31 julho 2007
30 julho 2007
O desmame do Prozac deve ser lento
O que acho extraordinario é que tu, um dos maiores racionalistas irracionais, te inflames a favor de uma crítica do racionalismo baseada em termos emocionaise que se quer passar por yum supra racionalismo inefável. Acho isto tudo pouco honesto e pouco maduro, enfim. Muito macho. Mas isto sou talvez eu a delirar após as primeiras 30 páginas. Por encanto, dou ainda o benefício da dúvida. Meteórica. Os homens que julgam que pensam têm que ir devagar porque já houve muita verdade irrefutável no céu das estrelas decadentes.
O livro de John Gray com o título, O homem e os outros animais suscita reacções violentas. Recomendei-o vivamente, à semelhança do que fez Luís Quintais no Escaparates do TAGV. Quase não vi críticas ou recensões, nos media tradicionais ou na blogosfera. Mas o espaço literário, como se tem vindo a dizer em vários sítios, tem-se contraído tanto que não já tempo nem espaço para falar de livros. O livro de John Gray é um manifesto contra a ideologia optimista humanocêntrica, que vê a espécie humana como o fim da evolução, com direitos de propriedade sobre a Terra, quiçá o Mundo. Esta ideologia, que é a versão secular das grandes religiões monogâmicas do Ocidente, transferiu o messianismo para a razão humana e as possibilidades da Ciência. O livro é um livro de divulgação, bem escrito (não sei se bem traduzido), com muitas referências. As teses são radicais e provocatórias, em alguns aspectos insuficientemente fundamentadas. O conjunto é fascinante. Raras vezes, nos últimos tempos, estive em frente de reflexões tão radicais, tão estimulantes.
Sucede que as mulheres que conheço detestam o livro.
Uma fez-me uma crítica devastadora depois de ler o Prólogo (duas páginas).
Outra disse que o John Gray era o típico polemista…americano.
Outra nunca mais me falou.
Outra fundou um blog para escrever contra Gray.
Outra ainda converteu-se ao catolicismo. na pessoa de Monsenhor G. de S.
Outra sorriu ameaçadora com aquele ar com que as mulheres anunciam que não são porta onde se vá bater.
Falo de mulheres cuja opinião prezo. Delas disse Gray acreditarem que a vida humana melhora com o conhecimento. Com elas percebi que o humanismo era
“the Prozac of the thinking classes" .
Como dizia o meu pin: entre as drinking classes e as thinking classes escolhe as primeiras, não lhes roubas nenhuma ilusão.
Faço como o Francisco José Viegas. Querem um livro para férias? Leiam o Moby Dick.
Ingmar Bergman: um homem do Mal
Ingmar Bergman (1918-2007.
Bem nos dizia o coração tristonho desta tarde.
Morreu Bergman na ilha de Faro. O meu pai agradeceu-lhe pela Fonte da Virgem, pelo Sétimo Selo, por Mónica e o Desejo, por Persona. Eu agradeço-lhe isso tudo e o desamor da vida conjugal, da doença, da velhice, de um homem que caminha entre dois postes da ilha de Faro, como se caminha entre dois pontos dentro do inferno. Agradeço-lhe por Max von Sidow, por Woodie Allen, por Lars von Sidow,por Liv Ulmann e por Bibi Andersen.
Cumpriu o seu programa biológico, foi, até morrer, um homem atraente.
(frases soltas, na noite)
Dance me to the end of love
C. Boltanski
Discutiam temas que para o comum da população nem sequer existiam. Discutiam porque lhes estava nos genes de privilegiados pela polis que lhes dera tempo para esbracejarem na ágora. As túnicas esvoaçavam a cada nova mudança de sopro. A brisa era sempre de verão — tudo isto só é possível passar-se num clima mais que temperado. Não se vislumbravam as manhãs nevoentas e rígidas de kant sempre a passar à mesma hora pelo mesmo local como um autómato da razão. Quem disse que é preciso frio e rigor para pensar? Houve tempos em que a civilização não era pseudo, mas pessimista e céptica e sexista e lésbica e homofílica e pedófila, a long time ago in a galaxy far, far away…
O céu era de um azul que descrevem como único e mediterrânico e que afinal era mais puro no atlântico sul, sempre mais a sul, hallelujah!
Havia cítaras e requebros de quem era profissional abstracto e lutava por um racionalismo para nós hoje totalmente irracional, sem a ciência a apoiar o que prediziam para uma humanidade vindoura e ignorante. Muitos tempos de trevas mais ou menos contínuas haveria até alguns irromperem contra uma autoridade nunca legitimada a não ser pelos medos mais ancestrais, eram cítaras substituídas por forquilhas e cabeças decepadas à porta de palácios trianóicos ou de inverno e de outras estações como última, a da finlândia, eram cítaras que se elevavam aos céus do impossível e isso bastava.
