores gladiam
a Guarda Imperial carrega sobre o Grande Imperador
o Escravo vestido de preto corre para os subterrâneos

....interrupção para publicidade....

Fecho os olhos e já não reconheço na arena as marcas do corpo inerte, apenas as que derivam de uma grande FALHA COLECTIVA

Escrito por Jota

01 fevereiro 2004

Nuno

Num dia como hoje, há dezanove anos. Nevava na cabine telefónica de Lausanne quando consegui a ligação. O puto tinha nascido bem e eu podia escolher o nome. Francisco? Sim, é um lindo nome. Benvindo, Francisco.
Eles foram sempre assim. Seguiam aproximadamente os meus conselhos e sugestões. Parabéns, Nuno.

Montalbán

Vocês vieram dos mesmos lados. Da poesia e do jornalismo. Por isso partilham com ele a graça e a incomodidade

Katia Guerreiro

João Bonifácio entrevista-a (Y, 30 de janeiro)e dedica-lhe uma crónica entusiasmada. Ela foi à garagem onde o colega se esconde, e em tardes sem fim diz que escreve. Ele ouviu poemas que um dia dera a outro. Talvez ela tenha percebido que, pela sua voz, era de novo no homem uma estranha primavera. O disco não desilude. Quem assim canta, dizendo coisas que não somos capazes, talvez se liberte da ameaça institucional que, desnecessariamente, resolveu convocar. Nunca deixe de fazer urgências, é o que desejo a Katia.

Katia Guerreiro
Nas mãos do fado
Ocarina

Manuel Vásquez Montalbán

Todos os sábados tu vens, torrencial, textos lindíssimos que dizem que estás vivo. Foi assim há quinze dias (Javier Valenzuela apresentando La Aznaridad). É agora Rafael Conte sobre Milenio Carvalho,1. A primeira parte da última volta de Pepe Carvalho.

Milénio Carvalho, 1 (Rumbo a Kabul)
Manuel Vasquez Montalbán
Planeta, Barcelona, 2004

Neli Castilho Neves

Advogada. Vinte seis anos. Há dois anos era estagiária na sala de advogados do DIAP quando, graciosamente, aceitou defender Jorge Ferreira contra a Gestiponte. Jorge Ferreira andava há dois anos procurando uma reparação dos danos sofridos quando, à entrada da Ponte 25 de Abril, o seu carro encontrou uma mancha de óleo e se despistou contra os rails. A Gestiponte, a Deco, o Instituto de Seguros de Portugal, a sua seguradora e o Provedor de Justiça tinham-no abandonado. Neli defrontou a Gestiponte e a sociedade de advogados Morais Leitão & J. Galvão Teles. Agora, cinco anos depois do acidente, uma decisão judicial deu razão a Jorge Ferreira. A história é contada pelo jornalista Nuno Ferreira no Público de 30 de Janeiro (Local).
Jorge Ferreira, Neli Castilho Neves, Nuno Ferreira: Borges disse um dia que gente com esta está a salvar o mundo.

Um Carnaval memorável

No ATL sou o último a ir para casa. Fico sozinho com a dona Irene que faz arraiolos e está sempre distraída. O meu pai vem-me buscar às sete e meia, a minha mãe sai às onze do turno da tarde. A partir das cinco horas sou só eu, o Aguiar e a dona Irene. O Aguiar é um puto um bocadinho lorpa, entretido com tazos e uma colecção de elásticos que só ele vê e apanha do chão. E a dona Irene já expliquei. Logo que posso vou para a estante onde estão os cadernos das meninas. Nem preciso de ler os nomes delas. Conheço-as pelas letras redondinhas, muito perfeitas, pelos erros ortográficos e pelo que escrevem. A Cláudia e a Carolina são perfeitas. Têm as melhores notas e merecem. A Anabela gosta do Vasco. Numa folha interior escreveu em letras enormes: Amo-te Vasco! As meninas usam pontos de exclamação e algumas, desde que aprenderam as reticências, nunca mais ninguém as segurou…Nos primeiros tempos lia os cadernos das meninas às escondidas. A dona Irene disse-me um dia: és um frade leitor, e voltou ao Arraiolos. O Aguiar achou imensa piada e repetiu: frade leitor, frade leitor. Mas não me repreenderam e eu passei a ler às claras, sem sentir nenhuma culpa. As meninas são muito sensíveis. A Francisca escreve páginas inteiras a dizer do que gosta. Gosto dos sábados. Gosto que me dêem toques. Gosto de usar Agata Ruiz de la Prada. Gosto de usar aparelho. E outras páginas a dizer do que não gosta. Não gosto de ter pelos nas pernas. Não gosto de usar óculos. Não gosto dos rapazes que mascam chiclets. Não gosto que aquele olhe para mim o tempo todo e daquela maneira. Eu gosto da Francisca. Ela não usa óculos. Não tem pelos nas pernas. Tem uma letra estreita e ligeiramente inclinada. Senta-se sempre longe, perto da Susana com quem troca aqueles horríveis segredinhos. Nunca fala comigo. Quase não olha para mim.
A ler o que elas escrevem nos cadernos estou a aprender muito sobre as meninas. Sou capaz de pensar e de escrever como as meninas. Se não me descobrirem até ao Carnaval posso descobrir o que sentem as meninas. Se descobrir o que sente a Francisca o Carnaval será memorável.

Magazine dos Livros

Fui lá ao engano. O Manhoso às vezes ainda me leva. Simpático, mal escrito, inútil.

Os livros de Fevereiro (Mil Folhas)

Orientalismo, de Edward W. Said,, repetidamente anunciado, será finalmente editado em Fevereiro?
A Assírio anuncia o 1º vol. de Os Contos de Kafka.
A Relógio D’Água A Rosa de Robert Walser, O Ofício de Viver de Pavese, Lições de Literatura de Nabokov.
A Gradiva vai publicar Peter Singer: Um Só Mundo. Para nós e os outros animais, um só mundo.
Maria Helena da Rocha Pereira, na Asa, com dois livros: Portugal e a Herança Clássica, e Hélade. Duas preciosidades na Asa.
A Cotovia anuncia : Janelas Altas (High Windows), de Philip Larkin. Exultamos.
Maria do Rosário Pedreira, sempre na Gótica: Nenhum Nome Depois.