Eh, come me vuoi?
//sent by Rosaarosa
Etiquetas: Rosa
29 julho 2007
Extrema Unção
Estava no meu leito de morte. Ela debruçou-se e eu fiz apelo ao fundo da reserva dos meus bofes para sussurrar:
- Lembra-me muito a Anna Magnani.
Dedicou-me um turno de desvelada atenção. Mas talvez confundisse a Magnani com a Monica Viti.
Etiquetas: Hospital. Cinefilia.
28 julho 2007
Adições.
Acacia Thiele
Kiasma, pelo bom gosto. O boato, de Alexandre Borges, um blog de bons aforismos e a Arte da Fuga, polémica saudável.
O blog de Alexandre Soares da Silva, ou como diz filigrAna, a caixa de comentários do bloge de Soares da Silva, onde se podem ler coisas tão deliciosas como "você me recomenda um livro, Alexandre."
Também se retiraram blogs descontinuados, com muita pena (João Afonso, Cecília, por favor, avisem quando recomeçarem).
Etiquetas: subtrações
Alegre e o medo
Boltansky
A tentativa de desvalorização da declaração de Alegre sobre as liberdades é sintomática. Na blogosfera que percorro, quase ninguém aborda o tema sem o cuidado de se demarcar de Alegre e do alegrismo (seja lá isso o que for). Lembra o tempo das conotações que para os que não sabem foi o período entre os cartuxos e as cassetes. Alegre fez o que tinha a fazer. Citou Cesariny a propósito. Citar a propósito é uma virtude, para que os iconoclastas não surjam nas lapelas do poder. Alegre dirige-se para o PS? Pois é precisamente para aí que se deve dirigir. Disse pouco? Disse mais que os outros. Disse o que Martins, Belém, o boquinhas Vitorino, os históricos, o Arons, o Sérgio, o Costa, os cem deputados do PS, as bandeiras vivas da liberdade e os paus de bandeira têm calado.
Há medo. Medo nas repartições, medo nos jornais, medo nas ruas, medo na blogosfera. Alguém disse, justamente, que o programa político de destruição do Estado providência não se faria sem a destruição das liberdades. A criação de um clima intimidatório é necessária às reformas que se seguem: menos saúde, menos segurança social, menos apoio aos desprotegidos, mais empregos a 5 euros a hora, mais empregos de call-center, de semi-escravidão.
Júdice e outros teorizam sobre a extinção da direita partidária e, inacreditávelmente, Rui Tavares faz contas aritméticas para demonstrar a vitória da "esquerda". Mas escondem ou esquecem o que se mete pelos olhos dentro: O PS executa o programa da direita, o PS de Sócrates é a direita, com a máscara inefável da namorada, mas com a frieza, a arrogância, a determinação e a insensibilidade da direita.
27 julho 2007
Die Traumdeutung
Nunca tive problemas com sonhos. Li Freud antes de Camilo e nunca tive dificuldade em reconhecer o valor simbólico de comboios, serpentes, túneis, telemóveis ou pens de 2 GB. O meu inconsciente é tão pouco reprimido que não precisa dos sonhos para se manifestar. Basta uma enxaqueca, uma gripe, trabalho a mais, o cansaço glorioso das montanhas. Mas esta noite sonhei, toda a noite sonhei, com o partido Convergência i Unió. Tinha havido eleições na Catalunha e eles tinham tido 5%. Era o que se esperava, com algumas assembleias de voto ainda por contar. Então não tinha havido sondagens? Era assim tão grande a surpresa? Não estava triste nem contente, não prestava grande atenção ao escrutínio, não me interessavam vencedores ou vencidos. Era um sonho ahistórico, despolitizado onde os afectos pareciam todos sob controle. Eu era um votante da Convergência i Unió, isso parecia certo. E íamos ter menos de 5%. Não dou mais pormenores. Li Freud antes de Camilo e sei muito bem que é nos pormenores que nos enterramos, quando contamos sonhos.
26 julho 2007
circa 1993
Blue
deitámo-nos na cama
dos avós
e os dedos alisando
as costuras
no sono da tarde procurámos
refúgio
enquanto tu fechavas
as cortinas
cúmplice da vida
verdadeira
Etiquetas: Vida boa
Férias
A miúda tem três anos. Nas férias vai às vezes com o pai para o Laboratório do Museu. No Museu há um armário que tem 178 gavetas. Cento e setenta e seis gavetas estão vazias. A miúda abre uma gaveta que tem dentro um frasco de vidro . Dentro do frasco,um pó e uma esponja de algodão . A miúda abre o frasco, tira a esponja de algodão, mergulha-a no pó e começa a espalhar o pó pelo rosto. As miúdas de três anos têm cérebros incrivelmente femininos. O frasco tem um rótulo. Uma data: 1953. E por cima, em desbotadas letras de cursivo, o nome do pó: Anidrido Arsenioso.
Etiquetas: tóxicos
Obituário
Morreu Ulrich Muhe, o polícia de A Vida dos Outros. Já não resta quase nada da RDA. Não resta quase nada de nada. Um dos melhores blogs chama-se agora ex-Ivan Nunes. As coisas são todas, agora, terrivelmente novas. A caminho do trabalho sinto-me o único animal com história.
Etiquetas: história
Transferência poética
Etiquetas: literatura
T.
Etiquetas: literatura, mulheres
Fazes-me falta como Madame Bovary
Jane Calvin
Quando os meus amigos vão de férias tenho muitas saudades. Mas só na primeira semana me fazem falta como pessoas reais. Na segunda penso neles como personagens de ficção. O amor é tal qual a amizade. Mas ao contrário.
Etiquetas: amizade, amor, Ant Lobo Antunes, Flaubert
25 julho 2007
Notas de leitura 9
- Ela nunca me enganou.
(Resumo de Foi assim, na revista Flaish)
Etiquetas: Zita Seabra
24 julho 2007
Fim de tarde em Santa Clara
Uma história com sapatos vermelhos pode atenuar a chatice imensa de 440 pgs. Pode. Mas não é o caso. Eu prefiro sapatos verdes. Melhor do que sapatos verdes só os pés descalços. Nenhuma ornamentação.
Post nulo
Etiquetas: Zita Seabra
Reclamação
Se, como dizem alguns psicólogos evolucionistas, o cérebro é um canivete suíço o meu veio sem memória nem "ferramenta de salvação".
Etiquetas: swiss-knife
23 julho 2007
Notas de Leitura (epílogo)
(ver também Rui Bebiano em A Terceira Noite. Crítica a sério e indicação de blogs que aparentemente leram este livro.)
Etiquetas: Zita Seabra
Notas de Leitura 8
Repetições, um trabalho descuidado de revisão, uma preocupação excessiva em contextualizar o seu percurso, o recurso cansativo ao jargão comunista, um ou outro ajuste de contas pouco claro, algumas passagens que se percebe constituirem sobretudo uma justificação, não retiram o mérito do livro. Um depoimento convincente de alguém que viveu uma experiência próxima do fanatismo religioso e foi capaz de preservar saúde mental para sobreviver e continuar uma existência normal.
Foi assim, ed Aletheia, Zita Seabra, 2007 (443 pp, 18 €)
Etiquetas: Zita Seabra
22 julho 2007
Notas de Leitura 7
Etiquetas: Zita Seabra
Notas de Leitura 6
Etiquetas: Zita Seabra
Notas de Leitura 5
Agradecimentos ainda a João Carlos Espada, a Vasco Pulido Valente "pelos infindáveis jantares no Gambrinus", e a monsenhor Arnaldo Pinto Cardoso que insistiu muito para ela escrever o livro.
No ponto em que me encontro (pg 80) uma coisa é certa. Vasco Pulido Valente não escreveu este livro.
(continua)
Etiquetas: Zita Seabra
Notas de Leitura 4
Etiquetas: Zita Seabra
Notas de Leitura 3
Admito que se trate de ironia (até à pg 80 não vislumbro ironia). Parece que ela acha mesmo que foi assim. Que foi assim, o mundo que ela viu. Que é assim, o mundo que ela vê.
Etiquetas: Zita Seabra
Notas de Leitura 2
Como disse uma vez Pacheco Pereira, acho corajoso que Zita Seabra, que construiu uma imagem pública no PCP, tenha aderido a outro partido e aí lute pelas suas novas ideias. É por elas que deve ser apreciada e não pela coerência autobiográfica. Os dissidentes comunistas não devem ser apreciados pelo silêncio, nem estar sujeitos a nenhuma regra de exclusão da vida pública.
Etiquetas: Zita Seabra
Notas de Leitura 1
Acho bom ela ter escrito um livro de memórias. As memórias devem ser escritas enquanto existem. O PCP é o único partido com história, o mais opaco dos partidos, aquele em que o vidro das paredes só deixa ver sombras e que sombras sejam vistas. A publicação de memórias destas é importante para o conhecimento da nossa história recente. Muitos dos intervenientes estão vivos e podem dizer a sua versão dos acontecimentos. A história é isto. Oxalá os que Zita refere e sentem que a realidade não Foi exactamente Assim possam encontrar o espaço para as suas versões.
Etiquetas: Zita Seabra
No TAGV continua outros FILMES outros LUGARES
Atenção à Nova Calendarização aqui reproduzida.
Dia 23 de Julho
Still Life – Natureza Morta (China/ Hong Kong, 2006, 108`, M/12)
de Jia Zhang Ke
Dia 24 de Julho
A Maldição da Flor Dourada (China/Hong-Kong, 2006, Cores, 114`, M/16)
De Zhang Yimou
Dia 25 de Julho
A Nuvem (Alemanha, 2006, 105`, M/12)
de Gregor Schnitzler
Dia 26 de Julho
Purgatório (Portugal, 2006, M/16)
de Joaquim Leitão
Etiquetas: cinema
20 julho 2007
Ideologia
Rosemary Laing
Sou partidário da Modern Synthesis, a fusão entre a genética e o evolucionismo: isto está tudo fodido.
Etiquetas: Modern Synthesis
19 julho 2007
Não é o Outono
Janine Antoni
A este o céu está coberto de nuvens. Nuvens altas, cinzentas, em camadas sucessivas. As aves do sul iniciaram a migração. As folhas das árvores estão amarelas e quando lhes dá o vento espalham-se como confettis. Cresceram nos ombros os pequenos administradores delegados. Só eu sei que não é o Outono, ainda não é o Outono.
Etiquetas: Climas
Educação sentimental.
Quando era miúdo li numa revista que o cinema tinha morrido no dia em que as mulheres disseram aos homens que não iam “porque era a preto e branco”. O cinema sobreviveu à Lusomundo , aos coronéis, aos videoclips, às câmaras digitais, aos críticos que não gostam de cinema, sim, os das estrelinhas. Ouço dizer que houve quem saísse no segundo intervalo de Inland Empire. Fixa bem esses simples. Eles hão-de desiludir-te mais vezes.
Etiquetas: provas
18 julho 2007
Educação sentimental. PS.
Provavelmente ela escolheu-o pelos bons genes. Para resumir digamos que ele é alto, forte, com o torso em V, sem cicatrizes e com os pés grandes. Foi quase sempre assim, com as mulheres confiantes. Ela a escolher, ele a gostar de ser escolhido. Na parte final do encontro ele tomou a iniciativa.
Antes da fase das mucosas ela fez o interrogatório dos cinco Ps. Parceiros, Prevenção da gravidez, Protecção de DSTs, Práticas, Passado. As perguntas foram simples e directas:
- Nos últimos dois meses quantos parceiros tiveste? Homens, mulheres ou ambos? E nos últimos doze meses? Alguma vez trocaste dinheiro, favores ou droga por sexo? Há alguma coisa sobre os teus hábitos sexuais que eu deva saber?
Depois inspeccionaram mutuamente a existência de feridas, verrugas, corrimentos. Para não falar dos piolhos púbicos, que são pequeninos e passam despercebidos.
Mostraram um ao outro a serologia do HIV, da Sífilis e discutiram durante algum tempo a interpretação da serologia da Hepatite B. Ela tinha um cartão recente que atestava as três doses da vacina para o HPV, as duas da Hepatite A , um screening de Gonorreia, Tricomoníase, Vaginose, Clamídia e um Papanicolau recente.
Mudaram de preservativo em cada acto cuidadosamente manipulado no pénis erecto. Só usaram lubrificantes aquosos do tipo K-Y Jelly .
No fim tomaram Ceftriaxone 125 mg e Metronidazole 2 g oral e Azithromycina 1 g oral.
Combinaram um encontro íntimo duas semanas depois, para inspecção visual, colheitas de materiais para cultura e de sangue para repetição de serologias.
( resumo grosseiro das Sexually Transmitted Diseases Treatment Guidelines, 2006, do CDC . Os riscos são verdadeiros. Não há nenhuma ideologia subjacente ao documento. Nenhum humor. Qualquer outra forma de abordar este tipo de encontros é impressionista, não científica e perigosa como a roleta russa.)
Etiquetas: serviço público
17 julho 2007
Dona Alexandra Tété e o casamento. O Casamento.
Não. A senhora fala do “casamento heterossexual monogâmico” que considera “um bem público”. Esse bem público está hoje ameaçado pelos homossexuais, que se querem casar e se consideram discriminados pelos proprietários da instituição. A argumentação da senhora é de carácter jurídico-filosófico-estruturalista. Confesso que não entendi, nem estou aberto a esse conhecimento. Diz a senhora que “a campanha do lobby gay para a reconceptualização do casamento, de modo a incluir a união homossexual, não tem nada a ver com a igualdade de oportunidades”. “Visa antes”- continuo a citar-“ a promoção da conduta homossexual e a desconstrução do casamento e da família”. E enumera em seguida algumas das discriminações verdadeiras que existem na nossa sociedade, para as quais deviam ser dirigidos os dinheiros públicos.
Acho este tipo de argumentação inqualificável. Quando passo pelos discriminados nunca encontro a senhora. Mas agora as senhoras aprenderam o discurso da igualdade para melhor combater a luta contra a desigualdade. Acho que o casamento, se ainda existe, essa união de dois seres para o bem e para o mal, esse laço que dura plenamente enquanto dura, devia dissociar-se destas senhoras. Devia fazer escândalo, como o outro com os fariseus. Dizer o que pensa das listas, das prendas e dos presentes, das tendas com mesas numeradas como jazigos, das orquestras convidadas, da maionese com salmonelas, dos fotógrafos e dos ajudantes de fotógrafos, das tualetes, dos animadores de casamento e dos terapeutas familiares à espreita. O casamento, se ainda ouve outro discurso para lá do das senhoras aflitas com a manutenção do marido heterossexual-afinal-não-tão-monogâmico, devia dar um arzinho e dizer de sua graça oral, genital, anal, qualquer coisa em que se percebesse que merece que o olhemos com respeito.
(escrito a propósito do artigo de fundo da senhora Dª Alexandra Tété, da associação Mulheres em Acção, Público 2ª feira 16 de Julho)
PSD (3)
Etiquetas: PSD
16 julho 2007
Todos os dias, às 21:30h, no TAGV de Coimbra
Hoje, 16 de Julho no TAGV de Coimbra
A vida dos outros (Alemanha, 2006, 137`)
De Florian Henckel
Óscar para Melhor Filme Estrangeiro, um filme a não perder.
Nos próximos dias o TAGV permite que, nesta terra com 20 salas de exibição consagradas ao programa de extinção do gosto pelo cinema nas novas gerações, se veja alguma coisa de diferente, capaz de resgatar o prazer das salas escuras e da grande ilusão.
Dia 17 de Julho
O Caimão (França/Itália, 2006, 112`)
De Nanni Moretti
Dia 18 de Julho
Inland Empire (EUA/França/Polónia, 2006, 172`, M/16)
De David Lynch
Dia 19 de Julho
Climas (Turquia, 2006, 101`, M/12)
De Nuri Bilge Ceylan
Prémio da Crítica Internacional em Cannes em 2006
(PS: Peço desculpa ao Pedro Morais por não ter editado a Nova Calendarização dos filmes. A rectificação fica aqui e mais acima)
Etiquetas: cinema
Telhados de Vidro: provas de coisa nenhuma
TELHADOS DE VIDRO N.º 8
Maio de 2007, 144 pp., 13 euros
(Tiragem Única de 500 exemplares)
Direcção: Inês Dias e Manuel de Freitas
Capa de Bárbara Assis Pacheco. Paginação e arranjo gráfico de Olímpio Ferreira
Editora Averno
Saíu o nº8 desta publicação que reúne poetas do não-grupo a que Manuel de Freitas chamou de "poetas sem qualidades" e outros, com algumas afinidades. Poemas de Manuel de Freitas Rui Pires Cabral, José Miguel Silva, A.M. Couto Viana, Rui Nunes e ensaios de Rosa Maria Martelo, João Miguel Fernandes Jorge, entre outros.
Manuel de Freitas assina ainda uma evocação da obra de António José Forte, o poeta das Citroens itinerantes da Gulbenkian, que nos anos 60 levaram a literatura onde era suposto só haver Fátima e futebol. O número abre com um poema lindíssimo de Fernando Assis Pacheco, publicado em 1976, memórias frescas de uma guerra que sabemos ter sido a guerra africana, vista com a derisão de quem vê sair do quartel "o exército do Ocidente de alpergatas nas últimas", e só sabe "fazer versos, isto é nada."
A mesma descrença em qualquer valor da poesia, em qualquer sentido transcendente da vida "dos homens, das mulheres e dos outros animais" encontra-se em alguns dos poetas representados, como Rui Pires Cabral, revelado na Averno e felizmente presente nestes Telhados de Vidro.
É deste que escolho um Oráculo de Cabeceira:
"I felt that it was all unreal."
Chega ao fim do dia
a hora mais lenta, quando o céu
é vago e as luzes se acendem
no prédio da frente.
Vemo-los por vezes
dentro das janelas, vultos
delicados como miniaturas
ou meros reflexos que passam
nos vidros.
Alguns prosseguem encargos
de sombra, outros detêm-se
a olhar a rua, no gesto
a expressão do seu puro
enigma.
E são como provas
de coisa nenhuma. Se acaso
nos fitam, parecem dizer:
a morte não será decerto
mais estranha que a vida.
(ver comentário de hmbf)
Etiquetas: poetas sem qualidade
Hotel Vitoria
- Se calhar é por não ser de Lisboa.
- Se calhar é por não seres de esquerda.
Etiquetas: Eleições
15 julho 2007
Vieram todos do Alandroal.
- Então de que bairro veio?
- Viemos do Alandroal.
- De onde?
- Do Alandroal. Fomos fazer uma excursão a Mafra e depois eles disseram-nos que vínhamos para aqui.
- Não sabiam que vinham para aqui?
Não sabiam. Estão um bocado surpreendidos. Mostram respeito pelo Hotel. Ficam ali, debaixo das estrelas, as bandeiras hesitantes, o Alandroal à espera.
Etiquetas: mobilização socialista
13 julho 2007
O desclique nas mulheres
Há mulheres em que
o desclique
é anunciado por um sonho
Outras por uma noite em claro
Ou pelo choro desatado
Há mulheres em que
o desclique
se vê no verniz das unhas
( de fire para splendeur- não sei
se me seguem)
Ou por um brilho
desconhecido um brilho
maligno nos olhos
Ou pelo silêncio
O riso que falta
(Faz tanta falta
o riso ao amante
que fica no silêncio)
Há mulheres como homens
em que o desclique é só
mudar de roupa, de perfume,
de corte de cabelo
Há mulheres que não atingem
o desclique
e florescem para dentro
envenenadas na raiva
que segregam
Outras há de clique
múltiplo
tão próximo um
do outro
que não se chega a
perceber
o desclique
Há mulheres para quem
o desclique
é um longo
interminável
poema lírico
Há mulheres que desclicam
no próprio clique
e são como
viúvas
de si mesmas
Há mulheres em quem
o desclique
é uma coisa física
Uma espécie de náusea
uma repugnância
táctil
Crescem nos saltos
nas mamas
na súbita magreza
Há mulheres de desclique activo
no desporto na noite
nos amigos
Etiquetas: mulheres
Rio Douro, Valdigem
Blue
Ao fundo o grande rio
Letes e os olhos dela
entre as japoneiras
balouçando nas lágrimas
Ele não sabe se é o
brilho do rio
a porta falsa para
outras paisagens
o desclique ou
saudades do Morgadinho
Etiquetas: Rio Douro
12 julho 2007
O espirito projectado pelo cerebro
Etiquetas: Biologia
11 julho 2007
As mulheres no Verão
Nick Knight
Andam de pés descalços em sapatos só de tira estreita. Pés discretamente cavos, magros, de calcanhares finíssimos. Foram precisas poucas gerações de mulheres ociosas para que surgissem calcanhares assim, tão frágeis, ceroplásticos, confiantes. Têm tornozelos finos. Os joelhos lisos. Os pubis triangulares, losângicos, reduzidos a uma tira. As mamas pequeninas, separadas, de mamilos sempre exaltados. Os soutiens sem alças, arrojando as maminhas, tapando apenas a redondeza externa, soutiens amigos-dos-homens. As saias curtíssimas, mas bojudas, com bolsos em lugares improváveis, dando a ilusão de estarem cheios. Os cabelos molhados como se estivessem sempre a sair das águas na direcção dos touros broncos. As mulheres nuas da Europa são o ponto mais alto da evolução, uma poderosa mensagem de paz e confiança nos homens.
Etiquetas: democracia, homens, mulheres
Morte de Tobias
A esta hora Tobias agoniza, o cão de Bonirre. Conheci Tobias nos campos do Mondego, quando era um jovem cão, e percorria as valas em todas as direcções perseguindo as sombras das cegonhas. Acho que nunca me viu. Farejou à primeira a minha antipatia e não me dedicou um segundo de atenção. A esta hora Tobias está parado, arquejante, rafeiro. Posso ver o proto-self de Tobias aos pés do self- autobiográfico de Bonirre, enfraquecendo juntos.
09 julho 2007
08 julho 2007
Um homem
//com rosaarosa
Etiquetas: homens
Al Gore III
A fotografia do filho de Al Gore preso, atrás do xerife de Orange County, rodeado de fotógrafos. O crime: guiava a 160 kms/h e "estava na posse de marijuana e uns Xanaxs". Não basta que os fascistas americanos revistem os carros de um cidadão e considerem crime uns fumos e uns comprimidos, que o levem para o calaboço e chamem os jornalistas, que estes acorram e considerem notícia esta violência. Alguém no Público não resistiu ao boneco. O P2 Pessoas devia ter autor, para nós percebermos quem vai tão longe na tabloidização de um dos poucos jornais de referência portugueses.
PS 1. Outro exemplo de boçalidade são as fotografias pornográficas que hoje acompanham a reportagem de fundo da Pública sobre Rio de Onor. Na ânsia de mostrar o primitivismo dos deserdados o fotógrafo revela o seu olhar de citadinocêntrico. O que fica é uma galinha depenada.
PS 2. Na semana em que Alberto Martins mais uma vez não se pronunciou sobre os casos concretos de autoritarismo do governo de Sócrates e Campos, o líder da bancada governamental ainda teve , no Público, um brochista para lhe dar uma seta para cima. Parece que Alberto Martins vai "tomar medidas que prometem tornar a Assembleia mais verde". Tenham dó.
Etiquetas: imprensa escrita
07 julho 2007
O filme que eu gostava de ver
(cf. nota de Jorge Mourinha no Ipsilão de ontem, p 56, o world cinema)
Etiquetas: cinema iraniano
Elogio da Zara
Em 1977 eram fantásticas as mulheres de Montpellier e aquela mulher perfeita de Paris, a editora do livro de Bertrand. Já a nouvelle vague tinha refluído e os Cahiers du Cinema acalmado, já a pílula se vendia sem receita médica e ainda não tinha sido inventada a sida. O mundo era um lugar afável, onde um homem podia parar em frente a uma loja de lingerie. As telefonistas do serviço de despertar tinham vozes de gargantas verdadeiras. Os telefones eram de baquelite e tocavam o som que identificava as chamadas telefónicas. Nos restaurantes as mulheres dos médicos entediavam-se e lançavam olhos dardejantes aos cavalheiros das mesas solitárias. Faziam-se filmes como os filmes de François Truffaut. Filmes secretos, delicados, sobre pessoas como nós gostaríamos de ser.
Mas a roupa das mulheres, em 1977, em Montpellier e em Paris, era horrorosa. As pernas das mulheres, nos vestidos de Dior ou do Ted Lapidus, parecem curtas. Os sapatos acrescentavam os gémeos, os tecidos não colavam às ancas, a lingerie parecia desenhada pela Dona Henriqueta em noite de delírio sado. Não há hoje nenhuma cadeia de pronto a vestir hispano-asiática que não perceba melhor a anatomia das mulheres. As pernas de 2007 são muito melhores que as de há 30 anos. E as mamas, os umbigos, os rabos, os pés, as costas e os fundos das costas. Bertrand havia de gostar. Ele previu os dias a vir, quando consolou a menina de vestido vermelho, aliás azul, sentada no fundo de uma escada. Mas não podia saber que o joelho da neta de Claire seria tão perfeito
Etiquetas: optimismo histórico, Trente ans après, Zara
Um homem do Mal: Bertrand Morane
O Homem que Gostava de Mulheres, de François Truffaut, foi realizado em 1977, estreado em Paris a 27 de Abril desse ano e em Lisboa, no S. Jorge, em Maio de 1978. Truffaut tinha 45 anos e ainda assinaria meia dúzia de filmes, entre eles O Último Metro e a Mulher do Lado, até morrer em 1984. Eu devo ter visto o filme nesse ano de 1984 e revi-o esta semana, no sótão do Bonirre. Sempre me desgostaram os lugares do mundo de infinita chateza por não terem sido medidos pelas pernas das mulheres. E embora tivesse ido facilmente de Montpellier a Béziers, faltou-me a urgência e a verdade de Bertrand Morane.
Etiquetas: François Truffaut, mulheres
06 julho 2007
Mon desir est une impatience
Qu'est-ce que le désir? La langue et les poètes font rimer désir et prison.
Quelle absurdité! Comme si celui qui est en prison pouvait brûler de désir!
Si j'étais libre, combien ne le ferais-je pas! Et, d'autre part, je suis
bien libre, libre comme l'oiseau et,croyez-moi, je brûle de désir, - je le
fais en me rendant chez toi et en te quittant, et, même étant assis à ton
côté, je brûle du désir de toi. Mais peut-on donc désirer ce qu'on possède?
Oui, si on pense qu'à l'instant d'après peut-être on ne le possédera plus.
Mon désir est une impatience éternelle."
KIERKEGAARD, "Le journal du séducteur"
A última frase "mon désir est une impatience éternelle" foi para mim,
durante muito, quase um lema.Tempos em que o desejo era impacienete e a
eternidade uma hipótese teórica. Hoje o desejo é uma hipótese teórica e a
eternidade uma impaciência melancólica.
La chair est faible, hélas.
sent by//rosaarosa
Etiquetas: carne, Kierkegaard (ler Kirke gordo), mulheres
03 julho 2007
Livros Urgentes
Respondendo ao desafio do Rui Bebiano (uma cadeia de livros arrisca-se a ser a cadeia da felicidade) aqui vão alguns dos livros que recomendo para esta semana:
1. Profanações, de Giorgio Agamben (Edições Cotovia 2006). Agamben esteve no centro de uma conferência em Serralves, na passada semana (descrita por João Paulo Sousa em Da Literatura) que foi um momento raro de inteligência. Para Agamben, o modelo de governo teocrático judaico-cristão formata todos os governos do Ocidente: um Rei que reina mas não governa, um Filho que se ocupa dos assuntos de Estado, e as hostes dos anjos nos ministérios, esses burocratas. Agamben ocupou-se do conceito de inoperatividade, um equivalente ao "desoeuvrement" de Blanchot. Depois do Juízo Final, Deus fica terrivelmente desocupado, e às almas do paraíso não resta outra saída senão a celebração da Glória. A Glória é a inoperatividade depois do Juízo Final. Em Profanações, Agamben escreve igualmente sobre o Dia da Cólera.
2. Intelligence, de Ian J. Deary, da colecção A Very Short Introduction, da Oxford University Press. Uma excelente colecção, a menos de dez euros o volume, que passa em revista questões actuais do conhecimento. Uma escrita viva, polémica, informada, didáctica sem deixar de ser rigorosa. Uma edição democrática, abarcando temas como a Consciência, a Fotografia, Ética, Teoria da Arte.
3. Segredos do Reino Animal, de Helder Moura Pereira, Assírio e Alvim, 2007. Helder Moura Pereira escreve:
(...) De que serviria gritar?
Pior do que não me ouvirem era ouvirem-me
só os deturpadores da minha língua.
4. Breviario Mediteráneo, de Predrag Matvejevic, na tradução castelhana da Anagrama. O romance ensaio mais célebre do jugoslavo, prefaciado por Claudio Magris, de quem igualmente recomendo Danúbio, publicado pela Dom Quixote em 1992.
5.The Oxford Handbook of Evolutionary Psychology, uma revisão exaustiva das últimas investogações nesta área. Editado por Robin Dunbar e Louise Barret com mais de 70 colaboradores e secções excitantes sobre Mating and life history, Cultural evolution ou The comparative approach.
Passo esta sugestão a Rosaarosa, à Susana Bês, ao Filipe Nunes Vicente, ao Luisinho e à Mónica, da Linha do Norte.
PS: Dando uma volta aos blogs percebo que a cadeia já vai longa e o Filipe já deu algumas sugestões, tão clássicas como se previa. O Luís Gouveia Monteiro também não é provável que rompa a tradição do belíssimo post mínimo a que nos habituou.
Agradeço a correcção ao Pedro e ao João Paulo Torres as questões pertinentes, e ter-me permitido conhecer o seu excelente blog. Como disse, o João Paulo de Sousa no blog Da Literatura, e depois o Luís Mourão, abordam alguns aspectos da conferência. Eu retive estes aspectos, talvez erradamente.
Etiquetas: cadeia de livros, livros, recomendações de Verão
Juízo Final
Jeff Wall
Eu hoje de manhã vi tantos mortos
que tive medo de ser o juízo final,
ter adormecido, ser já tarde,
terem soado as trombetas sem dar conta.
Vi os amigos que sofreram
no álcool e na estrada a morte violenta,
Vi o Mestre de quem tanto discordava
e foi como se ouvisse a sua voz.
Vi o senhor Serafim da mercearia,
a menina que falta no recreio.
Vi o meu pai numa varanda à espera.
Pensei que mais à frente iria dar
com uma barragem de anjos diligentes.
Já me acontecera assim um sonho:
sabemos o que nos vai acontecer,
antecipar o perigo, prever de onde vai surgir
o inimigo.
Parece uma vantagem.
Mas acabamos nas mesmas armadilhas.
Vou ser parado por anjos
que sabem que não temi a deus,
escrevi maus poemas em blogues,
e não as coisas sérias que devia.
Os anjos escreveram-me o curriculum mortae
Vão dar-me pasta, crachat, algumas senhas.
Etiquetas: Juízo Final, poesia lírica
Um gajo ao serio
Etiquetas: homens ao sério